M.L: Como é que está a correr a sua passagem por S. João da Madeira?
V.C: Está a correr bastante bem, ainda é recente, mas eu não conhecia S. João da Madeira… Acho fantástico o aproveitamento de uma antiga fábrica para o Museu da Chapelaria, parece muito interessante este ambiente de cidade industrial, uma coisa que é relativamente incomum…
M.L: Qual é a sua opinião sobre o concelho?
V.C: É uma cidade que preza pela sua originalidade e criada em função de uma atividade…
M.L: Como é que tem corrido a peça “Um, Ninguém e Cem Mil”?
V.C: Tem corrido bastante bem, nos sítios, onde temos passado. É um texto sobre a identidade, é um texto que tenta responder àquela questão que é quem somos nós ou como nos imaginamos e como nós pensamos em nós próprios…
M.L: Como é que surgiu o convite para participar na peça?
V.C: Foi o Nelson Monforte (o encenador). Veio ter comigo, queria fazer uma peça comigo… Ele é um jovem encenador, queria trabalhar com um ator mais velho (neste caso comigo) e que propôs alguns textos e entretanto nós estivemos a discutir estes textos e este texto pareceu-me o mais adequado, porque é um texto que tem a ver com a questão da identidade… É um texto sobre um banqueiro que numa certa altura despoja de tudo o que tem e o dinheiro que tem, porque acha que o dinheiro não é, exatamente, uma coisa muito positiva. E isso pareceu-me que era muito interessante, numa altura em que o país, a Europa e o Mundo estão numa crise enorme provocada pelos banqueiros e pela ganância, achei que era curioso para termos um texto sobre um homem que é banqueiro e que diz que o dinheiro não é o mais importante. Achei que era uma ironia e muito interessante.
M.L: Nesta peça interpreta Moscarda, um banqueiro que devido a um simples comentário da sua mulher vê a sua vida desmoronar-se. Como classifica esta personagem?
V.C: É uma personagem que representa muito daquilo que todos nós somos, quando nos descontrairmos um bocadinho… Todos nós temos uma tendência para tentar explicar a nossa existência, porque a vida é feita de muitas e grandes afirmações e portanto ninguém têm certezas de nada e andamos sempre todos à procura de ter uma certeza sobre alguma coisa e neste caso, este homem vai pôr tudo em questão, vai, sobretudo, pensar se eu não sou como eu me imagino, o que é que será que os outros vêem em mim… No fundo, é uma pergunta que todos nós, de alguma forma, já fizemos a nós próprios que é como é que os outros nos vêem e se isso é muito diferente daquilo que pensamos de nós ou como nós nos vemos, então, onde é que está a verdade? Eu sou aquilo que vejo no espelho ou sou aquilo que os outros vêem? E o espetáculo é sobre isso.
M.L: A peça é encenada por Nelson Monforte. Como é trabalhar com ele?
V.C: Foi estimulante, mas não foi fácil, porque são gerações muito diferentes (nós temos 20 e tal anos de diferença), portanto a maneira como se vê o mundo é outra. A maneira como eu vejo o mundo é uma maneira muito mais racional no sentido de tentar explicar o que é que nos acontece e quanto que o Nelson olha para o mundo de uma maneira mais industrial e para ele as coisas antes de terem uma razão têm uma emoção e eu, como não sou assim, isso é interessante. O espetáculo é o resultado dessa tensão entre estas duas perspetivas da vida, uma vida mais pautada pela emoção no caso dele e mais pautada pela razão no meu caso.
M.L: Como é que se sente ao fazer um monólogo?
V.C: É difícil. Os monólogos são sempre difíceis (este é o segundo monólogo que eu faço), mas, apesar de tudo, este ainda é o mais difícil que o primeiro, porque é um texto que se passa na cabeça de uma pessoa. Uma senhora disse-me uma coisa muito engraçada, quando houve o espetáculo nas Caldas da Rainha, que era: “Isto são coisas que nós pensamos à noite, antes de adormecermos”. E as coisas que nós pensamos à noite, antes de adormecermos são muito caóticas, portanto a maneira de nós olharmos para este texto é uma maneira muito caótica e esse caos que se instala na cabeça deste Moscarda faz com que seja difícil fazer o monólogo, porque eu, como ator, se me esquecer de alguma coisa do texto, de um outro tipo de texto, eu posso inventar qualquer coisa e pegar num fio lógico… Como isto é um texto caótico, eu tenho alguma dificuldade se falhar alguma coisa, tenho alguma dificuldade em colar o que se passou e o que se vai passar a seguir, porque não há uma linha lógica muito clara.
M.L: Recentemente saiu da SIC, onde exercia o cargo de consultor para a ficção nacional do canal. O que o levou a sair do canal?
