quinta-feira, 4 de junho de 2015

Mário Lisboa entrevista... Celia Williams

Natural de Inglaterra, interessou-se pela representação quando era mais nova, e nas últimas 3 décadas tem desenvolvido um considerável percurso como atriz que passa pelo teatro, pelo cinema e pela televisão (onde entrou em produções como "Os Homens da Segurança" (RTP), "Equador" (TVI), "Morangos com Açúcar" (TVI), "Uma Família Açoreana" (RTP) e "Jardins Proibidos" (TVI). Recentemente participou na longa-metragem de terror, "Inner Ghosts", de João Alves e conta com a participação de atores como a sua filha Elizabeth Bochmann, Norman MacCallum e Amanda Booth, cuja estreia está prevista para ainda este ano. Esta entrevista foi feita no passado dia 17 de Maio.

M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
C.W: Quando eu era mais nova. Eu fui levada pelos meus pais a ver inúmeras peças, bailados e óperas. Com 6 anos de idade fiz o papel de “Maria” na peça de natividade na minha primeira escola. No regresso para casa depois da apresentação comecei a chorar (não me lembro disso, foi a minha mãe que me contou). Quando os meus pais perguntaram-me porquê, respondi: “Nunca mais vou ser a “Maria”. Isso foi a minha primeira experiência daquela depressão pós-espetáculo que entretanto já sofri tantas vezes. Acho que a minha paixão pela representação está no sangue.

M.L: Quais são as suas influências, enquanto atriz?
C.W: O meu modo de interpretar é muito natural. Há muitos atores cujo trabalho admiro muito. Estes incluem os grandes mestres clássicos como Helen Mirren, Judi Dench, Imelda Staunton, Mark Rylance, Simon Russell Beale e Vanessa Redgrave. Muitas vezes vejo uma performance excecional de um ator talvez totalmente desconhecido, mas aprendo sempre alguma coisa dele/a.

M.L: Faz teatro, cinema e televisão. Qual destes géneros que mais gosta de fazer?
C.W: Os três géneros são muito diferentes. Eu tenho feito muito teatro e é um meio que particularmente gosto, onde cada interpretação é diferente e cada público é diferente, dando reações diariamente diferentes ao que se passa no palco. Em teatro não há espaço para “Corta! Vou repetir esta cena, não gostei do que fiz”. Contudo, quando tenho estado a fazer muito teatro, anseio pelo cinema ou pela televisão novamente, e vice-versa.

M.L: Em 2011, participou na longa-metragem “A Morte de Carlos Gardel” de Solveig Nordlund e baseada no livro, com o mesmo título, da autoria de António Lobo Antunes, na qual interpretou a personagem Claudia. Que recordações guarda desse trabalho?
C.W: Foi uma experiência muito interessante e bastante desafiante, tendo em conta que tinha que encontrar emoções muito profundas com pouco tempo de preparação, por exemplo, numa cena em que o meu “filho” morre e no funeral dele. Gostei de ter o privilégio de trabalhar com Solveig Nordlund; ela teve uma ideia clara do que estava a procurar; a sua realização era perspicaz e ajudou-me bastante. É uma grande realizadora.

M.L: Como vê, atualmente, o teatro e a ficção nacional?
C.W: Há muitas coisas de grande valor e muito bem-feitas, por exemplo no Festival de Almada e outros. Mas Portugal não tem, nem nunca teve, acho eu, um grande público fiel ao teatro, como seria o caso de Londres ou Nova Iorque. É por isso, talvez, que muitas companhias e indivíduos que fazem teatro aqui optam antes por uma peça ou uma ideia que chama atenção, que procura chocar, quer pelo texto, quer pela encenação, em vez de optar por uma peça de qualidade, eventualmente mais tradicional, procurando tirar-lhe a totalidade do seu conteúdo dramático, filosófico e humano, com simplicidade e bom gosto. Não tenho nada contra o teatro experimental, de maneira nenhuma, mas acho que devia haver mais diversificação nos palcos portugueses. Sinto que a improvisação de que os atores tanto gostam, acaba geralmente por interessar mais aos próprios do que ao público, uma espécie de exercício-umbigo.

No que diz respeito à Televisão nacional, penso que a produção em Portugal tem melhorado imenso nos últimos tempos. No entanto, em relação às telenovelas, sinto que existe uma tendência de optar pelo gesto mais sensacional e mais “giro”, quase sempre afastando-se da vida real, e acabando por atingir o denominador comum mais baixo em termos de gosto e de qualidade. Recentemente, uma grande atriz, amiga minha, teve que filmar uma cena em que chorava bastante. Depois do take, o realizador disse-lhe que precisava de repetir a cena, porque enquanto chorava parecia menos bonita! Pode ser que as dificuldades financeiras sejam em grande parte responsáveis pela falta de oportunidades e daí de qualidade. Os cortes na Cultura são cada vez maiores, o trabalho é cada vez mais difícil de encontrar, e as companhias exploram cada vez mais o talento disponível. A quantidade de ofertas de trabalho apresentadas como oportunidades, mas sem, ou quase sem, pagamento é enorme; ninguém pensaria em fazer propostas desta natureza a um banqueiro ou a um advogado!

M.L: Vive em Portugal, mas nasceu em Inglaterra. O que a levou a querer viver em Portugal?
C.W: Uma logística simples. Já tinha vivido no Brasil por dois anos logo depois de casada, aprendi a falar português. Depois quisemos passar mais algum tempo noutro país antes de regressar para o Reino Unido. O meu marido encontrou emprego aqui. Uma coisa levou a outra e temos estado aqui desde então.

M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na representação?
C.W: Eu diria que deve estar totalmente louco, porque há tão pouco trabalho e quase tudo mal pago. Mas dito isto, eu compreenderia completamente qualquer pessoa que estaria seriamente interessada numa carreira na representação, tendo em conta que eu própria tenho sido louca o suficiente para prosseguir com este percurso, já lá vão mais de 30 anos.

M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido, até agora, como atriz?
C.W: Talvez seja para outros dizerem, aqueles que têm visto o meu trabalho tanto no teatro e como no ecrã!

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
C.W: A partir do mês passado a minha agenda está vazia em termos de trabalho. Acabei de fazer o papel da Amanda Wingfield em “The Glass Menagerie” de Tennessee Williams, um desafio para qualquer atriz e um trabalho que adorei. Também passei o último mês a fazer uma longa-metragem de terror como protagonista intitulada “Inner Ghosts”. Foi uma experiência intensa, um desafio enorme e um prazer inesperado.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
C.W: Há vários papéis que eu gostaria de interpretar. Talvez a peça “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” de (Edward) Albee ou “Fantasmas” de (Henrik) Ibsen, ou um dos relativamente poucos papéis interessantes para atrizes da minha idade, não me sinto preparada ainda para papéis de tipo avozinha! Gosto igualmente de papéis de comédia ou de tragédia: são géneros que ambos merecem uma dedicação completa. Sobretudo depois da minha experiência mais recente, gostaria de enfrentar mais papéis desafiantes no cinema e na televisão. Quem sabe o que é que poderá surgir? Acima de tudo, gostaria de agora, passados estes anos todos, ter umas ofertas boas, feitas com base na minha experiência e no trabalho já realizado, e não por razões mais superficiais.ML

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