terça-feira, 27 de outubro de 2015

Mário Lisboa entrevista... Cláudio Jordão

O interesse pela Animação surgiu muito cedo e nos últimos 18 anos tem desenvolvido um percurso como animador que passa por várias áreas audiovisuais. Realizador e fundador do estúdio KotoStudios que existe desde 2007, criou em 2014 uma curta-metragem de animação que homenageava o clássico de Ridley Scott, "Alien-O Oitavo Passageiro", a propósito dos 35 anos da sua estreia, onde fez uma extensão do seu final. Esta entrevista foi feita no passado dia 25 de Agosto.

M.L: Quando surgiu o interesse pela Animação?
C.J: Ainda antes do interesse, o fascínio, e este desde muito cedo com séries de animação como o "Conan-O Rapaz do Futuro" ou "As Maravilhosas Cidades de Ouro", além das personagens dos "Looney Tunes"; "Hanna Barbera" e de outras coisas apresentadas pelo saudoso Vasco Granja que tantos filmes de todo o Mundo nos mostrava, de onde destaco "Allegro non troppo" (1976) de Bruno Bozzetto, e muita da obra de um dos pais da animação Norman McLaren.

Ficava entusiasmadíssimo com as cores e os movimentos das personagens e pensava em como recriar algumas das coisas que via. Lembro-me em particular de um dos programas de Domingo da altura, "O Passeio dos Alegres" (RTP) que era apresentado por Júlio Isidro, onde um convidado desvendava um pouco da magia do que era para mim ainda a Animação, desfolhando para a câmara uma série de esquiços com desenhos que uns a seguir aos outros davam a ideia de movimento, e acho que dentro de mim algo explodiu!

Comecei a fazer algumas experiências com as coisas que tinha à mão, e uma em particular que gostava de fazer era pintar um pião de madeira, e depois de jogá-lo, deitar-me no chão a vê-lo rodar e observar a sequência de linhas e bolas que tinha pintado e os padrões animados que surgiam... Era o meu brinquedo ótico, uma espécie de Zootrópio, sem saber ainda o que isso era!

Os tempos de decisões para o Futuro chegaram na escolha de Cursos a seguir, e as dificuldades financeiras aliadas um pouco à ignorância de outras possibilidades fizeram-me enveredar pelo universo da Contabilidade... O que claro, se revelou uma claríssima má aposta, e portanto com alguma dificuldade mas com uma grande vontade, consegui convencer os meus pais a apostarem em mim e a me ajudarem a entrar no Curso de Arte e Design na Escola Tomás Cabreira em Faro, e depois no Curso de Design e Multimédia pela Universidade do Algarve, sendo no ano de 1993 a primeiríssima vez que toquei num computador, e fiz do Paintbrush do Windows um grande amigo, ao qual se sucederam outros amigos como o Corel Draw, o Autocad, e um amigo que destruiu a minha vida, o 3D Studio, um bicho que ainda só funcionava em ambiente DOS, mas que pela possibilidade de criação e animação de objetos me fazia esquecer de comer e dormir.

Em 1995 surge pela primeira vez um filme em Animação 3D, o "Toy Story-Os Rivais" da Pixar. Este filme foi um marco para mim, não só pela diferença que marcava em termos estéticos dos filmes em Animação até à altura, como pelo facto de ter sido feito numa tecnologia que eu próprio estava a explorar, e portanto assumi aquele ponto na minha vida como uma espécie de confirmação de um rumo a seguir.

Hoje, mais que interesse, amo a Animação, às vezes um pouco demais.

M.L: Quais são as suas referências nesta área?
C.J: As minhas referências são muito variadas, e elas revelam-se mais ou menos presentes em função sobretudo do tipo de projeto que estiver a desenvolver na altura, e do conceito estético que mais persistir na minha memória e mais me fizer entrar na história/situação que pretender ilustrar.

