quarta-feira, 27 de março de 2019

Dia Mundial do Teatro: Suzana Borges


Continuando com a minha iniciativa de publicar textos individuais de pessoas com percursos artísticos diferentes, a propósito do Dia Mundial do Teatro, aqui deixo o segundo texto escrito pela actriz Suzana Borges que se estreou com a peça "O Despertar da Primavera"/"Tragédia Infantil", o clássico de Frank Wedekind, em 1979.

"Suzana Borges, 40 anos de carreira em 2019

Reflectir sobre 40 anos de carreira no espectáculo, é de algum modo assustador... Mas tenho por vezes, uma visão de mim própria, quando estou para entrar em cena, como de um plano picado, em que estou ali no teatro, com o palco e o público, e eu, numa alegria expectante, ali, à espera de entrar, e penso: ainda cá estou. Pois neste mundo do espectáculo, a sobrevivência é uma outra arte... Algumas coisas mudaram nestes 40 anos, mas devo ao meu grande mestre José Osório Mateus, com quem trabalhei na primeira peça “Tragédia Infantil” de Wedekind, o ter-nos preparado com tanta clarividência e sabedoria, e amor, para as nossas carreiras, e melhor ainda para o que pensar sobre elas e sobre nós nelas. Primeiro que tudo amor pelo trabalho, disciplina e método. O resto é a descoberta diária, e por vezes em saltos qualitativos, de como estamos nós naquele texto ou naquela situação. Não importa o tamanho do papel, mas sim o que o trabalho transforma em nós, e como nos transformamos na personagem. E estas regras de ouro centram-nos não no reconhecimento, ou na fama, mas numa criação, sempre in progress, de nós próprios e das condições de trabalho. Na posse delas, que nos conferem grande respeito por nós próprios, é mais fácil lutar contra a injustiça, a desqualificação e o demérito que a profissão tem sofrido. E depois, pensando retrospectivamente, há as memórias dos autores que fui fazendo: Borges, com o seu animismo panteísta, ou assim gosto de lhe chamar, Conrad, com as suas construções de ideias e palavras que nos levam para um sítio - como um remoinho - obscuro da nossa percepção e do mundo, Sacha Guitry, oh! que elegância inteligente e galante, Shakespeare, que só fiz enquanto recitante em ópera, em que as palavras e o dizê-las infundem uma alegria de passagem de testemunho de beleza, engenho, e arte. Noël Coward, mestria na rapidez, ritmo, e muita sofisticação na simplicidade, Wedekind, cujo mistério dos jovens adolescentes foi mais claro para mim em 79, do que agora quando o abordo. Claudel, em que linguagem nos eleva para uma transcendência espiritual e poética - comparável à natureza? Howard Brenton, poesia e horror na intimidade da linguagem, do pensamento e dos actos... Mishima, e o quanto a sua sonoridade e cultura japonesas, consegui habitar e viver na personagem, numa experiência de transformações múltiplas. E também a grande comunhão quando se representa autores vivos, como Luís Assis e Pedro Pinheiro, de poder perguntar-lhes: o que queres dizer com esta frase? O que sempre me interessou no teatro é a nossa capacidade de transmitir e deixar impressões no espectador de alguém que é uma personagem de ficção, que não somos nós. Essa transcendência e a grande aventura pressentida todas noites no escuro de antes de entrar em cena, do risco e da emoção, do novo. Do que nunca aconteceu, e que não sabemos como será.

Lisboa, 23 de Março de 2019

Mário Lisboa

1 comentário:

  1. Querida Suzana. Eu comecei contigo no teatro no nosso " Despertar da Primavera" fiz 41 anos de carreira como actriz em 2018 no cinema, mas no teatro foi contigo.,,,,nem me lembrei....tu serás sempre a minha Wendla. Beijos e Para MUITOS bens...que continues a cá estar sempre !

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