V.C: Eu não gosto de fazer a mesma coisa, durante muito tempo. Eu estive 3 anos na SIC e achei que chegou o momento de mudar… Eu sou essencialmente um ator, o que eu gosto mesmo de fazer é representar e o que eu estava a fazer na SIC era um trabalho que não era bem um trabalho de ator (embora tenha feito alguns trabalhos de representação), era um trabalho que tinha muito mais a ver com o que está por detrás das câmaras. Portanto, isto foi uma coisa que fiz, durante 3 anos, gostei imenso de fazer, mas achei que chegou o momento de mudar.
M.L: Que balanço faz dos 3 anos em que esteve na SIC (o entrevistado esteve na SIC entre 2008 e 2011)?
V.C: Eu faço um balanço positivo. A primeira novela que fizemos que foi “Podia Acabar o Mundo” fez uma média de 600 mil espectadores, quando fizemos a segunda novela, o “Perfeito Coração” tínhamos uma média de 800 mil espectadores e agora com os “Laços de Sangue” (na altura em exibição na SIC) existe uma média de 1 milhão de espectadores, portanto fomos subindo de novela para novela. Além do número de espectadores, eu acho que as opiniões sobre os “Laços de Sangue” tem sido muito positivas, portanto eu acho que nestes 3 anos nós conseguimos não só subir o número de espectadores, como criar uma empatia com quem escreve sobre esta novela, portanto eu diria que é um balanço bastante positivo.
M.L: O sucesso de “Laços de Sangue” tem a ver muito com a parceria da SIC com a TV Globo.
V.C: Sim, tem. Não tem muito, mas tem a ver. A contribuição da Globo foi essencial. A Globo faz novelas há 50 anos, nós fazemos há 20 (desde 1992 em termos de produção contínua)… Este tipo de coisas, se nós não continuamos a fazer, não conseguimos corrigir os erros, portanto eu acho que a Globo faz há muito mais tempo e tem um know-how muito consolidável… Eu adorei trabalhar com a Globo, gostei imenso de trabalhar com eles, aprendi imensas coisas com eles e acho que a parceria com a SIC é muito positiva na medida em que se consiga fazer uma coisa que ninguém estava à espera que é fazer os “Laços de Sangue” que, embora tenha o apoio da Globo, é uma novela profundamente portuguesa.
M.L: Como é que surgiu o interesse pela representação?
V.C: Foi por acaso. Eu nunca tinha pensado ser ator. Preparava-me para ter uma vida normal como funcionário público ou uma coisa assim do género… Eu trabalhei no Ministério das Finanças na altura do 25 de Abril… Depois, quando lança com a abertura para as perspetivas para o país surgiu, por acaso, a oportunidade de ser ator e foi tudo por acaso… Foi preciso um ator para fazer uma pequena figuração, era um miúdo (na altura tinha 21 anos), eles escolheram-me a mim e a partir daí o bichinho do teatro ficou e eu fiquei até hoje… Mas foi por acaso, não foi uma coisa que eu pensasse desde miúdo.
M.L: Faz teatro, cinema e televisão. Qual destes géneros que lhe dá mais gosto de fazer?
V.C: O que gosto mais de fazer é teatro. Por uma razão muito simples: é que o teatro tem uma coisa que não existe na televisão e no cinema que é o contato direto com o público… É uma coisa física, as pessoas estão ali, nós estamos a senti-las, estamos quase a cheira-las, portanto é uma coisa muito física ao passo que a televisão e o cinema também têm o seu interesse, eu gosto de fazer, mas, para mim, o teatro tem um encanto que mais nada tem.
M.L: Qual foi o trabalho num destes géneros que o marcou, durante o seu percurso como ator?
V.C: Eu acho que as peças que mais me marcaram até hoje foram: “A Rua” que fiz em 1988, era uma peça de um autor inglês chamado Jim Cartwright, foi no Teatro Aberto e foi uma peça que me marcou imenso. Outra peça que me marcou muito foi o outro monólogo que eu fiz chamado “Vincent” que era sobre o Vincent van Gogh. Há um outro espetáculo que também me marcou muito que foi “O Verdadeiro Oeste” que era uma peça de Sam Shepard, que eu fiz com o José Pedro Gomes e encenado pelo António Feio e ultimamente, a peça que me marcou muito foi “O Camareiro” com o Ruy de Carvalho, com quem queria há muitos anos fazer uma peça de teatro e adorei fazer o espetáculo, foi uma peça que correu muito bem. Em cinema, foi um filme chamado “A Esperança Está Onde Menos Se Espera” (2009) do Joaquim Leitão. Foi o filme que mais gostei de fazer nestes últimos tempos.
M.L: Desde a versão original da telenovela “Vila Faia” (RTP) que é uma presença regular nas telenovelas. Este é o género televisivo que mais gosta de fazer?
