domingo, 25 de dezembro de 2016

Mário Lisboa entrevista... Manuela Ortigão

Natural de Espinho e filha de uma professora, o interesse pelo ensino surgiu na universidade, tendo começado a trabalhar como professora na área de Físico Química em 2000 e desde aí tem desenvolvido um percurso que tem tanto de versátil como de interessante. Muito apaixonada pelo que faz e reconhecida nomeadamente a nível internacional pelo seu trabalho, tem como lema de vida "querer é poder" e prefere não fazer grandes planos, pois também gosta de surpresas. Esta entrevista foi feita no passado dia 8 de Novembro.

M.L: Quando surgiu o interesse pelo Ensino?
M.O: O meu interesse pelo ensino surgiu na universidade, ou melhor, se calhar esteve cá sempre e eu não me tinha apercebido. Nessa altura tinha muitos interesses, era muito curiosa, imatura, gostava de desafios e de fazer experiências no laboratório. Ingressei na universidade com 17 anos e, tal como acontece com muitos dos meus alunos do 12º ano, não tinha a certeza de qual seria a minha futura profissão mas estava certa que se centrava nas ciências. Terminei a Licenciatura em Química Analítica aos 21 anos, trabalhei na investigação no departamento de Química da Universidade de Aveiro (UA) e apercebi-me que não estava completamente realizada apesar de considerar a experiência muito enriquecedora. Sempre gostei de estudar em grupo e sentia-me muito confortável a trocar ideias e a explicar, com sucesso, a alguns colegas conteúdos quando estudávamos para os exames. Fui-me apercebendo que tinha que redirecionar os meus estudos e ingressei novamente na UA tendo concluído a Licenciatura em Ensino de Física e Química passados três anos.

M.L: Quais são as suas referências nesta área?
M.O: A minha mãe foi professora e eu sempre vivenciei a escola através dela, admirava o seu profissionalismo e a forma como se dedicava à escola e aos seus alunos. Adorava vê-la a corrigir testes e às vezes pedia-lhe para “dar mais uns pontinhos” quando o aluno estava muito próximo de 50%. Já no final de carreira, dizia-me para não seguir o ensino que a profissão era muito desvalorizada pela sociedade, que o ambiente nas escolas tinha mudado e que seria muito desgastante e desmotivador para mim. A sua opinião, apesar de muito importante para mim, acabou por não me demover daquilo que acabei por descobrir ser a minha paixão. Ao longo do meu percurso tive bons professores mas recordo dois em especial que me marcaram e me ajudaram a definir a minha identidade enquanto docente. O Dr. João Oliveira, meu orientador de estágio científico e meu coordenador na investigação no departamento de Química da UA, foi o meu grande mentor que sempre me desafiou a superar-me e que foi responsável pela minha grande indecisão entre a investigação científica e o ensino. A Dra. Fátima Paixão que conheci aquando da minha licenciatura via ensino, deslumbrou-me pela forma como conduzia uma aula, ouvia atentamente as intervenções, as dúvidas e receios dos futuros professores. Foi a minha orientadora no mestrado em didática da física e química que terminei em 2013 e continua a ser o meu pilar na atualidade pois temos continuado a trabalhar juntas em alguns projetos. Não posso deixar de referir os inúmeros colegas de trabalho com quem fui trabalhando em várias escolas, que me marcaram muito pelo seu profissionalismo, entrega e amizade.

M.L: Durante o seu percurso como professora, houve algum momento em particular que a deixou muito orgulhosa de si própria e do que faz como profissão?
M.O: Não sei se posso eleger um momento particular que me tenha deixado orgulhosa pois, felizmente, muitos foram esses momentos! Fico muito contente por manter o contacto com alguns dos meus ex-alunos, como é o teu caso Mário, saber as novidades que têm para me dar, festejar com eles os sucessos e apoiá-los nas suas fraquezas. Aprecio quando os alunos vêm ter comigo na rua para me cumprimentar mesmo correndo o risco de eu já não me lembrar deles. Fico orgulhosa dos prémios que eles recebem na sequência de trabalhos que vou orientando. Orgulha-me também a confiança que os Encarregados de Educação depositam em mim quando sou diretora de turma solicitando a minha manutenção no cargo no ano subsequente. Acima de tudo aquilo que mais me orgulha é o facto de me esforçar diariamente para garantir a aprendizagem dos meus alunos respeitando sempre os seus ritmos e a forma como aprendem. Portanto, orgulha-me muito o profissionalismo que assumo na docência e o facto de este ser apreciado e valorizado pelos meus alunos.

Eu e a Manuela Ortigão no Centro Multimeios de Espinho. Uma das minhas melhores amigas que também foi minha professora.
M.L: A Educação, no contexto português, tem passado por tempos difíceis. Numa altura muito desafiante para esta área específica, vale a pena lutar pelo futuro das gerações mais novas e assim diminuir a muita ignorância que existe atualmente?
M.O: Não sei se concordo com a palavra ignorância para classificar a geração de jovens da nossa sociedade. Parece-me um chavão utilizado muitas vezes pelos mais velhos quando denotam nestes jovens falta de cultura geral, e, nesse contexto posso concordar parcialmente contigo. Repara no significado da palavra ignorância no dicionário: “aquele que ignora; que não tem instrução, que não sabe bastante da sua profissão”. Estamos na presença de uma das gerações mais qualificadas, que enfrenta desafios terríveis no mercado de trabalho, a quem são exigidas competências que não foram trabalhadas convenientemente na escola. Será que são estes jovens ignorantes? Não creio. Estes jovens são o produto de um desinvestimento na educação, da incongruência entre os curricula lecionados nas escolas e as necessidades do mercado de trabalho, de uma falta de um ensino centrado no aluno que o obrigue a pensar, a tomar decisões, a comunicar, a colaborar e a sentir-se como agente ativo numa aula e não como mero espectador. Precisamos de uma escola do século XXI pois os nossos alunos estão ávidos dela! Será que vale a pena investir neles? Claro que sim. Dará muito trabalho uma escola do século XXI, é preciso mudar mentalidades fomentando a colaboração, repensar aquilo que é ensinado e como é ensinado nas escolas, valorizar os professores e reconhecer o seu trabalho, dar-lhes condições de trabalho e reduzir a sua precariedade.

M.L: Como professora, especializou-se em Físico Química. O que a cativa mais nesta disciplina específica?
M.O: Como sabes esta disciplina aborda duas grandes áreas da ciência: a física e a química. Se por um lado é extremamente exigente pois obriga o professor a atualizar-se cientificamente em duas ciências, por outro é apaixonante pois as ligações entre estas e a matemática e as ciências naturais são uma constante. Esta particularidade apela frequentemente à interdisciplinaridade o que me agrada bastante e me ajuda a desmitificar a ideia de compartimentação que os alunos têm acerca das disciplinas. Costumo dizer-lhes que não existem “gavetinhas” fechadas onde se coloca a “matéria” de cada disciplina, é preciso estabelecer ligações para que a construção do conhecimento faça sentido e perdure no tempo. Outra das vertentes que me agrada muito nesta disciplina é a sua componente laboratorial/experimental. Gosto muito de preparar atividades para os meus alunos, fico um pouco apreensiva no início, às vezes até ansiosa, com a possibilidade de não serem motivadoras para eles, ou de não conseguir atingir os objetivos a que me propus. Quando oriento estas aulas, sinto-me como uma criança pois partilho do entusiasmo deles, gosto muito de os ver experimentar, tirar conclusões e sugerir alternativas. Aprendo muito com os meus alunos!

