quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Mário Lisboa entrevista... Carla Chambel

Estreou-se na representação em 1995 com a peça "A Disputa" de Marivaux e encenada por João
Perry no Teatro da Trindade e foi o mote para um notável percurso como atriz que já conta com 20 anos de existência e passa pelo teatro, pelo cinema e pela televisão (onde entrou em produções como "A Febre do Ouro Negro" (RTP), "Lusitana Paixão" (RTP), "Inspetor Max" (TVI), "A Ferreirinha" (RTP), "Até Amanhã, Camaradas" (SIC), "João Semana" (RTP), "Jura" (SIC), "Vingança" (SIC), "Resistirei" (SIC), "Bem-vindos a Beirais" (RTP), "Poderosas" (SIC). Uma das atrizes mais dotadas da sua geração, desde Dezembro de 2014 que é Vice-Presidente da Academia Portuguesa de Cinema, e co-protagoniza a peça "Breviário para um Extermínio Silencioso" de Mike Bartlett e encenada por Rui Neto, na qual vai estrear no Clube Estefânia em Lisboa no próximo dia 22 de Outubro. Esta entrevista foi feita no passado dia 20 de Setembro.

M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
C.C: Bom, desde pequena fui estimulada pela escola e em casa a criar um gosto pela leitura em voz alta, de poesia, prosas, a cantar. Mais tarde, já no secundário, ao ver um espetáculo do Teatro Meridional (“Ki Fatxiamu Noi Kui”, 1992) fiquei deslumbrada com aquela linguagem e, em conjunto com outros colegas, fundámos o nosso primeiro grupo de teatro. Foi então que descobri o conservatório de teatro, a dita Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, e percebi que me podia formar como atriz, aprender com mestres e tirar um curso. Também foi quando comecei a ir ver teatro a todo o lado que podia: Comuna, Bando, Meridional, Cornucópia… Foi muito importante, naquela época, ver como se fazia.

M.L: Quais são as suas referências, enquanto atriz?
C.C: Houve professores que me marcaram profundamente: António Feio, João Mota, Maria João Serrão, Luca Aprea. Mais tarde, como profissional fui aprendendo com outros colegas e há pessoas que admiro muito pela forma como trabalham, como se entregam: Miguel Seabra, Luísa Cruz, Ivo Canelas, Carla Galvão. E em todos os trabalhos vou encontrando colegas com os quais tenho pontos de afinidade e aprendizagem que também se tornam referências para mim. A Lúcia Moniz foi um destes últimos casos.

M.L: Qual foi o trabalho que mais a marcou, até agora, durante o seu percurso como atriz?
C.C: É difícil escolher. Cada trabalho é como um muro que eu tenho que estudar a melhor estratégia de como o vou escalar até conseguir chegar ao topo e transpô-lo para o outro lado. E do outro lado há tantas coisas novas para ver! São essas coisas que muitas vezes nos surpreendem durante o trabalho e que torna tudo muito mais desafiante e gratificante.

No teatro posso dizer que a “Ditosa” da “História do Gato e da Gaivota que a Ensinou a Voar”, do Teatro Meridional, foi um desses muros que deu muito gozo transpor e de certo modo voar a partir dele. E, claro que fazer uma “Julieta” de (William) Shakespeare é um sonho concretizado.

No cinema foi muito desafiante fazer a subcomissária de polícia no filme “Quarta Divisão” (2013) de Joaquim Leitão. Uma personagem muito distante de mim, que exigiu um empenho a nível físico, de destreza e atitude emocional que não pratico todos os dias.

Por último na televisão é indiscutível que a “Marina” de “Bem-vindos a Beirais” (RTP) me marcará por muito tempo, não só pelo sucesso do projeto como pelo espírito de família que se criou ao longo de dois anos e tal de gravações.

M.L: Entre 2007/08, participou na telenovela “Resistirei” que foi exibida na SIC, na qual interpretou a personagem Júlia Mascarenhas. Que recordações guarda desse trabalho?
C.C: Ironicamente o trabalho fez jus ao nome da novela. Foi um trabalho de resistência, onde o muito empenho da equipa e da produção foi posto de parte pela então nova direção da SIC. Gravámos o projeto até ao fim mesmo depois da novela sair do ar. Ainda assim guardo excelentes memórias, nomeadamente o trabalho com grandes atores como o Rui Luís Brás, o Nuno Melo, a Carla Maciel… e uma equipa incansável.

