quarta-feira, 28 de março de 2012

Mário Lisboa entrevista... Dalila Carmo

Olá. A próxima entrevista é com a atriz Dalila Carmo. Natural do Porto, interessou-se pela representação aos 15 anos e desde aí desenvolveu um percurso que passa pelo teatro, pelo cinema e pela televisão (onde entrou em produções como "Diário de Maria" (RTP), "Todo o Tempo do Mundo" (TVI), "Jardins Proibidos" (TVI), "Filha do Mar" (TVI), "Morangos com Açúcar" (TVI), "Ninguém como Tu" (TVI), "A Outra" (TVI) e "Equador" (TVI), atualmente vive entre Lisboa e Madrid, é vice-presidente do Conselho Fiscal da Academia Portuguesa de Cinema que é equivalente à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e recentemente participou na telenovela "Sedução" (TVI) e na longa-metragem "Florbela" de Vicente Alves do Ó que estreou no passado dia 8 de Março e onde interpretou a poetisa Florbela Espanca. Esta entrevista foi feita por via email no passado dia 29 de Novembro.

M.L: Recentemente protagonizou a longa-metragem “Florbela”, onde interpretou a poetisa Florbela Espanca. Como correu este trabalho?
D.C: O trabalho correu muito bem! Vivi em dor (pela carga e pela dureza das cenas) e simultaneamente em estado de graça, durante dois meses. Um guião incrível, um realizador que adoro e com quem já tinha trabalhado no anterior projeto dele, o "Quinze Pontos na Alma" e agora esta personagem maravilhosa. Foi lindo e emocionante. Só guardo boas memórias do projeto que ainda não está terminado. Está em pós-produção e há sempre umas afinações. Preciso muito de voltar a ele. Foi difícil chegar ao fim das filmagens.

M.L: Como é que surgiu este projeto?
D.C: O Vicente Alves do Ó resolveu pegar na Florbela por achar que é uma figura da nossa literatura muitas vezes subestimada e por quem muita gente sente um certo preconceito. Ora porque escrevia sonetos, ora pela sua natureza arrebatadora... quis pegar nela pela sua humanidade. E disse-me desde o princípio que estava a escrever o guião para mim. Foi a melhor prenda que tive na vida. Se tivesse ido a um casting jamais teria ficado. Ela tinha o nariz e a boca pequenos e eu não. E ao Vicente interessava-lhe outra coisa.

M.L: Como é que fez a pesquisa para se preparar para o papel?
D.C: Comecei por reler toda a obra dela. Além do que estudamos no liceu nunca tive uma "fase Florbela" como acontece a tanta gente na adolescência por exemplo. Precisei de lê-la com outra maturidade e noutra perspetiva. A comportamental. Não tanto de analisar o que ela escreve, mas porque o escreve. De onde vem aquela insatisfação, aquela delicadeza, aquela dor. Li todas as biografias a respeito dela, mas todas são contraditórias por isso nós temos sempre uma leitura a partir de outras leituras. Ela própria não se conhecia como o chegou a escrever, por isso será sempre a "minha" Florbela e a tentativa de me aproximar da sua verdade. Também estive com pessoas da sua família que me forneceram informação imprescindível bem com uma antiga aluna dela com uma memória extraordinária e com quem passei uma tarde à conversa. Juntei tudo e tentei dar-lhe forma sem desenhar demais. Não me interessa a forma senão o que ela tem lá dentro.

M.L: Como é que define a Florbela Espanca?
D.C: Uma mulher cheia de contradições, insatisfeita, sofredora, pouco resignada, rebelde, mas uma rebeldia que lhe vem da natureza emancipada e visionária e não por contestação gratuita. Ela era muito vulnerável e sensível. Uma das coisas que a Sra. Dona Aurélia Borges (a sua aluna) me contou é que ela ficava logo de lágrimas nos olhos, quando a contrariavam nem que fosse numa crítica a um chapéu que estivesse a usar. Não era excêntrica por provocação. Era, porque não se encaixava nos padrões da época. Nasceu fora do seu tempo. Era um espírito livre.

M.L: “Florbela” é realizada por Vicente Alves do Ó com quem já trabalhou anteriormente. Como foi trabalhar com ele?
D.C: Do Vicente só consigo dizer maravilhas. É um dos meus melhores amigos e é complicado separar. É uma amizade que nasceu no trabalho. Na cumplicidade. Ele é um contador de histórias, a cabeça dele não pára de produzir ideias e para mim é maravilhoso tentar dar-lhes forma. Além disso, ele não se deixa trair pelo ego como muitos realizadores. Sabe o que quer e é firme nas suas convicções, mas é completamente aberto ao diálogo e às propostas das pessoas. Adoro-o!

M.L: Que expectativas tem em relação a este projeto?
D.C: Todas. Que fique um filme lindo e que toque nas pessoas. Faz falta humanidade no nosso cinema. É um filme de sangue, suor e lágrimas. Para mexer com as pessoas. E obviamente tenho expectativas que faça muitos espectadores. Merecemos isso e merecemos continuar com o pouco cinema que se faz em Portugal.

