domingo, 13 de setembro de 2015

Mário Lisboa entrevista... Margarida Rodrigues

Iniciou-se na Fotografia em 2012 e desde aí tem desenvolvido um percurso como fotógrafa que promete chegar a grandes voos. Além da Fotografia, também tem experiência na psicologia e na ilustração, e recentemente lançou o livro “With the Absolute Heart of the Poem of Life” que é um projecto de fotografia sobre a Geração Beat que surgiu nos finais dos anos 50/inícios dos anos 60. Esta entrevista foi feita no passado dia 17 de Agosto.

M.L: Quando surgiu o interesse pela Fotografia?
M.R: Em 2012.

M.L: Quais são as suas influências nesta área?
M.R: Cinema; o meu objectivo de futuro. A minha mãe. E eu.

M.L: Desde 2012 que trabalha como fotógrafa. Como é que é a sua rotina em termos de preparação para um trabalho fotográfico?
M.R: Difícil e desafiante. Sou produtora de todos os meus trabalhos, o que torna o trabalho simultaneamente mais orgânico e genuíno. Control freak por excelência, penso que só poderia ser assim uma vez que cada fotografia que elaboro contém uma linguagem um pouco hermética. É um puzzle pessoal bastante simbólico que monto e que estou preparada rapidamente para desconstruir ao convidar pessoas para o executar, cuja energia é fundamental para que o produto final aconteça.

M.L: Além da Fotografia, também tem experiência na psicologia e na ilustração. Em qual destas actividades em que se sente melhor?
M.R: Melhor? Em todas. Provavelmente estarei muito bem também noutras tantas. Tenho a certeza que a minha vida é infinitamente insuficiente para tudo o que tenho capacidade para fazer; mas foi algo que aprendi a aceitar e confirmar ou desmentir até um dia morrer. Por agora, aprendo a ler marés e correntes e fazer não só o que gosto mas o que entendo que é necessário.

Fiz um mestrado em psicologia educacional; na realidade penso que já nasci psicóloga como todos nós. Todos temos a capacidade de curar o próximo se o quisermos fazer. Fui psicóloga fora da lei (portanto sem estágio para a ordem dos psicólogos) e orgulho-me de todo o meu trabalho durante esses três anos. E continuaria a fazê-lo caso houvesse oportunidade. Com um cenário de psicólogos a visitar escolas em modo de veterinários de aldeia, com famílias na corda bamba como manda a tradição e idosos a viverem no profundo isolamento, penso que seria necessária. Eu e tantos que neste momento não o estão a fazer.

Tudo surge da necessidade. Comecei a ilustrar pela necessidade de fazer frente à visão extremamente simplista que encontro frequentemente na ilustração infanto-juvenil. Ganham muitos prémios, elaboram “objectos” muito bonitos, mas ao observar narrativas do género “era uma vez um sapo” e temos uma ilustração na página oposta, fabulosa, minimalista de um sapo, acho que mais um neurónio na cabeça de uma criança morreu. Penso que esse mesmo neurónio morreu devido à corrente pedagógica made in Piaget que defende que não devemos ou não podemos fazer mais do que nos compete. Ora, durante a Universidade descobri a perspectiva de (Lev) Vygotsky que resumidamente defende que se quiser dançar antes de andar, nada o deve deter nem mesmo a própria incapacidade. As minhas ilustrações são sempre acompanhadas de narrativas também criadas por mim, normalmente recebidas com uma torcida de nariz pela maior parte das pessoas. Eu compreendo que as editoras tenham medo de gastar muito dinheiro em impressões megalómanas, que não tenha nome de mercado e que os pais queiram proteger as crianças de determinados conteúdos crus e frontais como as minhas histórias. Crus e frontais como os pais não querem que as crianças sejam.

A fotografia surgiu não só do meu pânico face a uma crescente visualização de uma versão cartoonesca do corpo humano (que nada tem a ver com perfeição), mas também como um desafio colocado a mim mesma. Abandonei no 11º ano a escola de artes que frequentava. Achei de forma lúcida que tudo já tinha sido inventado e que o máximo que poderia fazer seria boa qualidade de reciclagem, e que por isso deveria escolher uma profissão útil. Hoje, passados uns bons anos, depois de nunca ter deixado de criar, decidi de forma teimosa mentir a mim mesma e sem formação criar imagens. Fotografia requer mais qualquer coisa de fluido que eu não tenho, nem quero ter. Crio imagens para passar uma mensagem, mais do que criar algo bonito. Na tentativa de evitar a desvalorização geral de tudo, da banalização geral de tudo, de provocar um olhar atento não tanto por aquilo que o meu trabalho exibe, mas pelo que esconde.

Numa sinopse simpática, curta e grossa: sinto-me melhor onde me sinto necessária, e onde a minha capacidade pode responder a essa necessidade. É a coisa simples da minha vida ser tanto mais missão do que procura do prazer ou fuga à dor. Estou cansada de repetições, gostava que outros também o estivessem.