M.L: Tem viajado muito pelo Mundo profissionalmente e também tem recebido prémios pelas Escolas onde tem trabalhado. Como é que se sente ao conhecer culturas diferentes devido ao seu trabalho e também ao ter um reconhecimento que na verdade é mais internacional do que nacional?
M.O: O facto de conhecer lugares novos, culturas diferentes e simultaneamente partilhar experiências de formação no estrangeiro tem sido uma mais-valia para mim. Gosto muito de viajar pois é uma forma de aprender fantástica, que me cativa muito e tenho tido o privilégio de o conseguir acrescentar à minha carreira profissional. A colaboração com professores estrangeiros permite-me ter uma visão mais abrangente relativamente à educação na Europa e simultaneamente perceber de que forma é que eu posso contribuir para que no meu país os alunos tenham acesso a oportunidades, projetos e atividades idênticas às dos seus congéneres europeus. Este é um esforço acrescido ao trabalho que faço diariamente na escola pois obriga-me a dedicar tempo também em formação contínua online na modalidade de MOOC, cursos ou videoconferência. Tento também partilhar boas práticas letivas com a comunidade educativa na área das ciências pois também sou co-autora de publicações em revistas nacionais e internacionais e tenho participado também em algumas conferências nacionais e internacionais como oradora. Relativamente ao reconhecimento a que te referes, considero que os artigos que publiquei, as comunicações orais que fiz, os projetos para os quais fui convidada, os prémios que recebi acabam por “dar voz” ao meu trabalho. Nas diversas avaliações de desempenho que fui tendo, o meu trabalho também tem sido apreciado e valorizado quer pelos meus coordenadores quer pelos meus pares nas escolas por onde já passei. No entanto, na minha carreira profissional todo este esforço não é reconhecido a nível nacional porque a progressão na carreira de um professor em Portugal (está congelada há anos…) não está centrada no mérito, não existem prémios de desempenho e um professor para o MEC, infelizmente, não passa de um número. Talvez por isto tudo, o meu trabalho acabe por ter mais visibilidade e reconhecimento internacionalmente.

M.L: Trabalha como professora desde 2000. Que balanço faz dos últimos 16 anos em que tem exercido essa atividade?
M.O: O balanço é positivo! Tal como em todas as profissões os anos de experiência ajudam-nos a melhorar, a enfrentar os desafios com maior maturidade e a lidar com as situações analisando-as de uma forma mais ponderada e assertiva. Ter lecionado em 11 estabelecimentos de ensino não foi das experiências que mais me agradou pois não me permitiu dar continuidade ao meu trabalho e os alunos acabam sempre prejudicados com a instabilidade do corpo docente. A itinerância entre escolas também me obrigou a esforços monetários acrescidos pois cheguei a percorrer 200 km diários para lecionar (há quem faça muito mais!), o que em nada contribuiu para o meu bem-estar físico, psicológico e afetou a minha vida pessoal. Por outro lado, esta experiência aguçou-me a capacidade de adaptação, a perseverança, a resiliência permitindo-me perceber e assumir rapidamente as funções que iria desempenhar em cada ano letivo. A recente entrada para os quadros do MEC foi um alívio que veio acabar com a angústia anual que se gerava quando se aproximava o final do mês de Agosto. Apesar de tudo, continuo a gostar muito da minha profissão, “vesti a camisola de todas as escolas onde estive” nunca as encarando como uma passagem, trabalhei muito, tive muitas alegrias, conheci gente fantástica e, por isso tudo o balanço é positivo!

M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na área do Ensino?
M.O: Ser professor atualmente é muito duro principalmente no início de carreira. Provavelmente daria o conselho que a minha mãe me deu quando eu tomei essa decisão mas com a ressalva de que devemos seguir a nossa vocação e, se esta passar pelo ensino, então temos que lutar por ela até onde for possível! Os nossos alunos agradecem!

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
M.O: Tal como toda a gente tenho sonhos e coisas que gostaria de fazer mas sou uma pessoa muito realista. Apesar de ter como lema de vida “querer é poder” sei que muitas vezes isso não basta e, por isso, ligo-me muito ao presente procurando desfrutar de tudo o que a vida me dá, não esquecendo o meu passado e aquilo que me ensinou. Em relação ao futuro prefiro sempre não fazer grandes planos pois também gosto de surpresas…ML 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Brevemente...

Entrevista com... Manuela Ortigão (Professora)

Mário Lisboa entrevista... Sofia Correia

Estreou-se profissionalmente em 2006 com a peça "Orgia" de Pier Paolo Pasolini nos Artistas Unidos e tem desenvolvido nos últimos dez anos um percurso muito bem preenchido como actriz nomeadamente a nível teatral. Natural do Porto e licenciada em Ciências da Comunicação, tendo estagiado tanto na Antena 1 como na Rádio Oxigénio, também é professora de Expressão Dramática e considera que o melhor do teatro são as pessoas, e recentemente participou na telenovela "Rainha das Flores" que está em exibição na SIC e foi o seu primeiro grande projecto televisivo. Esta entrevista foi feita no passado dia 6 de Dezembro, poucos dias antes do fim das gravações de "Rainha das Flores".

M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
S.C: Comecei a fazer teatro na escola com 15 anos, no Grupo de Teatro Aurélia de Sousa no Porto. Foi uma experiência muito intensa e que me marcou, mas na altura nem sonhava ser possível fazer disto profissão. Vim viver para Lisboa aos 18 para estudar Ciências da Comunicação. Aos 20, voltei ao teatro num grupo universitário. Uma noite ao sair de um ensaio tive a clara noção que queria ser actriz mas ainda demorei a assumir a ideia. Mal acabei o curso, fui directa para o Conservatório de Teatro.

M.L: Quais são as suas referências, enquanto actriz?
S.C: Tenho várias. A Beatriz Batarda, a Isabel Abreu, a Carla Galvão, o Gonçalo Waddington e o Nuno Lopes são alguns dos actores que conheço pessoalmente e que me inspiram a tentar ser melhor. Lá fora, amo a Isabelle Huppert, a Julianne Moore, a Julia Roberts e a Meryl Streep.

