domingo, 26 de outubro de 2014

Mário Lisboa entrevista... Carla Maia de Almeida

Natural de Matosinhos, desde muito cedo que se interessou pela escrita, e tem desenvolvido um percurso como escritora que passa, essencialmente, pela literatura infantil. Além da escrita, também é jornalista, e em 2013 estreou-se na literatura juvenil com "Irmão Lobo" que conta a história de uma família obrigada a mudar de vida e também de uma viagem por um país que se desmorona e foi geralmente bem-recebido na altura do seu lançamento. Esta entrevista foi feita no passado dia 7 de Outubro.

M.L: Quando surgiu o interesse pela escrita?
C.M.D.A: O interesse pela escrita dos outros surgiu muito cedo, desde a altura em que comecei a ler, antes da escola. E nunca mais parou, claro. Demorei muito tempo até considerar que poderia contar as minhas próprias histórias, feitas de histórias dos outros e do que me foi dado viver. Comigo, tudo tende a acontecer D-E-M-O-R-A-D-A-M-E-N-T-E. Gosto disso.

M.L: Quais são as suas influências nesta área?
C.M.D.A: Não sei, sinceramente... Incorporo tudo aquilo que leio e que me toca, independentemente de ser escrito «para crianças» ou não. Incorporo tudo o que vivo, sinto, ouço, vejo e lembro, acima de tudo. Depois, quando escrevo, só quero esquecer-me de quem sou e deixar que o inconsciente procure o que tem de procurar. Esse é sempre o primeiro impulso para começar a escrever. Depois, vem a parte mais racional e técnica, imprescindível, em que tento mandar o Superego às urtigas.

M.L: Qual foi o trabalho que mais a marcou, até agora, durante o seu percurso como escritora?
C.M.D.A: Claramente, o meu sexto e último livro: “Irmão Lobo”, tão bem ilustrado pelo António Jorge Gonçalves (Planeta Tangerina, 2013). Vivi mais de um ano com ele na cabeça e depois escrevi-o durante um Verão duríssimo, em que me só apetecia estar na praia... Mas sabia que o tinha de escrever, porque senão desaparecia. Não é um livro para crianças. É para adolescentes e adultos, acho eu. Algumas crianças têm gostado, dizem-me, mas eu acho um bocado violento. Elas lá sabem.   

M.L: Além da escrita, também é jornalista. Em qual destas funções em que se sente melhor?
C.M.D.A: Raramente me sinto jornalista, até porque já se faz pouco jornalismo. Eu escolhi o «jornalismo cultural», que é de todos o menos valorizado, ainda por cima. De qualquer modo, nunca gostei do frisson jornalístico: a pressão do tempo, a confusão das redações, os cafés no corredor e as tricas, ter de fazer trabalhos sem interesse algum, receber ordens «superioras»... Não gosto disso e nunca me adaptei; tenho uma má relação com a autoridade. Na escola secundária, escolhi jornalismo porque tive uma professora com muita pinta, jornalista da TSF, que me disse que eu tinha uma «escrita desenvolta». E também porque era um bocado bicho-do-mato e, inconscientemente, sabia que me iria fazer bem cair no meio da arena e ter de me desenvencilhar. Melhor e pior, assim o fiz.

M.L: Como vê, atualmente, a Cultura em Portugal?
C.M.D.A: A Cultura em Portugal, atualmente. Portugal, atualmente, a Cultura. Atualmente, Portugal e a Cultura. Por muitas voltas que se dê, andamos sempre às voltas. A Cultura não interessa ao poder político e financeiro, a não ser quando lhes toca a receber louros. À parte disso, há sempre gente que não se conforma e tenta fazer qualquer coisa que saia da alma. É o que nos vale. A resistência à pequenez de meia dúzia de insurretos. 

M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na área da escrita?
C.M.D.A: A escrita não é uma carreira. Nem sei bem o que é. Uma forma de arte? Uma escolha? Uma espécie de maldição em que não escrever é que é ter alta (parafraseando Fernando Pessoa)? Enfim, eu diria que primeiro é preciso ler muito, ler os mestres. Depois, procurar uma voz, abeirar-se da sua alma, debruçar-se na escuridão interior. Arriscar, tentar, falhar, recomeçar, pôr-se sempre em causa. Não saltar etapas. Não ligar muito a críticas nem a elogios. Ser coerente. Não esperar nada e dar tudo. É mais ou menos como estar-se apaixonado. Às vezes, lixamo-nos. Ninguém disse que ia ser fácil. 

M.L: Que balanço faz do percurso que tem feito, até agora, como escritora?
C.M.D.A: Positivo. Evolutivo. Grato.

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
C.M.D.A: Ainda este ano, vai sair uma biografia da Ana de Castro Osório ilustrada pela Marta Monteiro, na editora Pato Lógico. Estou a escrever um novo picture book para a Caminho, após dois anos de ausência por razões editoriais. E assim que o acabar, vou escrever o sucessor do “Irmão Lobo”, que está já a ferver na minha cabeça e a pedir para ser escrito. Vamos lá ver como me saio. 

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
C.M.D.A: Gostava de ganhar dinheiro suficiente para comprar uma casa de madeira na ilha Sul da Nova Zelândia e passar lá metade do ano. A escrever e a tosquiar ovelhas.ML

Fotografia: Paulo Sousa Coelho

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