M.L: Como vê, atualmente, o teatro e a ficção nacional?
C.C: Vejo o teatro sob grandes mudanças, e no meu ponto de vista para melhor. Mas falo da vontade dos artistas em fazê-lo, não da parte de quem nos governa. Fiquei muito feliz com a iniciativa recente do Teatro Nacional D. Maria II, dirigido atualmente pelo Tiago Rodrigues, de abrir gratuitamente as portas ao público durante três dias e criar uma avalanche de filas que só mostra que as pessoas querem ir ao teatro! Essa dinâmica de proximidade é cada vez mais importante desenvolver, desmistificar o erudito da cultura. Ela é e deve ser para todos e acessível a todos!

A ficção encontra-se numa fase em que a tecnologia já permite uma produção mais simplificada e barata dos conteúdos. Ainda assim sinto que há um grande investimento nos produtos para grandes massas e investimento insuficiente para conteúdos mais alternativos. A Academia RTP está a fazer um trabalho interessante a esse nível, assim como os festivais de curtas-metragens que vão ocupando cada vez mais as programações dos cineteatros a nível nacional, dando a conhecer as jovens promessas.

M.L: Em 2015, celebra 20 anos de carreira, desde que se estreou como atriz com a peça “A Disputa” de Marivaux e encenada por João Perry no Teatro da Trindade em 1995. Que balanço faz destes 20 anos?
C.C: São 20 anos de constante aprendizagem. Gosto de trabalhar com as pessoas e por isso, retiro sempre uma aprendizagem do trabalho com elas. Isto serve para as boas experiências mas também para as menos boas. Tem sido um percurso feito de muito trabalho, muito empenho, alguns “nãos” como resposta, e felizmente muitos “sins” que me têm permitido mostrar várias valências. Gosto de saltar de companhia em companhia, não ficar no mesmo canal por muito tempo, conhecer diferentes realizadores. Isso tem tornado a minha experiência enquanto atriz muito mais rica. Tenho medo de estagnar. Julgo que a sorte também me tem acompanhado e tem colocado no meu caminho excelentes desafios que me obrigam a superar-me.

M.L: Como lida com o público que acompanha sua carreira há vários anos?
C.C: É sempre agradável quando alguém nos aborda e manifesta o seu apreço pelo nosso trabalho. Seja presencial ou virtualmente. Hoje em dia o Facebook também é um veículo para essas mensagens às quais tento responder sempre que posso. Também atento às críticas que fazem ao meu trabalho. É importante termos um ponto de vista do espetador. Perceber se o tocámos ou não e quais as razões. A verdade é que o meu trabalho é feito para eles e por isso é muito importante para mim que chegue até eles.

M.L: Recentemente, participou na série “Bem-vindos a Beirais” que está em exibição na RTP. Já alguma vez imaginou que a série tivesse o sucesso que tem tido até agora?
C.C: Não, claro que não. Há muito que a RTP estava longe de ter sucessos em ficção e muito menos em horário nobre. Foi um projeto de três meses que se transformou numa bonita viagem de mais dois anos. Houve um espírito de família que se manteve ao longo de todo o projeto. Criou-se uma família beiralense. Cada um de nós ganhou mais uma terra para além daquela em que nasceu e isso vai marcar-nos para sempre. E claro que o público foi fundamental neste processo. Ele escolheu-nos para passar a fazer parte do serão e isso orgulha-nos muito.