Isabel Abreu, Regina Duarte, Sofia Correia
M.L: Como actriz e também como pessoa, se voltasse atrás faria tudo de novo?
S.C: Faria. A vida está sempre a mostrar-nos que está tudo certo, mesmo quando nos parece errada. Estou numa fase óptima da minha vida e foi o caminho que fiz que me trouxe até aqui.

M.L: Em 2010, participou na peça “Um Eléctrico Chamado Desejo” de Tennessee Williams e encenada por Diogo Infante no Teatro Nacional D. Maria II. Que recordações guarda de representar Tennessee Williams pela primeira vez?
S.C: Foi maravilhoso. Era o regresso da Alexandra Lencastre ao teatro e por isso foi especial. Os actores e a equipa eram fantásticos e adorei trabalhar com o Diogo Infante, que era o encenador. Tinha dois papéis mínimos, mas aprendi tanto a ver.


M.L: Celebra 10 anos de carreira em 2016, desde que se estreou como actriz profissional com a peça “Orgia” de Pier Paolo Pasolini nos Artistas Unidos em 2006. Que balanço faz destes últimos 10 anos?
S.C: Um percurso feliz. Tive quase sempre trabalho. Fiz muito teatro, alguma televisão. Trabalhei com encenadores maravilhosos, conheci gente incrível. Costumo dizer que o melhor do teatro são as pessoas. O meu desejo nesta altura era fazer uma novela do princípio ao fim e aconteceu. A cereja no topo do bolo. Só espero ter cada vez mais trabalho para poder descobrir-me cada vez mais como actriz e como pessoa.

"Orgia", a estreia profissional de Sofia Correia
M.L: Trabalhou com os Artistas Unidos entre 2006/08. Como olha para o percurso que a companhia de Jorge Silva Melo tem desenvolvido desde 1995 até agora?
S.C: Acho incrível. Os Artistas Unidos têm sido ao longo dos anos uma porta aberta a novos actores, novos autores e isso é tão refrescante e entusiasmante. Foi uma óptima casa para me estrear e adoraria voltar a trabalhar com eles.

M.L: Além da representação, também é professora de Expressão Dramática. A representação e o ensino podem, a seu ver, coincidir-se no que toca a inspirar as gerações mais novas por um Mundo melhor?
S.C: Acredito que sim. O teatro obriga-nos a pensar e reflectir sobre o Mundo ajuda a querer torná-lo melhor. Aulas de teatro acho que deviam ser obrigatórias para todas as crianças: estimulam a criatividade, o trabalhar em grupo e sobre si mesmo, abre novos mundos e ajudam a pensar “out of the box”.

M.L: Actualmente participa na telenovela “Rainha das Flores” que está em exibição na SIC, onde tem na “Lia” a sua primeira grande personagem televisiva. “Rainha das Flores” tem sido para si um projecto muito gratificante principalmente no que toca à sua personagem em si e ao timing cómico da própria “Lia”?
S.C: A Lia é um bombom que me foi dado. É uma personagem muito engraçada, que vive para encontrar o Amor e não desiste à primeira. Tem um lado trágico-cómico maravilhoso. E adoro o visual de pin-up. A equipa é espectacular, e este projecto vai ficar sempre no meu coração.

Sofia Correia como "Lia" em "Rainha das Flores"
M.L: Vive em Lisboa, mas é natural do Porto. A seu ver, Porto está muito melhor agora artisticamente do que quando começou a trabalhar profissionalmente como actriz?
S.C: Nunca cheguei a trabalhar profissionalmente no Porto. Mas tento acompanhar a agenda cultural da cidade. Há cada vez mais teatro e pessoas talentosas a fazer do Porto um polo cultural cada vez mais interessante.

Sofia Correia e o seu Porto
M.L: É licenciada em Ciências da Comunicação e estagiou tanto na Antena 1 como na Rádio Oxigénio. Gostava de, um dia, prosseguir com uma carreira paralela na Comunicação Social?
S.C: Há uns anos atrás pensei nisso mas percebi que não era compatível. Pelo menos no início, sinto que tinha que ter as coisas bem definidas e escolhi ser actriz. Mas não importava nada de voltar a fazer rádio. Nunca se sabe o que pode acontecer. Mas neste momento, estou focada em ser actriz.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
S.C: Escrever um livro para crianças. Aliás, publicar que já tenho umas histórias escritas.ML

Esta entrevista não está sob o novo Acordo Ortográfico

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Brevemente...

Entrevista com... Sofia Correia (Atriz)

Mário Lisboa entrevista... Marcello Urgeghe

Já demonstrava ter ainda em criança uma mente muito criativa, daí o interesse pela representação, e com o passar dos anos tornou-se num ator muito respeitado, cujo percurso igualmente respeitado passa nomeadamente pelo teatro e pelo cinema. Considera-se um privilegiado no que toca a fazer tudo o que gosta e atualmente participa na ambiciosa trilogia teatral "Os Últimos Dias da Humanidade" que vai passar logo em Janeiro pelo Teatro Nacional D. Maria II em Lisboa, após ter sido estreado em Outubro passado no Teatro Nacional São João no Porto. Esta entrevista foi feita no passado dia 6 de Novembro no Teatro Nacional São João.

M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
M.U: Logo em criança e a primeira coisa que eu adorava era ver os amigos de família, as pessoas que iam lá à casa, eu adorava títulos, fazia muitas imitações… Aliás, um dos “pratos” favoritos da família era fazer imitações dos amigos, da minha mãe, do meu pai, e as pessoas adoravam. Foi aí que eu comecei a interessar.

M.L: Quais são as suas referências, enquanto ator?
M.U: Basicamente, tudo vem da literatura. Li muito em criança e foi aí que eu comecei a ver nascer personagens, mas grandes referências como ator são, por exemplo, o realizador John Cassavetes e os atores que trabalharam com ele (Gena Rowlands, Ben Gazzara, Seymour Cassel). Especialmente, algum cinema americano fez parte da minha formação.

M.L: De tudo o que tem feito até agora como ator, qual foi o trabalho em particular que foi muito pessoal de se fazer?
M.U: Todo o trabalho que fiz com o José Álvaro Morais, já falecido, um realizador de cinema que fez não muitos filmes (“O Bobo” (1987), “Zéfiro” (1993), “Peixe-Lua” (2000), “Quaresma” (2003). Foi talvez o realizador com quem tive mais familiaridade e onde vivi mais e como ator.

José Álvaro Morais (2 de Setembro de 1943-30 de Janeiro de 2004)
M.L: Durante estas últimas décadas, tem trabalhado principalmente em teatro e cinema, e alguma televisão também. No caso da televisão, gostava de, um dia, experimentar o género telenovela, caso haja essa possibilidade?
M.U: Não, tanto que eu recuso continuamente. É um género que eu não quero experimentar, já sei o resultado, basta ver, acho que não tem interesse nenhum para um ator. Houve agora um surto de séries na televisão e fiz pequenas participações em algumas (“Terapia” (RTP), “Os Boys” (RTP). Isso já me interessa mais, já são coisas que acho que um ator pode fazer, mas sinceramente sou sempre puxado mais ao teatro e ao cinema. É o meu território.

