sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Mário Lisboa entrevista... Cucha Carvalheiro

Olá. A próxima entrevista é com a atriz Cucha Carvalheiro. Irmã do realizador José Fonseca e Costa, estreou-se na representação em 1979 e desde aí desenvolveu um percurso como atriz (onde passou pelo teatro, pelo cinema e pela televisão da qual entrou em produções como "Na Paz dos Anjos" (RTP), "A Grande Aposta" (RTP), "Os Lobos" (RTP), "Olhos de Água" (TVI), "O Olhar da Serpente" (SIC), "Vingança" (SIC), "Flor do Mar" (TVI) e "37" (TVI), encenadora, diretora de atores e escritora tendo sido também diretora artística da NBP (atual Plural), durante dois anos e desde 2009 que é diretora do Teatro da Trindade em Lisboa e recentemente participou na peça "Casamento em Jogo" de Edward Albee que protagonizou juntamente com Rogério Samora e que contou com encenação de Graça P. Corrêa e no telefilme "Noite de Paz" que foi exibido na RTP no último Natal. Esta entrevista foi feita por via email no passado dia 26 de Agosto.

M.L: Recentemente protagonizou juntamente com Rogério Samora, a peça “Casamento em Jogo” de Edward Albee que esteve em cena no Teatro da Trindade. Como é que correu esta peça?
C.C: Correu muito bem sobretudo tendo em conta a época do ano (Junho/Julho) e a crise que já começa a sentir-se na bilheteira. O Teatro enchia às quintas-feiras, porque nesse dia praticamos o preço único de 5 euros e ao domingo, porque os beneficiários associados da Fundação Inatel (sobretudo os da 3ª idade) não gostam de sair à noite preferindo a matinée de domingo. Tivemos uma média de 200 espectadores/dia com alguns dias de lotação esgotada (a sala tem capacidade para 495 espectadores).

M.L: Como é que surgiu esta peça?
C.C: Estava à procura de uma peça para mim e para o ator Rogério Samora com quem tinha combinado trabalhar desde a altura em que fui convidada para dirigir o Teatro da Trindade: estávamos a contracenar na novela “Flor do Mar” para a TVI, quando recebi o convite. A oportunidade de concretizarmos este projeto a dois surgiu agora. Aprecio muito o dramaturgo Edward Albee, esta peça pareceu-me adequada para o tipo de programação que uma sala com as características da sala Principal do TT requer, propus o texto ao Rogério e avançamos.

M.L: A peça foi encenada por Graça P. Corrêa. Como foi trabalhar com ela?
C.C: A relação ator/encenador é sempre complexa. Mas o Rogério e eu somos atores disciplinados e apesar de algumas divergências naturais, durante o processo de ensaios tudo correu pacificamente.

M.L: Em “Casamento em Jogo” interpretou Gillian, uma mulher que durante a peça está em conflito com o marido Jack que foi interpretado por Rogério Samora. Como classifica a sua personagem?
C.C: É uma mulher inteligente, culta, auto-consciente, alegre, com um sentido de humor demolidor. Casada há trinta anos com Jack acumulou uma série de ressentimentos que se prendem com o fato de ele não lhe ser fiel, mas superou-os com inteligência: entre a paixão e o amor, ela escolheu o amor.

M.L: Como foi contracenar com Rogério Samora?
C.C: Foi como sempre, um grande prazer. Quer durante os ensaios, quer já durante a carreira da peça estivemos sempre muito ligados e todos os dias descobríamos coisas novas: é esse o encanto do Teatro, o jogo da presença, o “estar lá todos os dias” a “ouvir” o outro como se fosse pela primeira vez.

M.L: Como tem sido a reação do público a esta peça?
C.C: Excelente.

M.L: Como classifica esta peça?
C.C: Não gostaria de classificar a peça, mas sim o espetáculo. A encenação optou por uma comédia dramática. É possível que outro encenador fizesse uma abordagem diferente.

M.L: Atualmente é diretora do Teatro da Trindade, onde exerce o cargo desde 2009. Que balanço faz destes últimos dois anos em que está no cargo?
C.C: Faço um balanço muito positivo, atendendo aos constrangimentos orçamentais que têm vindo a agravar-se e à equipa reduzida de que disponho. Creio ter conseguido imprimir um grande dinamismo ao TT apresentando uma grande variedade de escolhas. Este é um teatro que é património da Fundação Inatel em cuja missão está inscrita a “criação e fruição cultural nos tempos livres dos trabalhadores”. Os beneficiários desta Fundação provêm (na sua maioria) da classe média. Creio ter havido em Portugal grandes equívocos quer na política cultural, quer também por parte dos agentes culturais no terreno. O que quero dizer é que não pode entender-se “a vanguarda” sem se conhecer “o cânone” e durante demasiados anos não houve “cânone” em Portugal. O chamado “grande público” afastou-se do teatro e não lhe foram dadas “as chaves” para entenderem os novos códigos. Por outro lado, a falta de uma política cultural consistente levou a que se confunda “cultura” com “entretenimento”. É neste contexto que na sala Principal (495 lugares) tenho tido a preocupação de servir o chamado “grande público” com espetáculos “mais canónicos”, mas de qualidade (Teatro, Música Popular e Erudita, Dança, Cinema) e programo os espetáculos de vanguarda ou de jovens autores, encenadores ou atores para a sala Estúdio.