V.C: Não é o que eu mais gosto de fazer, mas é o género televisivo que mais existe. Nós não temos orçamentos para fazer séries ou temos muito poucos… Desde (19) 77 (foi a primeira vez que eu fiz uma peça na televisão) até (19) 92 (quando foram lançados os canais privados), fiz muita coisa na RTP, fiz peças e fiz séries… Depois, a partir de (19) 92 (quando vieram os canais privados), desapareceram as peças, desapareceram as séries (embora não tenham desaparecido completamente) e começaram as novelas. Portanto, eu não posso dizer que é o género que eu gosto mais, mas é aquele em que tenho participado mais, porque é aquele que mais existe.
M.L: Como lida com a carga horária, quando grava uma telenovela?
V.C: Eu não tenho grandes problemas em trabalhar 10, 11 horas por dia. Faço parte daquele grupo de portugueses que trabalha naquilo que gosta.
M.L: Um dos seus trabalhos mais marcantes em televisão foi a telenovela “Roseira Brava” (RTP), onde interpretou o vilão Manolo. Que recordações guarda desse trabalho?
V.C: Eu guardo recordações fantásticas. Foi um período da minha vida bastante divertido e sobretudo, a personagem permitia-me uma coisa que eu gosto de ter como ator que é ter liberdade para propor coisas aos realizadores… Os realizadores e os diretores deixavam-me fazer coisas que não estavam previstas…
M.L: Durante o seu percurso como ator também foi encenador, produtor, guionista, diretor de atores, escritor e apresentador. Qual destas funções em que se sente melhor?
V.C: O que eu gosto mais de fazer é representar. Depois, a seguir, o que gosto mais de fazer é escrever. Publiquei um romance e estou a escrever um segundo… Digamos que estas duas coisas (a representação e a escrita) são as coisas que eu faço mesmo por gosto absoluto… As outras coisas são coisas que eu faço mais por dever… Tenho produzido, tenho dirigido atores, tenho dirigido empresas, tenho dirigido espetáculos, mas não porque acho isso o meu gozo muito especial, mas porque há pessoas que acreditam em mim e que acham que eu posso fazer isso… Portanto, eu tento corresponder a essa expectativa, mas não são coisas que eu faça por prazer.
M.L: Foi também diretor-geral da NBP (atual Plural), durante três anos fazendo parte do grupo que criou a indústria da ficção nacional. Que recordações guarda do tempo em que esteve no cargo?
V.C: É engraçado, porque nunca me passou pela cabeça nos três anos em que estive lá que aquilo teria o resultado que acabou por ter. É verdade que eu faço parte de um grupo de pessoas que colaborou para a criação de uma indústria de ficção em Portugal. Houve um fim-de-semana em que eu estive retirado juntamente com outras pessoas (com o Presidente do Conselho de Administração da NBP na altura (António Parente), com o João Pedro Lopes e com o Pedro Miranda). Estivemos os 4 num fim-de-semana em retiro a pensar em várias coisas e foi nesse fim-de-semana que surgiram várias ideias que depois viriam a dar resultados: a criação de grandes estruturas como a Casa da Criação (que foi inventada nesse fim-de-semana)… Quase todas as diretrizes que nós seguimos, depois nos anos a seguir, entre (19) 96 e (19) 97 até 2001, surgiram nesse fim-de-semana.
M.L: O que o levou a aceitar o cargo na altura?
V.C: Eu penso muito nas coisas, antes de as aceitar. Não houve nenhuma razão especial. Eu achava que tinha feito algumas coisas para trás que não tinham a ver com o trabalho de ator, que eram coisas de bastidores, digamos assim… Tinha dirigido atores, tinha dirigido projetos, são coisas que eu gosto de fazer, mas gosto de as fazer pontualmente… Eu não fui logo convidado para ser diretor-geral, era para dirigir atores, dirigi atores em 3 novelas, depois é que me convidaram para ser diretor-geral.
M.L: Qual foi o momento que mais o marcou, durante o seu percurso como ator?
V.C: Vários. Houve momentos que me marcaram de um modo positivo e momentos que me marcaram de um modo negativo, mas sou daquelas pessoas em que a vida só se desenvolve a partir das ruturas, nunca a partir dos compromissos… Portanto, acho que em todos os momentos em que eu tive críticas más, em que eu tive experiências más, coisas que não correram bem, foram os momentos em que mais aprendi… Eu sou um ator que quanto mais inseguro estou, mais me esforço e portanto, as coisas que não correram melhor foram as coisas em que eu estava mais inseguro.
M.L: Como vê atualmente o teatro e a ficção nacional?