M.L: Desde Dezembro de 2014 que é Vice-Presidente da Academia Portuguesa de Cinema. Como vê o percurso que a Academia tem desenvolvido, desde a sua fundação em 2011 até agora?
C.C: Vejo uma vontade sincera de procura na promoção do cinema português e dos seus intervenientes. Os Prémios Sophia são a cara mais visível da Academia e sei que dão muito, mesmo muito trabalho para conseguir pô-los de pé ano após ano. O trabalho é feito a partir da disponibilidade dos elementos da direção e de uma equipa muito reduzida de produção que trabalha ao longo do ano com a Academia. Mas a Academia está a alargar a sua atuação. No ano passado já tivemos, por exemplo, os Prémios Sophia Estudante, que visam premiar o que de melhor se faz nas escolas de cinema de todo o país, apostando claramente na formação como base de aprendizagem da 7ª arte. Um dos trabalhos da Academia também tem passado por fazer e melhorar a sua comunicação, cativar novos associados, procurar mais parcerias. Desenvolve várias responsabilidades, como as de indicar os candidatos aos Óscares, ou aos Prémios Goya. Neste momento está a trabalhar, em conjunto com o ICA, na preparação do Ano do Cinema. E muito mais haveria a dizer. Há uma vontade séria e honesta em fazer melhor pelo nosso cinema. E foi isso que me cativou a entrar para a Academia e oferecer o meu modesto contributo.

M.L: Em 2011, Portugal conquistou o seu segundo Emmy com a telenovela da SIC “Laços de Sangue”, na qual trabalhou como diretora de atores. Como é que se sentiu ao saber que “Laços de Sangue” ganhou o prémio?
C.C: Muito orgulhosa, naturalmente. Foi a minha primeira e única experiência em direção de atores num projeto de ficção e senti que foi uma oportunidade única para conhecer como funciona a máquina para lá das câmaras. É completamente diferente. Ficamos com uma noção maior de como funcionam os vários setores, como se interligam. Também me permitiu conhecer a precariedade em que trabalham os técnicos. 12 horas por dia, 5 dias por semana, são 60 horas semanais. Ganharam ainda mais a minha admiração depois de ter passado por aquela experiência e por me ter sentido como um deles. Claro que depois há louros como os Emmys que são gratificantes receber, mas na verdade, no dia-a-dia, a trabalhar no duro, não significam muito.

M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na representação?
C.C: Antes da carreira que procure a formação. Ser ator é uma arte que deve ser cuidada e respeitada como qualquer outra profissão. É uma vida inconstante que se abraça, em que somos constantemente postos em causa. E há uma aprendizagem a fazer ao recebermos um “não” como resposta. Nós somos o nosso instrumento, o objeto da avaliação e por isso há que desenvolver uma estrutura forte que saiba filtrar o que é uma crítica ao nosso trabalho do que nós somos. Daí ser tão complicado quando se trata de crianças ou adolescentes. Eles estão em processo de construção do “eu” e ser demasiado elogiado ou preterido irá afetar a sua auto-estima. Apesar de todo o deslumbramento que esta profissão possa ter, tem momentos muito duros e que nos obrigam a fazer escolhas que nem sempre queremos. Depois há momentos que compensam tudo isto: o “sim” daquele casting tão difícil, aquele ensaio em que sentimos que “chegámos lá”, o aplauso do público, o recorde de audiência, uma crítica de reconhecimento.

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
C.C: Neste momento estou em ensaios para um espetáculo na Escola de Mulheres. “Breviário para um Extermínio Silencioso” é uma peça a partir do original “Contractions” de Mike Bartlett. A encenação está a cargo do Rui Neto e estarei em cena com a minha querida colega e amiga Isabel Medina. Irá estrear a 22 de outubro no Clube Estefânia, em Lisboa. Ficará em cena até meados de Novembro. Logo de seguida iniciarei um novo projeto também em teatro que estreará em Março, mas deste ainda guardo segredo porque está em fase de preparação. Por isso é um regresso ao teatro muito desejado ao fim de dois anos de televisão.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
C.C: Tantas coisas. Quando tinha 15 anos e julgava que queria ser veterinária, o teatro atravessou-se na minha vida de forma tão intensa que decidi mudar o meu rumo. E isso passou a ser um mote na minha vida. Não tenho nada como adquirido. Tudo pode mudar de um momento para o outro. Tenho projetos dentro e fora da Arte que gostava de concretizar. Começo a ter um bicho aqui dentro que me diz para encenar, mas ainda não tive a coragem para me lançar. Tenho ideias para um filme e para uma série. Seria um sonho concretizá-los.ML

Fotografia: Cinéfilos.tv/Luís Silveira e Castro 

1 comentário:

  1. É uma senhora por fora, mas uma menina por dentro. Adoro a clareza das palavras e também o humano que há na Carlinha, é como nós gostamos de a tratar. "Flores de Outono"

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