M.L: O que a levou a aceitar o convite para dirigir o teatro?
C.C: Não sou pessoa para voltar as costas aos desafios: pensei que podia ser útil e abomino as pessoas que dizem mal de tudo e quando são convidadas a darem o seu contributo preferem ficar fora do jogo.

M.L: Como é que surgiu o interesse pela representação?
C.C: Conscientemente, quando vi um espectáculo memorável: o “Volpone” de Ben Johnson pelo Grupo Cénico da Faculdade de Direito de Lisboa com encenação de Adolfo Gutkin. Eu estava no 2º ano da Faculdade de Letras.

M.L: Fez teatro, cinema e televisão. Qual destes géneros que lhe dá mais gosto em fazer?
C.C: Teatro, sem dúvida. Porque há mais tempo de preparação e interiorização e porque a partilha que a presença do público constitui é uma experiência transcendente.

M.L: Qual foi o trabalho num destes géneros que a marcou, durante o seu percurso como atriz?
C.C: Levo todos os trabalhos muito a sério pelo que todos me marcaram.

M.L: Desde “Na Paz dos Anjos” (RTP) que é uma presença regular nas telenovelas. Este é um género televisivo que gosta muito de fazer?
C.C: Gosto de fazer e quando faço entrego-me totalmente ao trabalho, embora considere que se devia apostar mais na qualidade dos textos. Mas nunca me imaginei a fazer apenas telenovelas. Tenho gerido a minha vida profissional no sentido de nunca deixar de fazer teatro.

M.L: Como lida com a carga horária, quando grava uma telenovela?
C.C: É uma questão de hábito. É muito duro, mas é também uma grande “ginástica” para um ator.

M.L: Um dos seus trabalhos mais marcantes em televisão foi a telenovela “A Grande Aposta” (RTP), onde interpretou a personagem Stella Rodrigues. Que recordações leva desse trabalho?
C.C: Diverti-me imenso, porque era um papel muito cómico. Além disso, como os papéis que interpretamos sempre nos contagiam um pouco, andei bem-disposta, durante todo o tempo que duraram as gravações.

M.L: Qual foi o momento que a marcou, durante o seu percurso como atriz?
C.C: Em todos os trabalhos, há sempre qualquer coisa que nos marca, alguém com quem partilhamos um momento único, uma questão que nunca nos tínhamos colocado, uma dúvida que guardamos para tentar resolver mais tarde, um espectador que nos surpreende… Foram tantos os momentos marcantes que não é possível escolher.

M.L: Como vê atualmente o teatro e a ficção nacional?
C.C: Com muita preocupação. A Cultura sempre foi o parente pobre do Orçamento de Estado e a desculpa da crise é uma oportunidade para desinvestir ainda mais sobretudo por parte de um governo assumidamente liberal. A Cultura não é nem nunca foi uma atividade auto-sustentável. O entretenimento talvez.

M.L: Gostava de ter feito uma carreira internacional?
C.C: A minha pátria é a minha língua.

M.L: Este ano (2011) celebra 32 anos de carreira desde que começou em 1979. Que balanço faz destes 32 anos?
C.C: Em Portugal, não se pode dizer que haja carreiras. Há caminhos que se vão percorrendo um pouco ao sabor do acaso e da necessidade. Alguns trazem alegrias, outros mágoas. Digamos que tenho tentado aprender com cada percurso que sigo e acho que sou hoje uma pessoa melhor e mais feliz do que era há 32 anos.

M.L: Durante o seu percurso como atriz também foi encenadora, diretora de atores e escritora. Qual destas funções em que se sente melhor?
C.C: Inegavelmente como atriz.

M.L: Também foi diretora artística da NBP (atual Plural), durante dois anos. Que recordações leva do tempo em que esteve no cargo?
C.C: Muito trabalho, muita dor de cabeça e a consciência de que dei o meu melhor na exigência da qualidade.

M.L: Qual foi a personalidade da representação que a marcou, durante o seu percurso como atriz?
C.C: Manuela de Freitas. A sua capacidade de entrega, o entendimento da profissão de ator como um sacerdócio.

M.L: É irmã do realizador José Fonseca e Costa. Como vê o percurso que o seu irmão fez até agora?
C.C: Creio que tem sido uma vítima de algum “status quo” pseudo-intelectual que existe no meio do Cinema e vítima também da sua falta de paciência para lidar com ele.

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
C.C: Para além da programação do TT, vou participar num telefilme para a TVI cujas gravações decorrerão já em Setembro e andarei com o “Casamento em Jogo” em digressão. A próxima paragem é já dia 17 de Setembro em Loulé.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda?
C.C: Um ano sabático para viajar.

M.L: Se não fosse a Cucha Carvalheiro, qual era a atriz que gostava de ter sido?
C.C: Gosto de ser quem sou com todas as qualidades, defeitos e limitações. Já me dá muito trabalho! Ser outra pessoa, só na ficção.ML

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