M.L: No caso do cinema, tem participado numa mão-cheia de longas-metragens que têm tido mais projeção internacional (“Mistérios de Lisboa” (2010), “Sangue do Meu Sangue” (2011), “Linhas de Wellington” (2012), etc.). A seu ver, estas projeções internacionais podem impulsionar mais o cinema feito aqui em Portugal?
M.U: Sim, absolutamente. Sempre que se internacionaliza um país, ele é depois conhecido e falado, e de facto as pessoas não têm noção, mas o nosso país tem muito bons atores, muito bom cinema como já não há em muitos sítios. Nós aqui temos de facto uma tradição de bom trabalho em cinema e em teatro. Somos de facto bons nisso, é verdade.

Marcello Urgeghe com o elenco e o produtor (Paulo Branco) de "Linhas de Wellington" no 69º Festival de Veneza em 2012
M.L: Gostava de, um dia, ponderar a hipótese de estrear-se na realização ou na encenação?
M.U: Sim, gostava, é um facto. Apesar disso, o mais que posso, porque eu gosto muito é de representar, mas acho que chegou a altura de abrir esse capítulo e estou agora a começar a trabalhar nisso. Tenho dois projetos que quero levar à frente, um deles é o “Ricardo III” de William Shakespeare e o outro é uma coisa escrita por mim, são coisas pessoais.

M.L: Atualmente participa na trilogia teatral “Os Últimos Dias da Humanidade” que vai passar pelo Teatro Nacional D. Maria II em Janeiro de 2017 e que para mim é a produção teatral mais antecipada de 2016. Já alguma vez imaginou que uma produção desta dimensão pudesse ser levada à cena não só em Portugal como no Mundo em geral?
M.U: Não imaginava de facto. Mas a verdade é que este é um texto incrível e mais atual não pode ser. É um texto que fala da Primeira Guerra Mundial, mas nós vemos tudo igual ao que se passa hoje. Hoje estamos nos primórdios de uma Terceira Guerra Mundial, está a começar hoje nos mesmos sítios. Não imaginava, mas de facto este pode escalar a um outro nível sim.

Marcello Urgeghe em "Os Últimos Dias da Humanidade"
M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na representação?
M.U: O conselho que dou é antes de fazer pensar e depois quando for para fazer não pensar.

M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido até agora como ator?
M.U: É o meu percurso, é a minha vida.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
M.U: Não tenho uma coisa que gostasse de fazer. Tenho feito tudo o que gosto. Sou um privilegiado nesse aspeto.ML

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Mário Lisboa entrevista... Diana Barnabé

O interesse pela representação surgiu muito cedo, apesar da vontade de ser atriz ter surgido mais tarde, tendo-se estreado com a peça "Serra Justa" em 2008, e desde então tem-se revelado um talento muito promissor, com um percurso igualmente muito promissor e com muito para dar. Natural do Porto e uma grande apaixonada pelo teatro, é co-fundadora da companhia Carruagem-Tráfego de Ideias que foi fundada em 2014, e gostava no futuro de ser mãe. Esta entrevista foi feita no passado dia 17 de Novembro.

M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
D.B: O interesse pela representação surgiu a partir do momento em que comecei a brincar, como com todas as crianças que têm oportunidade para tal. O meu jogo preferido era o faz-de-conta e nele cabiam todas as coisas. A vontade de ser atriz surgiu mais tarde, quando percebi que o teatro era um lugar onde eu podia ser absoluta, onde encontrava ferramentas para me descobrir e questionar. Quando chegou a hora de decidir o que queria estudar, era sobre o teatro que eu tinha mais curiosidade e vontade de aprender coisas e, por isso, foi uma escolha natural.

M.L: De tudo o que tem feito até agora como atriz, há algum trabalho em particular que pode até considerar como o seu favorito?
D.B: O espetáculo “As Coisas Pelos Nomes”, da Carruagem-Tráfego de Ideias, não só pela equipa, pelas pessoas que reunimos, pelas coisas que descobrimos e dissemos, pelas memórias que recordámos e criámos mas, sobretudo, pelo momento em que a minha avó me agradeceu, de lágrimas nos olhos e com as mãos a tremer, por ter feito aquele espetáculo.

M.L: A sua atividade profissional também passa pela encenação, pela escrita, pela produção e pela formação. Tal como a representação, estas áreas são indissociáveis para si?
D.B: Não me posso considerar nem escritora, nem produtora. Todos os trabalhos que fiz nessas áreas deram-me um enorme prazer e uma aprendizagem imensa, no entanto, por respeito a todos aqueles que são brilhantes nessas áreas, não os assumo como parte da minha atividade profissional. A encenação, ou a direção se quisermos, tem sido sempre consequência dos projetos em que dou formação. E, respondendo à questão, os projetos e as escolas em que dou formação são trabalhos tão importantes e avassaladores, do ponto de vista do crescimento e da criação, como o meu trabalho como atriz. Quando dou formação, não procuro ensinar teatro, até porque eu ainda estou a aprender e sei muito pouco, mas procuro usar as ferramentas que tenho para trabalhar, com cada grupo, o desenvolvimento pessoal e relacional através da arte, para explorar o potencial único de cada pessoa e criar pequenos espaço de mudança e de revolução (e o teatro permite tudo isso).

M.L: É co-fundadora da companhia Carruagem-Tráfego de Ideias que existe desde 2014. Como olha para a evolução da Carruagem nos últimos 2 anos?
D.B: O que temos feito até agora é muito pouco e acho que ainda não fizemos nem vivemos o suficiente para nos afastarmos no tempo e podermos fazer essa análise. O único balanço que posso fazer é sobre as pessoas com quem trabalho (a Sara, o André, a Mafalda, o Luís, etc.), da forma como nos inspiramos e questionamos diariamente, sobre os valores que defendemos, sobre as coisas em que acreditamos, e essas sim, estão sempre a evoluir e a mudar. A Carruagem foi o lugar que criámos para fazermos o que nos faz felizes, mas também para lutarmos, a par de tantas outras companhias e colegas que admiramos, por condições que dignifiquem esta profissão, não só pelos atores, mas também pelos figurinistas, cenógrafos, designers, técnicos, produtores, etc.


M.L: É natural do Porto. Sendo portuense e exercendo a sua atividade profissional lá, Porto ainda hoje está de boa saúde artisticamente a seu ver?
D.B: Fico tão feliz com esta pergunta. Não só o Porto, todo o Norte. Respondo o seguinte: Erva Daninha, Marácula, Musgo, Rei Sem Roupa, Teatro do Bolhão, Teatro a Quatro, Teatro Municipal do Porto, Teatro Nacional São João, Coração nas Mãos, Umpor1, Teatro do Frio, Palmilha Dentada, Disdascália, Art’Imagem, Cabeças no Ar e Pés na Terra, Comédias do Minho, Teatro do Montemuro, e tantos nomes que ficam a faltar, não só no teatro mas também na música e no cinema.