Por causa das séries e filmes em Animação da infância, sou fã da estética e da dinâmica do anime, e adoro o trabalho de Hayao Miyazaki e do seu Studio Ghibli; Katsuhiro Otomo; e Mamoru Oshii.

Walt Disney e Pixar são referências cada vez mais incontornáveis, pela qualidade e quantidade de propostas não só estéticas como também narrativas.

Gosto bastante também do fantástico trabalho de Alexander Petrov; e de Bill Plympton.

E claro, Salvador Dalí; Monet; Cézanne; Mondrian; (Vincent) Van Gogh; William Blake; Escher; (Pablo) Picasso; (H.R.) Giger; Rafael Bordalo Pinheiro; Bernini, entre tantos outros cujas obras me fazem viajar ao imaginar a sua obra em movimento!

M.L: Como é que se prepara para cada projeto de animação em que se envolve, tendo em conta que este tipo de projeto demora mais tempo para ser concretizado?
C.J: Com tempo precisamente. O 1º filme que fiz foi "Super-Caricas", foi a minha estreia como realizador em 2002, e fi-lo num período em que estava desempregado. Foram 9 meses fechado em casa a trabalhar sozinho, para no fim ter uma primeira experiência em Cinema que outros pudessem ver e apreciar, ou não... Joguei-me às feras basicamente! E não correu assim tão mal, o filme estreou no Festival de Avanca em 2003, e acompanha ainda hoje edições especiais e retrospetivas. Foi um dos primeiros filmes em Animação 3D em Portugal. E a inspiração foi basicamente nos jogos tradicionais da minha infância, onde voava entre jogos eletrónicos com carrinhos de Fórmula 1 ou naves espaciais, e corridas na terra com caricas. Tudo misturado, deu um puto a brincar com um jogo eletrónico de caricas que voam numas pistas muito aluadas até ao momento em que a sua mãe, já farta de o chamar para jantar, o vem buscar por uma orelha... Claro que isto foi também inspirado em factos reais!

O 2º filme "Esperânsia" em 2006, exigiu um pouco mais de investigação, quis fazer um filme Português, inspirado na sua História e na sua Cultura, estudei um pouco da Mensagem de Fernando Pessoa; um pouco de Ordens Religiosas; um pouco de Lendas de Mouras Encantadas; e de Amores Impossíveis. E durante 11 meses, desde mais ou menos das 22h às 2h da manhã e aos fins de semana (pois já não estava desempregado) trabalhei num filme que julgo ser único no género, um Fado sci-fi. Uma mulher espera à beira de um precipício que o seu amado, um guerreiro da Nova Ordem de Cristo, volte da viagem inter-dimensional onde embarcou. Espera toda a vida, e quem sabe depois!

O 3º filme "Conto do Vento" (2010), foi uma nova aventura, desta vez o argumento foi partilhado com Nelson Martins, meu amigo e sócio da nossa produtora KotoStudios. Na verdade foi o Nelson que teve a ideia original e partilhou comigo. Gostei logo à partida do mote, uma história de Bruxas contada pelo Vento. E durante cerca de 1 ano e meio deixámos embrenhar na floresta de histórias de familiares e de terras do interior para que conhecêssemos melhor os preceitos e as tradições das gentes. Fui até passar a noite de fim de ano a uma aldeia no Norte para entrar melhor no espírito. Depois, a fase de criação das personagens, que deveriam refletir também as suas vivências e profissão para que haja uma melhor identificação do público com as personagens que propomos. Foi uma fase muito estimulante pois trabalhámos com um talentoso amigo, o Filipe Lizardo, que não só concebeu visualmente as personagens, como um dia nos surpreendeu com as mesmas personagens em massa. O que foi extraordinário para a fase de modelação em 3D. A "Conto do Vento" tinha ainda uma particularidade, que nos obrigou a levar mais tempo de investigação e experimentação sobre a melhor forma de pudermos contar esta história! Queríamos que o espectador se sentisse levado pelo Vento. Filmámos o Vento em reações e em situações diversas. Analisámos o toque; a velocidade; o som; o nível de distorção; e adicionámos um pouco de Impressionismo à decisão de fazermos tudo num único plano de sequência de 12 minutos. E assim se passaram 5 anos até acharmos que estava pronto. E o resultado, é que com grande orgulho, a "Conto do Vento" conta com 23 prémios, sendo o maior prémio, sem desprimor para os outros, a presença em competição no Annecy 2011, o maior Festival de Animação do Mundo... Depois de não ter sido sequer selecionado no mais consagrado Festival de Animação em Portugal.