M.L: Como classifica este projeto?
D.C: Não é um biopic tradicional. O caroço central do filme passa-se em 4 dias da vida da Florbela. Não vai ser a tradicional história desde o berço até ao fim da vida dela. São (isso sim) 4 dias, onde se passa muita coisa e o acontecimento central da vida da Florbela que não vou dizer qual é.

M.L: Anteriormente participou na telenovela “Sedução” (TVI). Que balanço faz da sua participação neste projeto?
D.C: Foi bom fazer a novela do Rui (Vilhena). Já nos conhecemos bem e a linguagem um do outro. Tenho sempre a minha ideologia que se deveria trabalhar a outro ritmo e noutras condições, mas isso vem com o tempo acho eu. Também preciso de fazer televisão de vez em quando. Dá-nos muita ginástica… é um trabalho muito difícil e injustamente subestimado por certas pessoas do meio. Trabalha-se muito. É uma escola também e há grandes profissionais.

M.L: Como é que surgiu o interesse pela representação?
D.C: Aos 15 anos no Porto. Estava a descobrir-me e o teatro pareceu-me o caminho. Também pela componente lúdica que envolvia um curso de teatro. Preciso muito disso.

M.L: Fez teatro, cinema e televisão. Qual destes géneros que lhe dá mais gosto em fazer?
D.C: Depende dos projetos. Gosto dos 3 géneros se o projeto for de qualidade. Preciso de ir alternando.

M.L: Qual foi o trabalho num destes géneros que a marcou, durante o seu percurso como atriz?
D.C: Teatro foram “As Vidas Publicadas” de Donald Margulies encenado pela Marcia Haufrecht. Foi o meu projeto. Televisão foi o "Diário de Maria" (RTP), porque era o primeiro em TV e foi super-difícil. E cinema foi sem dúvida, a “Florbela”.

M.L: Desde os últimos anos que é uma presença regular nas telenovelas. Este é um género televisivo que gosta muito de fazer?
D.C: Também já respondi a isso. Gosto de ir alternando. Mas em TV prefiro outros formatos como mini-séries ou telefilmes.

M.L: Como lida com a carga horária, quando grava uma telenovela?
D.C: Durmo pouco e não vejo ninguém, durante 9 ou 10 meses. Sou pouco resistente fisicamente. Não há espaço para mais nada.

M.L: Um dos seus trabalhos mais marcantes em televisão foi a telenovela “Filha do Mar” (TVI), onde interpretou a personagem Marta Barquinho. Que recordações leva desse trabalho?
D.C: Foi muito marcante para mim. Tenho grandes memórias desse trabalho.

M.L: Qual foi o momento que a marcou, durante o seu percurso como atriz?
D.C: Todos. Em cada projeto saímos com uma coisa nova. É difícil responder.

M.L: Como vê atualmente o teatro e a ficção nacional?
D.C: É estranho juntar as 2 coisas na mesma resposta. Uma tem uma conotação mais cultural e a outra de entretenimento. Acredito nas duas. Mas também acho que ainda ninguém percebe que no teatro e no cinema é preciso investir. O cinema é uma arte cara... são respostas muito longas. Podíamos falar só disso e ainda tenho muitas perguntas para responder.

M.L: Gostava de fazer uma carreira internacional?
D.C: Acho que todos os atores gostariam. Mas não o faço a qualquer preço. Há valores afetivos que se levantam e que me impedem de pôr isso à frente do resto para investir tempo e dinheiro numa carreira internacional.

M.L: Vive entre Lisboa e Madrid, mas nasceu no Porto. Já alguma vez se arrependeu de ter decidido ir viver para Lisboa?
D.C: Nunca! ADORO Lisboa.

M.L: Está com quase 40 anos. Como é que se sente ao chegar a esta idade?
D.C: Tenho 37. Ainda faltam 3! Sinto-me como um bebé de uma certa idade.

M.L: Que balanço faz da sua carreira?
D.C: Positivo. Tenho tido grandes lições não só a nível profissional como de vida. Sou uma sortuda por poder viver tanta coisa e com tanta intensidade.

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
D.C: Vou fazer um papel pequenino numa mini-série espanhola em Dezembro, aguardo instruções da TVI com quem estou desde 1998, vou fazendo castings, tenho uma possibilidade de fazer uma peça por aqui também... várias coisas das quais ainda não posso adiantar nada de muito concreto.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda?
D.C: Falta-me fazer tudo. Uma personagem que sempre adorei foi a Menina Júlia de Strindberg. Ou tantas do Tennessee Williams... mas acredito que está tudo por fazer. Uma coisa boa é que fui perdendo um pouco a ansiedade. Não quero ser tudo nem fazer tudo. Tenho muitos sonhos e objetivos, mas lido com uma coisa de cada vez. E sempre com tempo e disponibilidade para ter "uma vida" compatível com o trabalho. Se pudesse trabalhava 6 meses e os outros 6 passava a viajar e a olhar só para as coisas. O resto, o tempo o dirá.

M.L: Se não fosse a Dalila Carmo, qual era a atriz que gostava de ter sido?
D.C: A minha heroína é a Anna Magnani. Mas só ela pode ser ela própria. Nunca quis ser outra pessoa.ML

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