M.L: Trabalha frequentemente com o público infantil. Que características têm encontrado nesse público específico e que considera especiais e diferenciam do público mais adulto?
D.B: As crianças são agentes de mudança. Como diria o Afonso Cruz: “O que farão os adultos se milhares de crianças saírem à rua para reclamar os sonhos que eles se esqueceram de continuar a sonhar, de pedir a justiça em que há muito deixaram de acreditar?”. As crianças reclamam e questionam e isso obriga-nos a regressar às nossas questões e a pormo-nos no lugar delas. Perguntem a uma criança de oito anos o que é que ela tem a dizer sobre o ataque de ontem a um hospital pediátrico em Alepo e perceberão que elas não podem, nem querem, ser infantilizadas. Elas querem um lugar que lhes dê voz, onde lhes deem material para pensarem e para se identificarem. As crianças são especiais porque, para além do entretenimento, querem, sobretudo, pensamento.

Diana Barnabé e Sara Barros Leitão no espetáculo infantil "Pega-Monstros" que é produzido pela Carruagem-Tráfego de Ideias
M.L: Considera-se como alguém que experimenta e arrisca, porque só assim se descobre o caminho para atravessar o coração das pessoas?
D.B: Bem, eu sei que escrevi algo parecido com isso, mas já não sei se concordo. Primeiro porque, ao ver espetáculos todas as semanas, vejo os meus colegas, esses sim, a experimentarem e a arriscarem em coisas maravilhosas e que são verdadeiras inspirações para mim. Sobre o caminho para atravessar o coração das pessoas, talvez não seja preciso arriscar ou experimentar. Talvez essa descoberta aconteça quando tentamos entender o outro, aceitá-lo e, nesse caminho, vamo-nos conhecendo também, e questionando, e falhando, e aprendendo.

M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido até agora como atriz?
D.B: Esta pergunta devia ser guardada para profissionais como o Pedro Gil, a Rosinda Costa, a Sandra Faleiro, o Pedro Frias, o Nuno Lopes, o António Durães, a Luísa Cruz, a Maria do Céu Guerra, por exemplo.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
D.B: Ser mãe.ML 

domingo, 27 de novembro de 2016

Brevemente...

Entrevista com... Diana Barnabé (Atriz)

Mário Lisboa entrevista... António Durães

Estreou-se como ator profissional em 1984, e desde então tornou-se num dos atores mais carismáticos da sua geração, com uma presença muito forte em cena e um percurso notável que já conta com 32 anos de existência. Com uma vida que tem passado nomeadamente pelo Norte tanto a nível pessoal como profissional, também tem uma larga experiência na encenação, e atualmente participa na ambiciosa trilogia teatral "Os Últimos Dias da Humanidade" que esteve em cena no Teatro Nacional São João no Porto e vai passar em Janeiro de 2017 pelo Teatro Nacional D. Maria II em Lisboa. Esta entrevista foi feita no passado dia 8 de Outubro.

M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
A.D: Na verdade, eu não tenho sinalizado propriamente um momento certo para que as coisas tenham progredido por esta via. Vivia mais ou menos perto de um palco de uma salinha de teatro, quase familiar diria, e esse cantinho sempre funcionou para mim como uma espécie de sítio de refúgio e um local onde me escondia e onde me sentia mais ou menos seguro. Mas é evidente que nunca imaginei que mais tarde pudesse vir a fazer vida dessa atração, dessa sensação de segurança, uma hipótese de caminho. Sentia-me seguro, preservado no meio daquela escuridão em que tantas vezes está envolvido o palco. Ler um livro lá, por exemplo, completamente sozinho, é uma sensação incrível. Mas era só isso. Também era uma fuga às responsabilidades diárias. Às que apetecia menos cumprir... Depois acabei por frequentar os grupos de teatro na escola e inventá-los e fazer parte deles, depois os grupos de teatro amadores, depois a escola de teatro, depois os grupos profissionais… Foi uma espécie de caminho que eu fui fazendo sem que me desse propriamente conta de que o estava a fazer, como se as coisas fossem só acontecendo e me fosse deixando ir mais ou menos confortável por esse rio acima, como diz a canção.

M.L: Quais são as suas referências, enquanto ator?
A.D: Tenho imensas referências, imensos atores nos quais me revejo (ainda que nunca tenha tentado copiar nenhum), mais velhos do que eu e que me ensinaram imensas coisas. Foi muito importante para mim o trabalho realizado, no caso concreto, no antigo Centro Cultural de Évora, agora chama-se Centro Dramático de Évora. Aqueles atores que trabalhavam no Teatro Garcia de Resende em Évora e com os quais eu aprendi imenso, durante o curso. Muito, também, com todas as companhias de teatro e todos os artistas (músicos, bailarinos, etc.) que frequentaram aquele palco e com quem eu tive a oportunidade, durante esse período de formação, de conviver e com quem fui aprendendo vendo. Aprendi muito nos ensaios, espreitando os ensaios da companhia de teatro do Centro Cultural de Évora. Aprendi muito em todos os lugares, mas mais, talvez, no Teatro Nacional São João, com os atores com quem me fui cruzando, com os atores e com os encenadores... Mas, hoje, diria que as minhas referências, aqueles para quem eu olho com uma atenção muito especial, não deixando de lado naturalmente os atores da minha geração, mais velhos do que eu ou um pouco mais novos, são os jovens atores com quem eu tenho vindo a cruzar-me em diferentes momentos da formação deles e da minha também que continua permanentemente a realizar-se. É com eles que aprendi mais. E em quem me revejo. E que invejo um bocadinho porque, tantos deles, são capazes de responder já hoje de uma maneira que eu nunca serei capaz de responder. E por isso os invejo, às vezes...

M.L: De tudo o que tem feito até agora como ator, houve algum trabalho em particular em que se sentiu algo diferente?
A.D: Claro que há sempre espetáculos que nos marcam mais por razões que às vezes desconhecemos. Eu lembro-me muitas vezes (se questionado, como agora) assim, imediatamente, de dois espetáculos que realizei em circunstâncias diferentes, em momentos diferentes também, da minha formação e da minha vida: o último espetáculo que eu realizei, enquanto ator amador, na Figueira da Foz e que se chamou “CicloMimo-Exercícios Combinados” e que era um espetáculo sem palavras, onde tudo aquilo que eu precisava de dizer, não verbalizando, era "dito" por intermédio de uma guitarra do (fantástico) músico português José Luís Iglésias. Esse foi um espetáculo marcante para mim. O outro, evidentemente já enquanto profissional, foi na Companhia de Teatro de Braga, que se chamou “O Fetichista”, porque foi o primeiro espetáculo que fiz como encenador e portanto foi também um momento muito marcante. Curiosamente, quase que reuni completamente a equipa com quem tinha feito aquele último espetáculo como amador, o que também pode ser revelador de outra coisa qualquer que também não sei exatamente o que é. Um agradecimento, talvez, mas também uma espécie de porto-seguro sim. E depois houve tantos outros espetáculos que eu organizei e que foram marcantes, mas para todos os efeitos o mais importante é sempre aquele que estou a fazer agora. E agora o que estou a fazer é “Os Últimos Dias da Humanidade”, que em Janeiro estará no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa.