Seguiu-se uma outra aventura, de teor mais conceptual. "15 Bilhões de Fatias de (-t)+Deus" (2012) é o meu 4º e último filme, por enquanto, e a inspiração ocorreu a propósito das últimas descobertas da Ciência sobre o Bosão de Higgs ou a apelidada Partícula de Deus. Interesso-me bastante sobre Física Quântica, e gosto de pensar sobre a Origem do Universo quer na versão Científica quer na versão Religiosa, e por isso este último filme funde os conceitos das duas numa explicação alternativa sobre a origem do Universo. Sem qualquer pretensiosismo e de uma forma algo esquizofrénica, o filme retrata através de uma imagética própria, uma discussão familiar entre Deus e os seus Pais que basicamente não o querem deixar sair de casa (a sopa primordial antes do Big Bang), ordem a que Deus não obedece e resolve... e tal! Em termos plásticos inspirei-me nos cortes transversais frequentemente utilizados na Biologia e na Geologia, para passar a ideia de que o que vemos a cada instante são "fatias" de Tempo.

M.L: Qual foi o trabalho que mais o marcou, até agora, durante o seu percurso na Animação?
C.J: A "Conto do Vento" sem dúvida, não só pelo desafio criativo, como pela possibilidade de trabalhar com uma equipa de amigos, desde o João Paulo Nunes e o fantástico trabalho na banda sonora e sonorização, até ao Filipe Lizardo na criação das personagens, o António Costa Valente e toda a equipa da Filmógrafo, os nossos amigos atores que connosco encenaram várias situações para melhor pudermos animar as personagens. E depois claro, a reação do público quer seja a de elogios ou críticas que também as houve. Mas diria que foi até à data o projeto com mais impacto em que participei/criei.

M.L: Em 2014, fez uma curta-metragem de animação que homenageava “Alien-O Oitavo Passageiro” (1979) de Ridley Scott a propósito dos 35 anos da sua estreia celebrados nessa altura, onde contava o seu ponto de vista do que aconteceu ao extraterrestre após o fim da longa-metragem (https://www.youtube.com/watch?v=XKXSXSdrL0M). Como vê o percurso que a saga tem desenvolvido desde o seu início até agora?
C.J: “Alien” é uma saga que se enquadra nos meus 2 géneros cinematográficos preferidos, a Ficção Científica e o Terror. E da saga, “Alien-O Oitavo Passageiro” de Ridley Scott é sem dúvida o meu preferido a vários níveis. Não é só pela fantástica colaboração de Giger na criação do mais inspirador monstro de sempre, pois todos os monstros a seguir são filhos ou parentes do Xenomorph. Como na conceção credível de Scott de um universo novo por explorar a bordo de um punhado de personagens que refletem as características e particularidades de nós próprios e nos mostram como enfrentaríamos ou não o nosso maior medo.

São várias as situações durante o filme que merecem destaque, uma das mais óbvias como é a do Xenomorph romper no peito de Kane (John Hurt) pode ser interpretada da forma mais imediata que é a ser uma cena altamente impressionante pela violência, pela surpresa e até pelo nojo que pode causar nos mais sensíveis, e isso por si só é já altamente compensador ao realizador, causar o impacto pretendido. Mas num outro layer está uma reflexão quase provocação ao espectador sobre violação, não só de mulheres (como quase aparece numa outra cena onde a cauda do Alien inicia um trajeto muito revelador pelas pernas acima de Lambert (Veronica Cartwright) como violação do Homem como espécie quer na sua integridade física quer nos seus direitos.

