domingo, 22 de abril de 2018

Mário Lisboa entrevista... Rui Pedro Tendinha

O Cinema é a sua grande paixão desde muito cedo, ficando amigo do chamado "monstro" segundo o próprio, o que o levou à Comunicação Social, e desde aí tornou-se num dos mais carismáticos jornalistas/críticos de cinema em Portugal, com uma genuidade e uma acessibilidade só comparável ao igualmente carismático Mário Augusto. Com alguma experiência na realização, apresenta desde 2013 o programa "Cinetendinha" que é exibido tanto na SIC Radical como nos Canais TVCine e Séries, e gostava de desenvolver uma ideia de residências artísticas de Cinema. Esta entrevista foi feita na Biblioteca Municipal de Santa Maria da Feira.

M.L: Quando surgiu o interesse tanto pela Comunicação Social como pelo Cinema?
R.P.T: Eu acho que foi o Cinema que me levou para a Comunicação Social, porque eu desde criança fiquei amigo do “monstro”. O Cinema é um “monstro”, o Cinema em si simboliza, atrai e molda a vida, e a dada altura o Cinema foi um espelho que eu tive para ver os outros e ver a vida. No fundo, não era só um entretenimento. Mesmo desde criança, era algo vital, era quase uma bolsa de oxigénio. E a partir de muito cedo, o Cinema foi de facto uma atração fatal para mim.

M.L: Quais são as suas referências nestas duas áreas?
R.P.T: Eu acho que o discurso de alguém que escreve sobre cinema tem que ter uma vertente pessoal e tem que ter uma componente também de relação muito pessoal com o objeto de arte. Nesse sentido, eu gosto de textos que me desafiem, pelo menos enquanto leitor, a pôr-me no lugar do objeto de arte, e isso para mim é o que me dá mais gozo quando leio críticas, e nesse sentido eu gosto muito do Peter Travers, da falecida Pauline Kael. No Cinema, eu gosto de pensar que ninguém é sagrado, eu não ponho ninguém intocável, mas claro que eu tenho os meus próprios ídolos como, por exemplo, o David Lynch e o (Stanley) Kubrick.

M.L: De tudo o que tem feito até agora tanto na Comunicação Social como no Cinema, houve algum trabalho em particular que foi tanto divertido como pessoal de se fazer?
R.P.T: Eu gostei muito de arrancar com o “Cinetendinha”, que foi uma ideia que o Pedro Boucherie Mendes me propôs e que era precisamente mostrar o que é o meu dia-a-dia de uma forma informal e verdadeira e isto é muito gozo. Em 2016, eu pude ir aos Óscares e achava que era uma coisa inacessível e de repente estava lá ao lado das estrelas todas, e fui também aos Independent Spirit Awards e esse tipo de coisas, para alguém que cresceu a amar o cinema, é forte.


Rui Pedro Tendinha na altura dos Óscares 2016
M.L: Também tem alguma experiência na realização. Gostava de, um dia, desenvolver uma carreira paralela como realizador?
R.P.T: Quando eu faço cinema documental, tenho feito de uma ordem de muita encomenda. Eu não tenho aspirações artísticas, quando faço os documentários. A minha vocação é escrever sobre cinema.

M.L: Em 2012, escreveu o livro sobre auto-ajuda no cinema “100 Filmes Que Podem Mudar a Sua Vida”. 6 anos depois da publicação do livro, acha que as pessoas ainda podem precisar de auto-ajuda no que toca ao cinema?
R.P.T: Eu podia fazer outro volume, mas agora se me desafiarem para escrever um livro, eu gostava de escrever um livro de entrevistas. Uma pessoa está triste, com depressão, que vá ao cinema, faz bem ir ao cinema.



M.L: Numa era muito tecnológica, complexa e sombria e em que o Cinema está muito mais evento, acha que o Cinema ainda pode ter capacidade de dar alegria e emoção como no passado?
R.P.T: É verdade que o Cinema está muito mais evento, mas há sempre lugar para tudo, há sempre um lado de resistência, e festivais como o Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira são um bom exemplo de haver ainda quem faça um cinema pessoal, experimental, de ensaio. O Cinema pode ter sempre um grande ponto de interrogação e de questionamento a nível artístico e nesse sentido poderá sempre haver esse cinema mais mainstream, mas há de haver sempre esse lado mais resistente.

M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira seja na Comunicação Social ou no Cinema?
R.P.T: A Comunicação Social está a viver momentos difíceis. O jornalismo é uma profissão que se desvalorizou quer se queira quer não. Temos que ser todos muito mais analíticos. O jornalismo parece que sobre isso está a ganhar ao jornalismo de pensamento e isso é uma pena. Eu acho que o jornalista tem que ter uma opinião e tem que ter uma coisa que, por exemplo, o Eduardo Prado Coelho tinha que era o cálculo de não só dizer uma opinião, mas de pensamento, de fluição sobre o mundo que vê. Hoje em dia, como temos tantos acessos às críticas e aos sites, nós precisamos é de seletores que pensem e que não façam só o trabalho preguiçoso. Esse é o meu conselho que eu dou.

M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido até agora como jornalista de cinema?
R.P.T: Abdiquei da minha vida pessoal, passo a vida a viajar, eu já tive três divórcios e nunca consegui ser pai, porque o Cinema absorveu-me.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
R.P.T: Eu gostava muito de fazer uma ideia de residências artísticas de Cinema. É uma utopia.ML

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