António Durães como o "Eterno Descontente" em "Os Últimos Dias da Humanidade"
M.L: Além da representação, também tem uma larga experiência na encenação. A seu ver, o António ator é indissociável ao António encenador ou são dois lados muito distintos?
A.D: Eu creio que os dois caminhos sendo diferentes, são complementares. É claro que estamos a trabalhar o mesmo material, mas com pontos de vista diferentes. É curioso, porque eu acho que funciono de maneira completamente diferente numa ou noutra função. É como se eu tivesse a capacidade, quando enceno, de ver bastante mais do que aquilo que sou capaz de ver como ator. A amplitude do meu olhar é diferente, fisicamente mesmo.

M.L: Interpretou D. Afonso Henriques em “Capitão Falcão”, a sátira ao Estado Novo realizada por João Leitão em 2015. Que recordações guarda da sua participação no que é também uma abordagem ao universo dos super-heróis?
A.D: O João convidou-me para participar nesse filme que inicialmente era para ser uma série, e esse convite honrou-me muito, e foi muito divertido sobretudo. Uma experiência muito interessante. Eu gosto muito de participar em projetos que me coloquem um bocadinho fora do meu sítio. Cada vez que me convidam para participar no que quer que seja, fico sempre muito surpreendido: como é que alguém se lembra de mim, que estou tão longe dos holofotes, fisicamente longe mesmo, na convicção de que posso acrescentar alguma coisa aos projetos que desejam tanto fazer... É um milagre. E eu, contentíssimo, aceito.

António Durães como "D. Afonso Henriques" em "Capitão Falcão"
M.L: Em 2016 celebra 32 anos de carreira, desde que se estreou como ator profissional em 1984. Que balanço faz destes 32 anos?
A.D: Passaram muito depressa, acho eu. Olhando para trás, recordo-me de muitas coisas, de muitas coisas que fiz, mas a minha memória, num primeiro momento é muito seletiva. Acho que recordo muito mais as coisas que fiz e que gostei de fazer e que me serviram muito, do que aquelas que me custaram a fazer. Eu recordo-as com satisfação, embora não seja muito de olhar para trás. Mas às vezes também recordo as coisas que correram menos bem. Há uma lição a tirar sempre de todas as experiências...

M.L: A sua vida tem passado nomeadamente pelo Norte tanto a nível pessoal como profissional. Como olha, hoje em dia, para o Norte artisticamente?
A.D: Eu olho para o Norte e no que diz respeito ao teatro com algum pessimismo. Quero crer que muitas das soluções que ainda não foram experimentadas e portanto ainda não foram encontradas irão passar por esta gente nova que está a surgir, porque eles têm uma capacidade diferente de olhar para estes tempos e para as respostas e linguagens artísticas que estes tempos exigem, com uma clarividência que eu já não tenho. Da maneira como eu olho para o tecido teatral e para a prática teatral, formatada nos modos antigos como as coisas normalmente se faziam, e que colidem a maior parte das vezes com a forma como as coisas estão organizadas agora e que são quase linguagens inconciliáveis com esses modelos. É por isso que acho que são estes novos agentes teatrais que vêm capacitados para responderem de uma maneira diferente. Não desfazendo em todos os agentes teatrais da minha geração, mais velhos até, que fazem teatro e que têm um olhar diferente daquele que é suportado pelas novas gerações. Aliás, esse é um diálogo fundamental que tem de ser feito...

M.L: Participou no drama noir “Ornamento e Crime” de Rodrigo Areias e que para mim foi um dos melhores filmes de 2015. Como foi para si fazer parte de um projeto que é uma homenagem tanto ao género noir como ao falecido arquiteto Fernando Távora?
A.D: Aqui está um projeto que eu adorei fazer. Recordo-me perfeitamente que eu estava muito condicionado pelas inúmeras coisas que estava a fazer nesse momento e eram mesmo muitas, mas foi com a paciência do Rodrigo, o realizador/produtor, que foi sendo sensível às minhas dificuldades de tempo naquele momento e foi capaz de articular a produção também com a minha menor disponibilidade neste ou naquele momento, embora estivesse disponível naturalmente. É um projeto que está a fazer o seu percurso, creio que já foi visto em vários sítios e tem mesmo uns quantos prémios em vários festivais, em vários sítios, o que me dá um prazer muito grande claro, mas que eu acho que ainda assim não corresponde ao prazer que tive naquele momento. Foram dias muito bem passados com aquela equipa muito gira, muito boa, muito profissional e foi fantástico. E ver o filme também foi muito interessante. Fui vê-lo no Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira e foi muito divertido voltar a encontrar lá as pessoas todas que fizeram o filme e vê-lo e ver o resultado do trabalho que fizemos foi muito gratificante.

M.L: Numa era profundamente tecnológica e com a cultura da celebridade, ser ator/atriz ainda é um desafio enorme tanto para os mais velhos como para os mais novos na sua opinião?
A.D: Eu acho que agora é que é. Quando eu comecei e quis ser ator e comecei a fazer teatro, o máximo que tínhamos garantido era um caminho e um futuro muito pouco risonho tal as dificuldades financeiras que se adivinhavam. Havia só dois canais de TV e portanto esta ideia romântica do ator como celebridade não existia ou, se existia, estava confinada a uma meia-dúzia de pessoas que criaram, digamos, essa imagem por força do trabalho que foram desenvolvendo, claro, e porque a televisão que existia também lhes deu esse reconhecimento. Com a proliferação das televisões e agora também o cabo, isso ganhou contornos absolutamente impensáveis nessa altura, na altura em que comece. Mas na verdade, mesmo hoje, isso acontece com um grupo de atores, não acontece com a generalidade dos atores. Acho que quem faz só teatro dificilmente terá o reconhecimento do grande público, o que não significa que não tenha o reconhecimento dos seus pares. Uma coisa não tem exatamente a ver com a outra, o reconhecimento não se mede aos palmos, isto é, com likes e considerações semelhantes. Mas hoje eu sei que há muita gente que chega às escolas de teatro com o objetivo claro de serem reconhecidos. Mas também sei que muitos que querem ter esse objetivo nem sequer vão para as escolas, fazem um percurso completamente diferente para chegarem rapidamente à batalha televisiva. Mas há muita gente que chega à escola com os sonhos que eu tinha e que, basicamente, se resumiam a coisas simples: salvar o mundo pelo teatro.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
A.D: Eu acho que ainda me falta fazer tudo, porque estes 32 anos passaram muito rapidamente.ML

sábado, 12 de novembro de 2016

Mário Lisboa entrevista... Marta Andrino

Estreou-se na representação em 2006 com a série "Aqui Não Há Quem Viva" (SIC) e tem
desenvolvido nos últimos dez anos um percurso muito promissor como atriz que passa pelo teatro, pelo cinema e pela televisão (onde entrou em produções como "A Outra" (TVI), "Deixa Que Te Leve" (TVI), "Espírito Indomável" (TVI), "Morangos com Açúcar" (TVI), "Doida por Ti" (TVI), "I Love It" (TVI). Filha da atriz Carla Andrino e do maestro Mário Rui, tem como duas das suas maiores virtudes a humildade e a vontade de aprender e evoluir, e atualmente apresenta o programa diário "Câmara Exclusiva" na TVI Ficção e é uma das concorrentes do programa da TVI "A Tua Cara Não Me É Estranha". Esta entrevista foi feita no passado dia 21 de Outubro.