Sendo “Alien” um filme que aparece no pós-Vietname e em plena Guerra Fria, estas questões faziam parte da mentalidade da altura, e Scott retrata-as metaforicamente. Até o facto de Ripley (Sigourney Weaver) ser a única sobrevivente da Nostromo, é uma tomada de posição em relação aos direitos das mulheres.

Estas questões e tantas outras fazem de "Alien-O Oitavo Passageiro" um primeiro filme dificilmente superável por uma continuação, como não chega a acontecer na minha opinião com "Aliens-O Reencontro Final" (1986) de James Cameron onde a fórmula se reduziu basicamente a mais Aliens e mais armas com um apelo ao sentimento materno de Ripley por Newt (Carrie Henn) e da Rainha pelos seus filhos.

No 3º filme, repleto de problemas de produção antes e durante as filmagens, David Fincher fez o melhor que conseguiu a um guião débil na estrutura, no entanto havia algo de novo no Dragão que o filme anterior não mostrou que era a capacidade de adaptação. Vemos numa cena um Alien sair de dentro de um Touro, e é desta vez algo ainda mais bruto e mais veloz e com a capacidade de correr nas 4 patas. E vemos uma Ripley em conflito consigo mesma a partir do momento em que sabe que dentro de si se forma uma Rainha. Ela é o Homem e o Monstro, e o Monstro é agora mais Humano, e por isso ainda um maior perigo para a Humanidade, pois pode ser aproveitado como arma pelo Homem (pela Weyland Industries) e assim Ripley decide matar-se e ao monstro na cena fantástica de se jogar para dentro da fornalha no preciso momento em que a Rainha lhe rompia o peito. As questões essenciais de sobrevivência e adaptação da espécie voltam a estar no cerne da saga... Se não fossem os problemas que aconteceram antes e durante a rodagem, “Alien 3-A Desforra” (1992) poderia ficar na História com uma obra-prima.

Depois veio o 4º filme, “Alien 4-O Regresso” (1997), de Jean-Pierre Jeunet, e a escolha deste realizador eu ainda não a entendo, não creio que seja com "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" (2001) ou "Delicatessen" (1991), duas obras magníficas de resto, que se parte para a aventura de fazer um “Alien”. É certo que dos outros 3 realizadores dos filmes anteriores, só Cameron já tinha dado algumas provas no mesmo género de filme, mas Jeunet, acaba por ele próprio se calhar ser o Alien em toda a saga, pois faz rir em vez de aterrorizar. E parece-me que o guião tinha todo o potencial para ser uma outra grande obra pois pega ele também numa das maiores controvérsias da Humanidade, a Clonagem. Não posso dizer que não gosto, até tem momentos muito bem conseguidos como a destruição do laboratório das experiências falhadas da mistura do ADN de Ripley com o do Xenomorph, ou a cena de perseguição dos aliens debaixo de água, mas tudo cai por terra naquela terrível cena final do Alien com cara meio humana... Mau, muito mau... Bastava só terem feito as pazes com o Giger!

Quanto às atrocidades cometidas em nome da faturação rápida com a mistura de franchises como é o caso dos AVP (“Alien vs. Predador” (2004-2007), nada a dizer. Nada a dizer de bom claro está, porque é na minha opinião uma forma rápida de aniquilar os 2 melhores títulos de monstros da História do Cinema de Ficção Científica.

Em traços gerais, a Saga "Alien" é sobre colonização; sobrevivência e adaptação de uma espécie num novo ambiente.

A Saga "Predador" (1987-2010) é sobre uma espécie de guerreiros que caça outras espécies.

