sábado, 31 de março de 2018

Lucinda Loureiro


Para terminar Março, o mês da Mulher, aqui deixo um texto que a atriz/encenadora/diretora de atores Lucinda Loureiro escreveu no passado dia 26 de Março a meu pedido sobre a Mulher em si.

"Pediu o Mário Lisboa que escrevesse sobre a mulher e as dificuldades para singrar.

Bom, resolvi falar sobre mim, sendo eu um reflexo de outras mulheres.

Tenho que andar uns anos para trás, ao tempo da minha infância e juventude.

Fui criada no seio de uma família tradicional, da alta burguesia, e alguns dos meus antepassados, estavam ligados às artes. Música, pintura, fotografia, escrita. Mas, só uma bisavó, ganhava o seu sustento e depois de ficar viúva, dando aulas de piano.

Eu e os meus irmãos, éramos cinco, costumávamos brincar dizendo que nós éramos a ÍNCLITA GERAÇÃO. Todos tínhamos algum talento para as artes. O irmão mais velho, dizia poesia, o segundo desenhava muito bem, eu gostava de dançar, de ver teatro na televisão, e de escrever. A minha irmã, adorava ballet e o mais novo música. Como era habitual numa pequena cidade do Interior, e com o contexto familiar que me rodeava, estava destinado para mim, estudar, talvez até ao 3º ano da faculdade, mais não me exigiam, e depois casar e ter filhos. Quando cheguei ao antigo 5º ano do liceu, actual 9º ano de escolaridade. Comecei a dizer que queria ir para o conservatório de teatro. Ui, ui nem pensar afirmaram os meus pais. Fiquei triste mas não tive outro remédio senão calar e continuar a acalentar em segredo este sonho. Recusava e por vezes era castigada quando não executava as tarefas femininas que me destinavam. Em vez de coser ou passar a ferro, passava horas a ler. Era certo e sabido que havia confusão lá em casa. Quando se deu o 25 de Abril aderi de imediato a tudo o que até então eu desconhecia. Encontrei nessa época o meu propósito de vida. Contestei a autoridade paternal, e comecei o meu caminho em direcção à liberdade de pensamento, ao movimento de emancipação da mulher.

Quando já em 1977 chegou a Viseu um grupo de actores, e um deles foi viver para a casa da minha sogra, sim porque eu casei muito cedo e tive um filho ainda com 16 anos. Fruto da minha ingenuidade, e desconhecimento dos métodos para não engravidar. Aliás estava proibida de abordar sequer o tema pílula com a minha mãe. Bom, mas ele foi para lá e de imediato lhe disse da minha vontade de ser actriz. Sorte a minha, passados meia dúzia de meses, uma das actrizes regressou a Lisboa, e eu pude ir a um ensaio a convite do grupo de teatro para mostrar o que valia. Fiquei feliz, feliz. O problema a seguir era anunciar aos meus pais a minha decisão. Claro que mais uma vez, foi muito mal aceite. Apesar de apreciarem e de à sua maneira incentivarem a vida cultural, ter uma filha actriz era outra coisa. As meninas de bem não iam para o teatro. Muito bem, pensei eu, deixarei de ser uma menina de bem, e passei a integrar o grupo de teatro a Centelha, assim se chamava. E foi o melhor que fiz. Aprendi, conheci muita gente do mundo das artes, logo nos dois anos que estive nesse grupo. Após este período comecei a sentir mais uma vez que Viseu não me chegava. Tinha que partir. Agora o problema era outro. Com um filho pequeno enquanto estava rodeada de família, eram eles que tomavam conta dele na minha ausência, mas levá-lo comigo para outra cidade, era mais complicado. Ainda por cima, tinha chegado o momento de me separar. Demorei algum tempo a tomar uma decisão, mas lá fui para o Porto. Deixei o meu filho com os meus pais, e fui estudar Secretariado e Gestão. Mas o teatro sempre na minha mira. Um dia, estava a estudar ao mesmo tempo que ouvia rádio, e eis senão quando, anunciam que o Teatro Experimental do Porto, precisava de uma actriz. Saí de imediato de casa e apresentei-me no Teatro. Fiquei nesse mesmo dia. Nada disse aos meus pais, porque tive que abandonar os estudos, e só os convidei para a estreia. Lá foram. E correu melhor do que esperava, porque começaram a perceber que eu não ia desistir. E para não me alongar muito, vou resumir o resto. Cedo o Porto ficou pequeno. O meu sonho sempre foi vir para Lisboa. Aqui continuou a colocar-se à questão sentida anteriormente. Como fazer teatro e criar o meu filho? Lá fui conseguindo, umas vezes levando-o comigo. Chegando mesmo a dormir no camarim.