M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
M.A: Esta será eternamente a pergunta mais difícil de responder. Há coisas que não se explicam, talvez brincar em camarins e dormir sestas nas plateias dos teatros, tenha deixado o pó mágico deste mundo. Não sei quando surgiu, vivi sempre rodeada de atores, cantores, músicos... acho que não fazia sentido ter sido de outra forma.

M.L: Quais são as suas referências, enquanto atriz?
M.A: Tudo são referências, uma pessoa desconhecida na rua, uma atriz que nem sei o nome num filme, a minha mãe.

M.L: Celebra 10 anos de carreira em 2016, desde que começou com a série “Aqui Não Há Quem Viva” (SIC) em 2006. Que balanço faz destes últimos 10 anos?
M.A: É verdade, já passaram 10 anos?! Este período de tempo acompanha também a fase da minha vida em que me transformo de jovem adulta em mulher adulta. Já não me sinto a menina que começou, e em cada trabalho fui evoluindo enquanto atriz e em paralelo como ser humano, através das próprias personagens como das pessoas com as quais me cruzei.

M.L: De tudo o que tem feito como atriz nesta última década, houve algum trabalho em particular em que sentiu que os seus objetivos foram cem por cento conseguidos?
M.A: Em todos. Só sei dar 100%. Claro que olho para trás e o nosso lado de auto-crítica, sempre presente, avalia, bem ou mal, aquilo que foi feito. Depois há projetos e personagens que podem dar mais ou menos gozo, mas tirei sempre prazer de todas elas. 

M.L: Participou nas séries juvenis “Morangos com Açúcar” e “I Love It” que foram exibidas na TVI, na qual interpretou respetivamente as vilãs Verónica Garcia Lima e Iolanda Medeiros. Que recordações guarda de interpretar estas personagens e também de experimentar este tipo de ficção dedicado ao público juvenil?
M.A: Não diferencio, são projetos. As recordações que guardo são ótimas, de um ambiente super divertido, com um público muito atento e umas personagens deliciosas e desafiantes.

Marta Andrino como "Verónica Garcia Lima" em "Morangos com Açúcar"

Marta Andrino como "Iolanda Medeiros" em "I Love It"
M.L: É filha da atriz Carla Andrino e do maestro Mário Rui. Como olha para os percursos que os seus pais têm desenvolvido até agora?
M.A: Além de ter estado, e estar, bem de perto durante o percurso de cada um, que em várias situações se cruzam, olho com um orgulho gigante e como referência do caminho que aos poucos também quero traçar.

Mário Rui, Marta Andrino, Carla Andrino
M.L: Atualmente apresenta o programa diário “Câmara Exclusiva” na TVI Ficção. Embora áreas muito diferentes, a Comunicação Social pode ser de certa forma um complemento à representação a seu ver?
M.A: Tudo é complementar. Acredito que nada acontece por acaso, a minha licenciatura em Marketing em vários pontos do meu percurso tem vindo ao de cima. Creio que no “Câmara Exclusiva” é um deles, pelo seu lado de comunicação como de divulgação da ficção TVI, do qual me sinto uma porta-voz.

Marta Andrino como apresentadora de "Câmara Exclusiva"
M.L: Como lida com o público que tem acompanhado a sua carreira nestes últimos 10 anos?
M.A: De uma forma muito tranquila. Talvez porque sempre lidei com isso, através dos meus pais, e porque acredito que o público faz parte da equação do nosso trabalho. É por eles e pelo seu feedback que também evoluímos.

M.L: Como atriz e também como pessoa, considera-se como alguém que questiona o Mundo e o que está à sua volta?
M.A: Claro que sim, como atriz, como mulher, como mãe... Terei sempre perguntas que não terão respostas. Ou porque não existe resposta, ou porque não aceito a que me dão ou porque a vida ainda não me deu. Mas ao aceitar-me e aceitar o que o mundo me dá facilita muita coisa.

M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na representação?
M.A: Independentemente da carreira que se escolha, o meu conselho é que se lute por aquilo que nos faz acordar felizes por ir fazer e chegar a casa, mesmo que exaustos, felizes por sentir que a missão foi cumprida.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
M.A: Continuo a achar que me falta fazer tudo, desde personagens a viagens, a tantas outras coisas... Mas a vida continua a surpreender-me, por isso é ir vivendo-a, tranquilamente.ML

terça-feira, 8 de novembro de 2016

"O Homem do Ano" (2006)


É já hoje (8 de Novembro) que se vai saber se é Hillary Clinton ou Donald Trump que vai ser Presidente dos EUA e a propósito das já históricas eleições americanas deste ano, eu achei que era muito apropriado escrever sobre "O Homem do Ano", a comédia política/satírica escrita e realizada por Barry Levinson e protagonizada pelo falecido Robin Williams que celebrou o seu 10º aniversário no passado dia 13 de Outubro e, tal como Trump na vida real, é sobre uma figura pública de outra área que inesperadamente concorre à Presidência dos EUA.


Também com a participação de atores como Christopher Walken, Laura Linney e Jeff Goldblum, "O Homem do Ano" é um filme que eu ouvi falar logo na altura em que foi lançado, mas só o vi em DVD por volta de 2009, e apesar de ter sido muito mal recebido pela crítica e atualmente muito esquecido eu francamente gostei de "O Homem do Ano" nomeadamente pela sua trama, pelos seus temas muito pertinentes e pelo seu elenco principalmente Williams, Walken e Linney.

Barry Levinson & Robin Williams
Apesar de não ser um filme memorável como "Bom Dia, Vietname" (1987), a primeira colaboração entre Barry Levinson e Robin Williams, "O Homem do Ano" vale a pena ser visto/revisto nesta altura de futuro incerto, pois é um filme que nos faz pensar em termos políticos.

Barry Levinson, Lewis Black, Robin Williams
Mário Lisboa

sábado, 5 de novembro de 2016

Brevemente...