E agora esperemos então pelo 5º filme da saga, que obviamente me deixa muito curioso e expectante não só por ter o Neill Blomkamp como realizador, como também pelas poucas imagens conceptuais que navegam pela Internet. Preocupa-me um pouco os boatos que dizem que o argumento vai 'desprezar' os últimos 2 filmes por não serem do agrado da maioria dos fãs... Acho de alguma indelicadeza para com os realizadores e toda a equipa que participou neles com toda a dedicação, mas a ver vamos!

E entretanto, como fã, e sonhador, resolvi, a propósito do 35º aniversário do "Alien", fazer uma homenagem ao filme, e pensei que poderia estender um pouco o final do original, pois creio haver abertura para isso. O final do original acaba com Ripley a espetar um arpão no peito do Alien que com esforço tenta ainda voltar para o interior da nave. Ripley consegue aceder aos comandos da nave e queima o Alien com os propulsores que o expelem para o espaço. E pronto, ficamos nós com a ideia de que o Alien morreu. Mas terá morrido? Ash (Ian Holm), o médico e cientista que se revelou um androide, diz a determinada altura que é uma criatura excecional com um alto poder de adaptação. E portanto, nesta pequena homenagem de 4 minutos resolvi explorar essa capacidade de adaptação, fazendo com que o Alien derive pelo espaço e vá lentamente formando um casulo protetor até ser apanhado pela gravidade de um planeta. Ao entrar na atmosfera o casulo explode em pedaços e o Alien aos gritos começa aos poucos a desintegrar-se, acabando por desaparecer. Um novo dia recomeça naquele planeta, que agora conta com uma nova espécie nas partículas da sua própria atmosfera. O título começa a aparecer como no original, mas em vez de escrever ALIEN, escreve outra coisa.

M.L: Em 2007, fundou a KotoStudios que é um estúdio dedicado à animação e trabalha para qualquer área audiovisual. Como é que surgiu a ideia de fundar o estúdio?
C.J: A KotoStudios surgiu principalmente da vontade de dar largas à imaginação rodeado de amigos. Gostamos de pensar em projetos que na sua forma global constituam um desafio quer em termos plásticos quer em termos narrativos. As curtas-metragens que desenvolvemos são por excelência o laboratório ideal para esse tipo de experiências, mas aplicamos a mesma filosofia e a mesma vontade a qualquer tipo de projeto seja ele de carácter mais comercial; institucional ou promocional. Para isso contamos com um leque de colaboradores em várias áreas desde o design gráfico à fotografia, e com parcerias especializadas noutras áreas como a realidade aumentada ou o video mapping. Desta forma podemos pensar em projetos tão diversos como jogos e aplicações interativas, ou espetáculos de palco onde conseguimos misturar a performance de um artista com conteúdos multimédia específicos. Temos ainda competências nas áreas de guionismo e realização em imagem real, o que neste momento nos permite estar a desenvolver projetos para televisão e online.

