segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Mário Lisboa entrevista... Conceição Queiroz

Olá. A próxima entrevista é com a jornalista da TVI Conceição Queiroz. Natural de Moçambique, interessou-se pelo jornalismo, durante a sua juventude tendo desenvolvido um respeitado e marcante percurso como jornalista que passa pela imprensa, pela rádio e pela televisão (tendo trabalhado na Televisão de Cabo Verde e atualmente trabalha na TVI) tornando-se numa das mais respeitadas e incontornáveis jornalistas do panorama televisivo português e em 2012 celebra 18 anos de carreira e ao longo da sua carreira foi premiada por vários trabalhos que fez e atualmente está a preparar o seu terceiro livro (escreveu anteriormente os livros "Serviço de Urgência" em 2007 e "Os Meninos da Jamba" em 2008). Esta entrevista foi feita por via email no passado dia 1 de Março.

M.L: Como é que surgiu o interesse pelo jornalismo?
C.Q: O jornalismo não foi nem um sonho nem um desejo. Fui estimulada. Isso fez com que passasse a estar mais atenta. Entretanto, deixaram-me entrar para a rádio da Faculdade. Senti-me seduzida. Com o passar do tempo (e entre experiências noutras áreas profissionais) percebi que era isto que queria fazer. Compreendi que o jornalismo faria parte da minha vida. E assim é.

M.L: Quais são as suas grandes influências, enquanto jornalista?
C.Q: As influências chegam sobretudo de quem faz bem o seu trabalho. Confesso que me deixo levar essencialmente pelo jornalismo literário. É nisso que acredito. Gosto da escrita de Truman Capote. Não conheço mais ninguém que escreva e descreva daquela maneira. Aliás, é ele o pai dessa forma diferente de fazer jornalismo, um estilo que Capote introduziu nos anos 60. Também leio Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer, Joan Didion e tantos outros.

M.L: Quais foram as suas anteriores experiências nesta área, antes de ir trabalhar para a televisão?
C.Q: Antes da televisão: imprensa escrita e rádio. Chegando à televisão fiz produção, fui guionista, fui assistente de realização. As produtoras são grandes escolas.

M.L: Na televisão, trabalhou na Televisão de Cabo Verde e atualmente trabalha na TVI. Que balanço faz do tempo em que está no canal?
C.Q: Todo este caminho é uma eterna aprendizagem. E não me posso esquecer que foi na TVI que me abriram as portas para a grande reportagem que tanto prazer me dá. Mas acima de tudo, estou pronta para trabalhar. Hoje (mais do que nunca) há que estar em todas as frentes. Em relação à Televisão de Cabo Verde assumir a direção de informação da estação foi dos maiores desafios profissionais.

M.L: Como vê atualmente a TVI?
C.Q: Vejo toda uma redação empenhada, vejo pessoas que dão tudo, que lutam por um trabalho de qualidade. Fazemos noitadas. Continuamos com a mesma entrega. Aliás, não existe outra maneira de nos mantermos nesta profissão. Chego a fazer 15, 16 horas por dia. As pessoas normalmente não imaginam o trabalho que está por detrás de qualquer formato televisivo.

M.L: Qual foi o trabalho que a marcou, durante o seu percurso como jornalista?
C.Q: Vários. Em Portugal, o caso dos doentes oncológicos que morrem em lista de espera é escandaloso. No interior de Moçambique, as crianças e adolescentes que todos os dias fazem horas de caminho a pé para chegar à escola. Tenho sempre presente a Urgência do (Hospital de) Santa Maria em Lisboa, aquele lugar onde se decide a vida e a morte. Também os miúdos que morrem à fome em África. Mas nada é tão violento como a mutilação genital feminina. Foi das piores coisas que vi, enquanto repórter, enquanto cidadã.

M.L: No passado dia 2 de Janeiro, foi exibida na TVI uma reportagem da sua autoria intitulada “Bastidores”, onde mostrou os bastidores da moda. Como é que surgiu a ideia de fazer esta reportagem?
C.Q: Os meus trabalhos apontam quase sempre no sentido da defesa dos direitos humanos e são reportagens que transportam uma grande carga emocional. Tenho consciência disso. O que acontece é que pelo menos uma vez por ano acabo por propor a quem estiver a coordenar a equipa, um trabalho menos pesado. Foi o que aconteceu. Sugeri a reportagem sobre os bastidores da moda e correu muito bem. Foi uma descoberta. Foi também um desafio. Sem futilidades, deu para revelar essa indústria que escapa sempre à conjuntura da crise. Incluí a alta-costura, o calçado, a cosmética. Repare que as casas estão mais baratas, mas o preço dos cremes não baixa.

M.L: Como tem sido a reação do público à reportagem até agora?
C.Q: As pessoas reagem… É um fato. Gostaram da reportagem, sim, mas sempre que agarro temáticas diferentes que fogem da linha a que o público se habituou escrevem-me a dizer que o trabalho estava bem, mas tudo aquilo pouco ou nada tem a ver comigo. Por várias vezes recebi mensagens nesse sentido: “Oh menina, tem é de fazer aquelas reportagens que nos abrem os olhos”. É interessante observar esta atenção do telespectador.