M.L: Como vê, actualmente, a Fotografia, a nível global?
M.R: Vejo como tudo. Com a fé imensa de ser surpreendida no meio do déjà vu que envia um suicida para destino previsível. É um peso enorme que se carrega quando toda a gente só procura leveza. Isto aplica-se à fotografia. Mas a teimosia puxa-me para o amanhã.

M.L: Recentemente, lançou o livro “With the Absolute Heart of the Poem of Life” que é um projecto de fotografia sobre a Geração Beat que surgiu nos finais dos anos 50/inícios dos anos 60. Como é que surgiu a ideia de criar este projecto?
M.R: Cada vez que me fazem essa questão, escolho sempre um caminho diferente. Tenho 3 linhas de aterragem. A primeira resposta é: pela memória. Trabalhei com adolescentes durante os últimos anos que achavam a Lady Gaga a coisa mais avant-garde do “pedaço”. Quando se dá explicações de História, uma disciplina extremamente mal tratada e sentida como uma mancha de bolor ou uma bola de naftalina, o desafio é sempre a dobrar: o de tentar fazer entender que o presente depende do que queremos ocultar lá atrás por falta de interesse da plateia. Neste contexto, certo dia numa aula, um miúdo disse “os hippies é que eram hardcore”. E pensei nos notáveis renascentistas que brilham à frente de gerações de cientistas e artistas geniais envoltos em trevas nos séculos anteriores que os empurraram até ao século XV. E pensei na Beat Generation que numa América branca desafiaram e desconstruíram o sonho americano através do seu talento ou ausência dele em viver e criar. Ao seu lado, a geração de 60 foi apenas uma consequência directa, uma explosão de marketing. Este tema é-me querido; a importância da memória, a importância de testemunhas, para que a única coisa que aprendemos com a História não seja que aprendemos nada com ela.

A segunda razão foi mais recente. Em 2012 comecei a ter pesadelos com algo que se tinha passado em 2004. Uma tentativa de violação sofrida enquanto estudante de intercâmbio nos EUA. Escapei com uma joelhada e decidi fazer o caminho de volta a pé até casa da minha família adoptiva. Mas era longe, e perdida durante umas 3 horas, parei após uma longa caminhada num alfarrabista que de forma certeira achou que “tinha olhos de peixe” e que precisava de algum conforto em livros. E por isso, ofereceu-mos. E sim, eram do Jack (Kerouac), Allen (Ginsberg) e (William S.) Burroughs. E outros sobre astrologia, um interesse que descobrimos ter em comum. Voltei para casa a pé onde me esperava o gato zarolho da família. Ao pé dele fiquei o resto do dia a ler as ofertas do velho sulista. Foram o meu conforto a milhares de km de casa e por isso estou-lhes eternamente grata. O que nos leva à terceira e última razão - a do agradecimento. Podemos sempre parar esta roda de energia que nos alimenta o ego e nunca retribuirmos, mas prefiro agradecer sempre, mesmo ao desconhecido, morto ou anónimo, a inspiração e apoio. A arte está cá para isso.

M.L: Como tem sido a reacção do público ao “With the Absolute Heart of the Poem of Life”, desde o seu lançamento até agora?
M.R: É a melhor pergunta feita até agora, porque o público sou eu. Fiz o livro para mim e para quem vier a descobri-lo. Tenho consciência que não criei algo de fácil consumo. Por isso para responder à pergunta, o melhor a dizer é que tem sido difícil. Sem apoio da editora (entre outros entraves), sem acessória de imprensa ou qualquer tipo de publicidade o que costumo fazer é perseguir pessoas. Daí o auto-desígnio de stalker. Persigo apresentadores de programas culturais, revistas, magazines, etc. O que não é sempre garantido bem como a morte, por isso tenta-se até acabar com a paciência das pessoas. Como diz a minha mãe “as árvores morrem de pé”, e estou apenas no início.

M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido nos últimos 3 anos como fotógrafa?
M.R: Bom, sempre bom. Estou sempre a aprender cada vez que tiro uma fotografia. Que o universo me permita tempo suficiente para aprender mais.

M.L: Quais são os seus próximos projectos?
M.R: Dos que posso falar, tentar editar um livro de ilustração e trabalhar no argumento de um filme. Actualmente, estou a trabalhar num projecto de fotografia sobre sexualidade chamado Casa 8. Stay tuned.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
M.R: Ser psicóloga ao serviço da educação pela arte, um conceito que anda a morrer aos poucos graças a poucos recursos e à falta de “inspiração” de quem a devia espalhar pelo país. Aprender a fazer plastinação, trabalhar numa casa funerária e ter uma filha. Os filmes, as ilustrações e as fotografias surgirão pelo meio.ML

Esta entrevista não foi convertida sob o novo Acordo Ortográfico.

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