M.L: Como vê, atualmente, a Animação, a nível global?
C.J: A explodir, em todas as direções, e a misturar-se com todos os géneros não só do Cinema, mas basicamente com tudo o que mexe! Nos jogos é por demais evidente: as personagens; os ambientes; e todo e qualquer elemento que despolete uma ação ou reação no jogador, tem uma animação especifica ou foi concebido para! Qualquer aplicação interativa tem no mínimo um ícone com uma pequena animação que chame a atenção para uma determinada ação. Um simples desbloquear do ecrã de um telemóvel tem um efeito animado. Mas é nas séries de TV e nos filmes onde a Animação brilha em toda a sua glória. Na conceção das personagens, onde o aspeto e a forma como se exprimem, refletem uma preocupação e um cuidado na definição psicológica de cada uma, de forma a criar um sentimento específico no espectador. Nos cenários, que mais ou menos fantasiosos ou mais ou menos realistas servem para uma maior imersão e credibilidade na proposta do mundo que se apresenta. E claro, na escrita. Escrever para um filme em Animação, não é simplesmente uma sequências de piadas. Um filme em Animação como por exemplo "Frozen-O Reino do Gelo" (2013) da Disney, tem as mesmíssimas regras de escrita que o "Alien", embora depois sirvam histórias completamente diferentes. E depois há ainda uma questão sensível que merece algum debate e que irá com certeza ser cada vez mais pertinente à medida que a tecnologia avança, e que se prende exatamente com a definição do que é um conteúdo em Animação. Pegando num exemplo muito concreto, "Game of Thrones" (HBO) é claro que se define na sua essência como uma série de ficção em imagem real num mundo de fantasia, mas uma enormíssima percentagem da série quer na manipulação digital das personagens quer dos cenários é de grosso modo Animação. Qualquer um dos 6 filmes que já vimos da Saga "Star Wars", e à medida do avanço tecnológico, foi em crescendo tornando-se cada vez mais num filme em Animação com recurso a imagem real, naquilo onde sobretudo ainda é bastante difícil controlar de forma credível, como a expressividade facial humana. Surgem cada vez mais propostas híbridas, embora possam não ser percetíveis ao espectador, pela qualidade crescente da manipulação/animação digital, e serão cada vez mais audazes e capazes de atrair o espectador para os seus mundos, com histórias e personagens mais ou menos complexas, e isso não tem mal nenhum e ainda bem que assim acontece! Mas se continuar nessa altura a tentar definir um conteúdo como Imagem Real ou Animação, vai ser muito difícil chegar a alguma conclusão! Talvez a Animação deva, em alguns conteúdos, distinguir-se claramente em termos gráficos, dos aspetos que definem o mundo real, para que seja mais fácil enquadrá-la numa categoria específica! Duas últimas considerações sobre esta questão: os apoios a financiamento de obras pelo ICA, repartem-se de grosso modo em Cinema em Imagem Real e Cinema em Animação. Eu tenho neste momento uma obra em desenvolvimento onde só me faz sentido quer pela história quer pelas personagens fazer um híbrido, e fico na dúvida não só em como apresentá-la a possível financiamento como a eventual avaliação de um júri formatado para uma só categoria! E a "Conto do Vento", foi uma curta-metragem em Animação produzida pela Kotostudios que venceu, entre vários, o MOTELx-Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa em 2011. O que na altura levantou alguma polémica por se tratar precisamente de um filme em Animação! Sei que tenho uma opinião contrária à grande maioria dos Realizadores e Produtores com quem partilho a minha vida profissional, que julgam de alguma injustiça serem avaliados numa mesma secção não só por um júri de um Festival como também pelo Público, percebo, e só meramente por uma questão de organização, concordo em que se diferencie. Mas no que toca à qualidade plástica e narrativa de um determinado conteúdo, e nos dias de hoje, a Animação não só está ao lado de qualquer conteúdo em Imagem Real, como várias vezes se sobrepõe nos mesmos aspetos, e portanto, ou os conteúdos em Imagem Real se incrementam em qualidade, para fazerem fase às exigências crescentes de um Público, ou só teremos de futuro filmes em Animação sejam eles a carvão ou em manipulação!

M.L: Tem sido premiado nos últimos anos pelas suas curtas-metragens de animação. Como é a sua relação com os prémios?
C.J: São essencialmente um reflexo de um trabalho bem feito que agradou a muita gente. É claro que me deixa muito contente esse feedback, não só pelos prémios como a presença em Festivais de renome internacional onde é sempre bom receber elogios e críticas do Público em geral. Depois os prémios guardam-se, e espera-se é que o maior prémio seja a possibilidade de continuar a desenvolver mais projetos interessantes que agradem igualmente, que sejam esses também premiados e que recomece o ciclo. E que de ciclo em ciclo se tenha a felicidade de conhecer e trabalhar com pessoas que nos ensinem a fazer e ser cada vez melhores.