M.L: Qual foi o momento que a marcou, durante o seu percurso como jornalista?
C.Q: Tantos… A chegada a um dos maiores campos de refugiados do mundo, a responsabilidade da entrega dos donativos na Jamba Mineira, o frente-a-frente com as vítimas da mutilação genital feminina e com as mulheres que perpetuam essa prática, as mortes e as glórias a que assisti, durante a temporada pela Urgência do (Hospital de) Santa Maria, mas sobretudo a história de uma mulher que se inspirou numa reportagem que fiz sobre violência doméstica e conseguiu finalmente libertar-se, depois de quase duas décadas de maus tratos. Chorei (surpreendida), quando me disse que ganhou a força de que precisava, depois de ter visto a minha reportagem.

M.L: Como vê atualmente a Comunicação Social em Portugal?
C.Q: Chamam-lhe o 4º poder. A Comunicação Social tem um papel fundamental em qualquer parte do mundo. Sugere, influencia, pode alterar mentalidades. Carregamos uma imensa responsabilidade. Por outro lado (uma vez que acredito que a reportagem é a essência do jornalismo), vejo com atenção a indiscutível evolução do trabalho nesta área. Jornais, rádios, televisões investiram seriamente no género reportagem e os trabalhos são de grande qualidade na generalidade. É um bom sintoma.

M.L: Gostava de fazer uma carreira internacional?
C.Q: Não me importava de ser correspondente em São Paulo temporariamente. Aproveitava e fazia uma pós-graduação em jornalismo literário.

M.L: Este ano celebra 18 anos de carreira desde que começou em 1994. Que balanço faz destes 18 anos?
C.Q: O tempo passa… São 18 anos de muito trabalho. Levo uma vida corrida, mas sinto-me feliz, continuo a fazer a minha caminhada. O jornalismo representa um significativo pedaço da minha vida.

M.L: Como lida com o público que acompanha a sua carreira há vários anos?
C.Q: As pessoas são afáveis. Tento corresponder dentro da timidez que me acompanha nestas situações.

M.L: Ao longo da sua carreira foi premiada por vários trabalhos que fez. Como vê estas distinções que recebeu até agora?
C.Q: Nada se consegue sem trabalho. O prémio reconhece exatamente todo esse esforço, motiva, incentiva. Fico sempre muito grata, obviamente.

M.L: Qual foi a situação mais embaraçante que a marcou até agora, durante o seu percurso como jornalista?
C.Q: Recordo-me de não ter conseguido pôr no ar, uma reportagem sobre a morte de uma criança com cancro (ao que tudo indicava) por erro médico. Isto aconteceu pouco depois de eu ter perdido a minha mãe. Não consegui fazer esse trabalho. Fui a Grândola e regressei a Lisboa apenas com uma entrevista gravada… que nem sequer consegui terminar. A minha mãe também foi vítima de negligência médica...

M.L: Como vê atualmente Portugal e o Mundo?
C.Q: Atingimos a taxa de desemprego mais alta de sempre. É assustador. E preocupa-me saber que Portugal é o terceiro país da União Europeia com o maior número de desempregados entre jovens. É uma geração que adia sonhos, que não pode assumir responsabilidades. Estamos sufocados pelos impostos, as listas de espera nos hospitais são intermináveis, o número de pobres aumenta drasticamente, as instituições sociais estão falidas, a exclusão social é um fato e a solidão dos idosos é cada vez mais uma realidade nos grandes centros urbanos, algo a que não deveríamos voltar as costas. É o mundo às avessas. De qualquer maneira, destaco duas boas notícias no meio do caos: o Fado transformado em Património Imaterial da Humanidade e algo inédito na China: a redução do número de crimes que eram punidos com pena de morte mexendo-se assim numa constituição que era intocável desde 1979.

M.L: Qual foi a pessoa que a marcou, durante o seu percurso como jornalista?
C.Q: A Ana Leal ensinou-me a olhar para os detalhes ao longo do processo de criação da grande reportagem, algo apaixonante. A Manuela Moura Guedes deu-me a oportunidade de entrar para a informação da TVI. Também me falou (pacientemente) da especificidade da linguagem televisiva.

M.L: Qual o conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira no jornalismo?
C.Q: Disponibilidade, persistência, humildade, espírito de sacrifício…

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
C.Q: Estou a preparar o meu terceiro livro. Seria o quarto se não tivesse sido assaltada. Na altura levaram-me o (computador) portátil. O livro estava praticamente concluído e não o tinha guardado em mais lado algum.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda?
C.Q: Tanta coisa... Quero estudar literatura, quero saber mais sobre jornalismo narrativo, quero fazer uma curta-metragem, tenho vários livros por ler, vários filmes e documentários para ver. Quero viajar ainda mais. Preciso de tempo. Há tanta coisa que quero fazer…ML

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