Como actriz tive quase sempre o apoio dos meus colegas, quer em termos pessoais quer artísticos. Nunca me senti discriminada. Só quando comecei eu, a encenar ou fazer direcção de actores é que me apercebi que ainda muita coisa estava por fazer. Era preciso continuar a lutar pelo nosso lugar de mulheres criativas e que também sabíamos dirigir e estar à frente dos projectos a que nos propúnhamos. Hoje, ainda há muita desigualdade, continuaremos a lutar.

Lucinda Loureiro"

Sem dúvida nenhuma, uma MULHER lutadora e corajosa. Muito obrigado, Lucinda.
Mário Lisboa

domingo, 11 de março de 2018

"A Senhora das Águas" (2001/02)


Manuel Arouca é, desde os "Jardins Proibidos" (TVI) original, um dos meus autores favoritos e algumas das minhas telenovelas favoritas são da sua autoria e uma delas é "A Senhora das Águas", que está atualmente em reposição na RTP Memória.

                                        
Exibida originalmente entre 2001/02, "A Senhora das Águas" foi a última telenovela da RTP produzida pela NBP (atual Plural Entertainment Portugal) e estreou no mesmo dia que a telenovela "Filha do Mar" (TVI), também escrita por Manuel Arouca e produzida pela NBP, mas infelizmente não teve o sucesso que merecia.


"A Sónia é me particularmente querida por ter sido o 1º e talvez o único papel menos simpático que desempenhei."
Sofia Nicholson sobre a sua personagem Sónia Mendes Bernardes em "A Senhora das Águas" numa entrevista para o "Mário Lisboa entrevista..." em Outubro de 2014.

Eu ouvi falar de "A Senhora das Águas" na altura da sua estreia e lembro-me da sua campanha de promoção e quando finalmente consegui ver a telenovela na RTP Memória numa reposição em 2009, eu gostei logo de imediato por várias razões nomeadamente a nível narrativo e visual (por falar a nível visual, o cenário de Viseu é sem dúvida uma das coisas boas que "A Senhora das Águas" tem). Eu tenho que salientar também o fantástico figurino da igualmente fantástica Teresa Alves nomeadamente o da protagonista Mercês Vargas (Luísa Cruz).



"De “A Senhora das Águas” guardo as melhores recordações. 1ª: a minha personagem era muito maluca, divertida e também tinha um bocadinho de maldade, o que enriquecia imenso as situações. Depois, porque gravei os exteriores na vila de Santar ao lado de Viseu, onde passei parte da minha infância. Depois, os meus colegas e a equipa eram do melhor. Grandes profissionais e gente boa."
Lucinda Loureiro ("Ondina de Jesus Trolha") sobre "A Senhora das Águas" numa entrevista para o "Mário Lisboa entrevista..." em Dezembro de 2012.

"A Senhora das Águas" leva o seu tempo para desenvolver a sua trama e as suas personagens e tem um lado místico fortíssimo e também um elenco muitíssimo bom encabeçado por uma fantástica Luísa Cruz a estrear-se naquela altura nas telenovelas.

Amélia Videira como Ilda, a Senhora das Águas
Luísa Cruz e o brasileiro Oscar Magrini como o par romântico Mercês e Lucas
Simone de Oliveira como "Maria dos Prazeres"
A brasileira Juliana Baroni como "Cláudia Cardoso Lobo"
Virgílio Castelo, também diretor-geral da NBP na altura, como "João Manuel" na primeira fase de "A Senhora das Águas"
Eu ainda hoje tenho imenso carinho por "A Senhora das Águas", pois infelizmente já não se fazem telenovelas como esta hoje em dia, e para terminar aqui deixo a canção-título do lendário Carlos Mendes que é a minha favorita de toda a telenovela.