M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na área da Animação?
C.J: Sobretudo disponibilidade para aprender e partilhar. O mundo da Animação é tão mais 'rico' quanto maior for a Imaginação do Animador, se conseguirmos imaginar, conseguiremos quase de certeza reproduzir o que imaginámos com as ferramentas que escolhermos. Por isso é importante saber que ferramentas existem, testá-las, brincar com elas, esticá-las, dobrá-las à nossa vontade, para que se consiga dominar e domesticar o deslumbre e aplicar o conhecimento à história que se quer contar. E a procrastinação é uma coisa terrível, mas combatível com disciplina e organização. Definir tempos para determinadas tarefas e tentar executá-las com responsabilidade. Parecem coisas que nada têm a ver com Animação, mas são os pilares para se conseguir encarar a Animação como uma carreira. E depois claro, depende sobretudo das aspirações e da possibilidade financeira. É mais provável que se consiga um maior sucesso em países como a França ou os EUA, onde a Animação é cultivada pelos Governos e pelas Empresas com Escolas e Festivais de renome internacional e onde o Público que adora Animação ajuda a construção de uma Indústria, do que em Portugal onde é sempre com muito esforço e paciência que se consegue concluir um projeto, na maior parte das vezes sem qualquer ajuda do Governo nem de Investimento Privado pois infelizmente não faz parte da Cultura do nosso País. Em suma, é bastante difícil, mas com verdadeiros amigos e muita dedicação, fica mais fácil.

M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido até agora na Animação?
C.J: É positivo sem qualquer dúvida, é a possibilidade de me puder dedicar à Animação o que mais me deixa feliz, mas ainda é um balanço relativamente pequeno! Comecei a nível profissional em 1997 e o meu primeiro filme só aconteceu em 2002. Trabalho sobretudo em publicidade e isso dá-me a possibilidade de experimentar vários estilos e misturar várias técnicas de Animação. E com os avanços tecnológicos novas portas se abrem para novas experiências e por isso sinto e sei que terei sempre muito que aprender.

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
C.J: Estou neste momento em fase de produção de duas curtas-metragens em Animação: "f*" que brinca com os géneros do Terror e da Ficção Científica numa metáfora à utilização do Poder, neste caso do e para o Mal; e "Sob Os Teus Olhos", uma paixão improvável em pleno Oceano Atlântico com o final das Invasões Francesas de 1808 como pano de fundo, numa homenagem em termos estéticos à Azulejaria Portuguesa. Em fase de pré-produção uma outra curta-metragem em Imagem Real e Animação, de tom bucólico e mágico, que abordará o tema da Passagem, da Mudança, e de Novos Ciclos.

Depois são vários os projetos, uns mais em segredo que outros, na fase de pré-produção, duas longas-metragens em Animação: "Kurika" e "Lusitana-DS"; dois espetáculos de palco com conteúdos híbridos que anunciaremos em breve; e uma série de ficção.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
C.J: Contribuir de facto para a criação de uma Indústria de Cinema em Portugal. Temos muita coisa boa: Bons profissionais; Excelentes cenários; Histórias fantásticas. Não temos é dinheiro, e que não venham alguns a dizer que se fazem bons filmes com trocos, isso contribui muito pouco para a criação de uma Indústria que se quer alimentada obviamente com Público, não só Português de Portugal que infelizmente é pouco, mas de todo e qualquer Português do Mundo, e obviamente com todos os outros que não sendo Portugueses, se identifiquem com as histórias que se contam. O Cinema em Portugal tem de começar a emigrar, levar para fora o que fazemos cá dentro, obviamente com a qualidade com que os de fora estão habituados, para que sejamos tomados a sério e apetecíveis aos grandes mercados. Só dessa forma conseguiremos retorno suficiente para alimentar condignamente melhores profissionais; para conseguir manter estruturas; e desenvolver estratégias. Há um longo caminho a ser feito nesse sentido, e eu gostava de sentir verdadeiramente que estou a segui-lo. Talvez com uma primeira Longa-Metragem.ML

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