V.C: Eu acho que a ficção televisiva está a evoluir de um modo positivo, embora haja muita coisa para fazer. Acho que evoluiu de um modo positivo. Em relação ao teatro, já não acho assim. Acho que o nosso teatro precisa de uma espécie de sobressalto, acho que o nosso teatro é de muita qualidade… Temos bons atores, temos bons autores, temos bons produtores, temos alguns princípios éticos e filosóficos menos interessantes ou seja, eu acho que faz falta ao teatro português, um teatro comercial de qualidade ou seja todo o nosso teatro é maioritariamente um teatro subsidiado. Eu acho que isso não é mau, mas não é bom que não haja um tipo de teatro meramente empresarial, eu acho que o que nos falta ao teatro em Portugal é um tipo de teatro de iniciativa empresarial.
M.L: Gostava de ter feito uma carreira internacional?
V.C: Quem não gostava? Não há nenhum ator ou pessoa ou profissional em qualquer área que viva num país pequeno com a dimensão de Portugal que queira fazer uma carreira internacional…
M.L: Qual foi a personalidade da representação que o marcou, durante o seu percurso como ator?
V.C: Houve vários colegas, mas eu destacaria três: o primeiro é o Robert DeNiro, com quem eu nunca trabalhei, eu considero-o como colega por afinidade, eu fui muito influenciado pelo Robert DeNiro, durante muitos anos, depois é o João Perry, um ator que admiro muito e que influenciou-me muito, sobretudo, quando vim da Escola de Estrasburgo, a partir dos anos 80, alguns anos em que foi muito importante, a influência dele em mim e mais tarde, o Ruy de Carvalho que é um ator que admiro imenso, por quem tenho uma admiração e ternura enorme e que é um ator que eu acho que tem características únicas no mundo e que é um ator que ainda hoje me inspira, o que me dá a vontade de ver como é que ele faz…
M.L: Que balanço faz da sua carreira?
V.C: Eu acho que é um balanço fantástico, porque há um fator na vida dos atores que ninguém controla que é: independentemente do trabalho que se têm, da capacidade de trabalho, da dedicação, da seriedade, do rigor, independentemente disso tudo, há um dado tremendo que é a sorte… Ninguém sabe explicar, porque é que uma determinada pessoa tem sorte e a outra não tem… Eu tive muita sorte, sou muito agradecido aos Deuses, sou muito agradecido ao país e o balanço que eu faço é um balanço de agradecimento, portanto eu acho que tive muita sorte, durante a minha carreira. Acho que é um balanço positivo que eu faço nesse sentido, há colegas meus que têm tanto ou mais capacidade do que eu e que não tiveram a sorte que eu tive, portanto eu acho que, nesse ponto de vista, sou muito agradecido e reconheço que a sorte é uma dávida que eu tenho nesta profissão.
M.L: Se não fosse o Virgílio Castelo, qual era o ator que gostava de ter sido?
V.C: O Robert DeNiro.ML
Mário Lisboa, você fez uma pergunta a esse grande actor que era aquela (pode ser que um dia tenha o privilégio de o conhecer e falar sobre isso) que eu nunca vi em muitas entrevistas que foram feitas a Virgílio Castelo: "Um dos seus trabalhos mais marcantes em televisão foi a telenovela “Roseira Brava” (RTP), onde interpretou o vilão Manolo. Que recordações guarda desse trabalho?"
ResponderEliminarFoi muito bom ouvir o feedback sobre a personagem que para mim não só foi o melhor papel da carreira do actor, como foi o vilão mais carismático dos anos 90.
Sr Virgílio Castelo, eu não sei se verá isto mas se ver, eu sei que poderá ser exagerado dizer que o "Manolo" foi o seu melhor papel na sua carreira de actor tendo em conta as inúmeras (excelentes)interpretações que já fez..Mas essa actuação na Roseira Brava que parece banal demonstra todo o talento que possui na representação da personagem. É notório que teve prazer em fazê-lo bem como as improvisações que fazia em muitas das cenas. Muito bom mesmo. Nota-se a diferença em relação a outros papeis em que fazia de "bom", "herói" em que desempenhava muito bem mas bastante mais limitado. Parabens!
Muitos parabéns por esta excelente entrevista, Mário Lisboa. O Virgílio Castelo é um excelente actor de grande nível. Uma das melhores características que este actor possui é o facto de ser bastante versátil, já desempenhou diversos papéis completamente diferentes uns dos outros.
ResponderEliminarUm desses vários personagens que já desempenhou foi o " Manolo da Purificação" na novela "Roseira Brava". Esse papel tão carismático que interpretou com grande perfeição, fica para sempre guardado na memória das pessoas, porque foi realmente uma interpretação irrepreensível. Virgílio Castelo viveu "Manolo" com um realismo extraordinário. Mais uma vez muitos parabéns por esta entrevista fabulosa.