Mário Lisboa

quinta-feira, 8 de março de 2018

8 de Março, o Dia Internacional da Mulher


Hoje (8 de Março) é o Dia Internacional da Mulher e é um dia que eu levo em consideração há já bastante tempo, pois a Mulher é um ser muito lutador, muito especial e, sem dúvida nenhuma, é também um ser muito superior ao Homem. Mas, infelizmente, a Mulher ainda é muito menosprezada, apesar dos progressos que têm havido para inverter isso, e a propósito de homenagear este fantástico ser e o seu dia especial, eu convidei a realizadora/produtora independente Isabel Pina, que é uma das minhas grandes amigas e faz anos precisamente hoje, para escrever um texto sobre a Mulher em si.


"8/3/2018 M U L H E R

Respondendo ao desafio do blogger de cinema Mário Lisboa, deixo aqui uma pequena reflexão acerca deste 8 de março de 2018.

Habituei-me ao longo dos anos a ser felicitada duplamente neste dia; pelo meu aniversário e pela minha condição de mulher. E todos os anos assisto a iniciativas que têm como propósito enaltecer a condição da mulher e recordar o porquê desta efeméride neste dia. Mas este ano há algo de diferente, há algo a mais; primeiro porque completo um daqueles aniversários com um número bem redondo, e depois paira algo de novo no ar a querer cumprir-se para que sejam operadas mudanças efetivas no coletivo global.

Uma das indústrias que potencialmente mais influencia as consciências no mundo - a do cinema - colocou na voz de muitas protagonistas do meio uma mensagem de urgência na questão da igualdade no tratamento das mulheres em relação aos homens. É sem dúvida um tema de referência da atualidade.

Em novembro último, 700.000 trabalhadoras agrícolas escreveram uma carta aberta de apoio à causa das atrizes vítimas de assédio sexual. Depois de a lerem, os membros da Time’s Up sentiram a necessidade de direcionar os seus esforços ao resto do mundo.

“Se este grupo de mulheres não consegue lutar pelas outras mulheres, que não têm tanto poder nem privilégios, quem irá conseguir?” questionou Shonda Rhimes, produtora executiva de séries de televisão.

O Time’s Up é gerido por voluntárias e composto por grupos de trabalho, com diferentes focos. Entre as voluntárias do Time’s Up estão as atrizes Ashley Judd, Eva Longoria, America Ferrera, Natalie Portman, Emma Stone, Kerry Washington e Reese Witherspoon.

“Estamos finalmente a ouvir-nos umas às outras, a ver-nos umas às outras e agora a dar as mãos pela solidariedade umas pelas outras e por todas as outras mulheres que não se sentem vistas nem ouvidas”, afirmou a atriz Reese Witherspoon.

Desde essa altura para cá, em vários eventos mediáticos de cinema, este tema é recuperado e apesar destas mulheres se dizerem muitas vezes frustradas pelos resultados não tão imediatos, garantem que não vão desistir. Tenho esperança que o movimento continue e que não haja volta atrás.

Já me aconteceu ter de me apresentar sumariamente, e quando isso acontece, costumo dizer algo com que me identifico bastante: “Olá, eu sou a Isabel, e sou do signo Peixes, e como tal, sou uma sonhadora”. E é bem verdade, sou uma sonhadora, e quando não estou a sonhar, é porque estou ocupada a cumprir os meus sonhos. E um dos sonhos que tenho é ver o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem [e Mulher] cumprido na sua íntegra – “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para os outros em espírito de fraternidade”. A propósito do dia de hoje, também sonho que os artigos 2º e 23º possam ser cumpridos – “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente, de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento, ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território independente, sob tutela ou sujeito a alguma limitação de soberania.” […] “2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.”

Sendo eu M U L H E R, nada melhor do que ter um bocadinho de voz neste dia tão especial, e recordar a voz da rainha do soul, Aretha Franklin, a pedir “just a little bit… RESPECT”. 

Termino com uma reflexão de uma das mulheres que mais influenciou o mundo positivamente: “Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.” Madre Teresa de Calcutá.

Xi-coração da Isabel Pina"


Mário Lisboa