Entrevista com... Marta Andrino (Atriz/Apresentadora)

Mário Lisboa entrevista... Carla Andrino

Começou como bailarina e a representação surgiu naturalmente na sua vida, tornando-se numa das actrizes mais admiradas pelo público português, cujo percurso passa nomeadamente pelo teatro e pela televisão (onde entrou em produções como "Os Malucos do Riso" (SIC), "Bacalhau com Todos" (RTP), "Fábrica de Anedotas" (RTP), "Os Batanetes" (TVI), "O Prédio do Vasco" (TVI), "Ilha dos Amores" (TVI), "A Outra" (TVI), "Negócio da China" (TV Globo), "Um Lugar para Viver" (RTP), "Espírito Indomável" (TVI), "Redenção" (TVI), "Doce Tentação" (TVI), "I Love It" (TVI), "Giras e Falidas" (TVI). Casada desde 1986 com o Maestro Mário Rui e mãe da actriz e apresentadora Marta Andrino, a psicologia também faz parte da sua vida, e actualmente co-protagoniza a peça "Noivo por Acaso" que está em digressão. Esta entrevista foi feita no Teatro Sá da Bandeira no Porto.

M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
C.A: Acho que surgiu desde sempre. Comecei o meu percurso pela dança, mas acho que mais do que dançar eu gostava era de representar através da dança. Portanto, representar surgiu assim tão natural como respirar. Foi um percurso natural na minha vida.

M.L: Quais são as suas referências, enquanto actriz?
C.A: São várias. Actrizes e actores, portugueses e estrangeiros. Eu acho que até de um mau exemplo se pode tirar um bom exemplo, nem que seja de como não fazer, de como, pelo menos eu, não gostava de representar.

M.L: De todos os trabalhos que tem feito até agora como actriz, houve algum em particular que se pode dizer que é o seu favorito?
C.A: Todos me deixaram a sua marca e fizeram de mim aquilo que sou.

M.L: Como lida com o público que acompanha sua carreira há vários anos?
C.A: Lido com muito respeito, independentemente se estou mais cansada ou menos disponível. Se as pessoas me reconhecem e querem dar um beijinho, cumprimentar, pedir um autógrafo ou tirar uma fotografia, cedo de uma forma simpática porque é o mínimo que posso fazer.

M.L: Desde 1986 que é casada com o Maestro Mário Rui e é mãe da actriz e apresentadora Marta Andrino. Como vê os percursos que ambos têm desenvolvido até agora?
C.A: Ambos têm tido muito respeito, dedicação e investimento pela profissão, muito respeito pelo público, e, também, uma pitadinha de sorte. Os dois têm uma característica que acho fundamental para esta ou qualquer outra profissão, a humildade.

Carla Andrino com a sua família (Mário Rui, Marta Andrino, o genro Frederico Amaral e o neto Manuel)
M.L: Entre 2008/09, participou na telenovela brasileira “Negócio da China”, exibida na TV Globo, da autoria de Miguel Falabella. Gostava de um dia repetir a experiência de trabalhar no estrangeiro, caso haja essa possibilidade?
C.A: A experiência foi absolutamente fantástica, fui muitíssima bem tratada por todos, sobretudo, pelo Miguel Falabella, que é um senhor. Gostei muito de lá estar até porque estive acompanhada pela minha família. Portanto, foi uma felicidade partilhada o que fez, ainda, mais sentido. Se tiver outro convite, e estiver disponível, com certeza que irei.

Ricardo Pereira, Joaquim Monchique, Carla Andrino e Maria Vieira, o núcleo português de "Negócio da China"
M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na representação?
C.A: Se quiser entrar na representação, entre por amor e não pela fama. Entre para servir e não para ser servido.

M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido até agora como actriz?
C.A: O melhor possível. Era isto que eu queria fazer, consegui e estou a fazer. Que mais posso pedir à vida?

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
C.A: Fazer cinema.ML

Esta entrevista não está sob o novo Acordo Ortográfico

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

"The Departed-Entre Inimigos" (2006)


No passado dia 6 de Outubro, celebrou-se 10 anos da estreia de "The Departed-Entre Inimigos", o aclamado remake realizado por Martin Scorsese de "Infernal Affairs-Infiltrados" (2002-03), a igualmente aclamada trilogia de Hong Kong, e que é um dos filmes da minha adolescência mais queridos para mim.


Vencedor de 4 Óscares da Academia incluindo Melhor Filme e Melhor Realizador (Martin Scorsese) e com um elenco muito bom de que fizeram parte, por exemplo, Leonardo DiCaprio, Matt Damon, Jack Nicholson, Mark Wahlberg, Martin Sheen, Ray Winstone, Vera Farmiga e Alec Baldwin, "The Departed-Entre Inimigos" foi o meu filme mais antecipado de 2006, tinha eu na altura 16 anos, por várias razões nomeadamente o seu realizador Martin Scorsese, de quem já era um enorme fã desde "Gangs de Nova Iorque" (2002), e eu fiquei muitíssimo agradado com o resultado final, pois tanto na altura como ainda hoje eu acho que é um remake tão bom como a trilogia original por mérito próprio, com uma identidade própria e que captou muito bem o espírito de "Infernal Affairs-Infiltrados".

Martin Scorsese (Realizador)
Graham King (Produtor)
William Monahan (Argumentista)
Thelma Schoonmaker (Editora)
Apesar de não ser um verdadeiro clássico como alguns filmes de Scorsese como, por exemplo, "Taxi Driver" (1976) e "Tudo Bons Rapazes" (1990), "The Departed-Entre Inimigos" é a meu ver um dos melhores filmes deste século, com o cenário de Boston mais do que apropriado e onde as personagens, embora grande parte delas difíceis de simpatizar, foram muito bem desenvolvidas dentro do possível. Um jogo do gato e do rato do melhor que o Cinema nos apresentou e ao mesmo tempo uma história de pais e filhos e para terminar eu tenho que salientar que na minha opinião pessoal o Leonardo DiCaprio devia ter sido nomeado ao Óscar de Melhor Ator em 2007 por este filme e não com "Diamante de Sangue" (2006) como acabou por acontecer e também que Jack Nicholson devia ter sido igualmente nomeado aos Óscares desse ano, mas na categoria de Melhor Ator Secundário, pela sua inesquecível interpretação como o monstruoso gangster Frank Costello.

Jack Nicholson com o seu bem-merecido Prémio de Melhor Vilão nos MTV Movie Awards 2007 
Martin Scorsese, Leonardo DiCaprio ("Billy Costigan"), Matt Damon ("Colin Sullivan")
Jack Nicholson & Martin Scorsese
Martin Scorsese, Leonardo DiCaprio, Vera Farmiga ("Madolyn Madden")
Cartaz alternativo de "The Departed-Entre Inimigos" que eu gostei muito logo à primeira
O DVD e a banda sonora de "The Departed-Entre Inimigos" e os DVDs da trilogia "Infernal Affairs-Infiltrados" que eu orgulhosamente possuo desde os meus 17 anos
Mário Lisboa