sábado, 20 de outubro de 2012

Mário Lisboa entrevista... Sara Rodi

Olá. A próxima entrevista é com a escritora Sara Rodi. Desde muito cedo que se interessou pela escrita tendo em 2000 lançado (aos 22 anos) os seus dois primeiros livros intitulados "A Sombra dos Anjos" e "Frio" (que foi reeditado em 2011 pela sua editora O Livro da Minha Vida) e desde aí desenvolveu um percurso como escritora que passa pela literatura, pelo guionismo (da qual escreveu produções televisivas como "Ganância" (SIC), "O Olhar da Serpente" (SIC), "Queridas Feras" (TVI), "Morangos com Açúcar" (TVI), "Mundo Meu" (TVI), "Floribella" (SIC), "Vingança" (SIC), "Resistirei" (SIC) e "Maternidade" (RTP), pela dramaturgia e pelo jornalismo e em 2007 fundou juntamente com a arquiteta Ana Correia Tavares, a editora O Livro da Minha Vida (onde desempenha a função de Diretora de Conteúdos) que é uma editora dedicada à publicação de biografias personalizadas com edições limitadas e recentemente lançou a coleção literária "Portal do Tempo" que escreveu juntamente com Vera Sacramento cuja a adaptação para televisão vai estrear brevemente na TVI e a biografia "D. Estefânia-Um Trágico Amor" sobre D. Estefânia Hohenzollern-Sigmaringen que foi rainha de Portugal até à sua morte aos 22 anos e foi deixado um hospital com o seu nome: o Hospital D. Estefânia em Lisboa. Esta entrevista foi feita no dia 20 de Outubro.


M.L: Como é que surgiu o interesse pela escrita? 
S.R: Quando tinha 6 anos resolvi escrever uma história a partir de um sonho que tinha tido. Foi com a ajuda da minha mãe que fez comigo um pequeno livro para oferecer à minha professora. Foi uma experiência que me entusiasmou muito e a partir daí nunca mais parei de escrever: diários, contos, peças de teatro, poesia... Aos 20 anos resolvi abraçar um desafio maior e escrever um romance. Aproveitei as férias de Verão e em vez de um romance escrevi dois. Soube entretanto de uma editora (a Contemporânea Editores) que andava à procura de novos autores. Enviei para lá os meus manuscritos e eles resolveram publica-los (“A Sombra dos Anjos” e “Frio”). Foi uma grande experiência, mas que infelizmente não terminou muito bem, porque a editora fechou algum tempo depois. Desapontada, acabei por enveredar por outra área que descobri entretanto: o guionismo. Tinha estudado seis meses em Barcelona (cidade com uma grande tradição de cinema) e acabei por ter várias cadeiras nessa área. Quando regressei a Portugal surgiu uma oportunidade de escrever a primeira novela da SIC chamada “Ganância”. Trabalhei com a autora brasileira Lúcia Abreu e depois com o Francisco Nicholson que considero o meu grande padrinho de profissão. Nos dez anos seguintes estive envolvida em cerca de 11 novelas e 7 ou 8 séries... foram anos de um trabalho muito intensivo e absorvente, mas que foram também uma grande escola para tudo o mais que tenho vindo a fazer. Neste período de tempo surgiu a possibilidade de fazer um livro a partir de uma novela (“O Olhar da Serpente” (SIC) que escrevi com a Felícia Cabrita. Foi o meu regresso aos livros na altura com o editor Alexandre Vasconcelos e Sá (que recentemente fundou uma nova editora de nome Divina Comédia) que começou a desafiar-me para trabalhos de ghostwriting que consistem em escrever livros para outros autores que têm histórias para contar ou conhecimentos para transmitir, mas não são escritores. Estes trabalhos foram e são (porque ainda os faço) experiências muito interessantes, onde eu entro na pele desses autores e tento escrever de uma forma com a qual eles se identifiquem, aprendendo com eles os mais diversos conhecimentos e perspetivas de vida. Surgiu depois a oportunidade de escrever livros infanto-juvenis a partir das séries “Morangos com Açúcar” (TVI) e mais tarde da “Floribella” (SIC) nas quais trabalhei. Sentia-me cada vez mais à-vontade no mundo dos livros e sabia que era por aí que deveria seguir. Foi então que em 2005 criei uma coleção infantil com a minha grande amiga e ilustradora Cristiana Resina. Batemos a várias portas e chegamos à fala com o editor infanto-juvenil da ASA (que hoje pertence ao grupo Leya) Vítor Silva Mota. Assim nasceu a coleção “Clássicos a Brincar” que começamos a levar a escolas e bibliotecas de todo o país. Esta coleção tem 5 títulos editados e nasceram entretanto outras coleções como “Maria & Sebastião” (4 livros editados), “Leo, o Menino do Circo” (7 livros editados e 4 de atividades) e mais recentemente para a editora Objectiva, a coleção “Portal do Tempo” escrita em parceria com a Vera Sacramento. Esta última coleção (juvenil) tem vindo a ser adaptada para televisão pela TVI e a série estreará muito em breve ao fim-de-semana. Entretanto e porque o ritmo da televisão se coadunava cada vez menos com a minha vida familiar (hoje tenho quatro filhos) pensei em criar um projeto meu, ligado aos livros. E assim nasceu O Livro da Minha Vida que dava a possibilidade a qualquer pessoa, empresa, entidade de ter a sua história transformada em livro numa edição limitada. Desafiei a Ana Correia Tavares (que era uma arquiteta) a entrar comigo neste projeto e a fazer o design dos livros. Inicialmente foi complicado, porque era uma ideia inovadora, tivemos que inventar fórmulas e formas de trabalhar, mas felizmente começamos a perceber que havia uma série de pessoas interessadas em ter o seu livro com a sua história, para partilhar com amigos, descendentes, colegas, clientes... E a verdade é que (em quatro anos) já fizemos perto de 200 livros. Para além destes, relancei em 2011 um dos meus primeiros romances (“Frio” pela editora LIMIVI) e também (mais recentemente) um romance histórico (“D. Estefânia-Um Trágico Amor” pela Esfera dos Livros).


M.L: Qual foi o trabalho que a marcou, durante o seu percurso como escritora? 
S.R: É difícil responder, porque cada livro tem marcado um momento diferente, mas sempre especial da minha vida. Os livros são filhos. É impossível dizermos que gostamos mais de uns do que outros, porque são todos diferentes e temos uma ligação própria com cada um deles.


M.L: Além da literatura também teve experiências como guionista, dramaturga e jornalista. Qual destas funções em que se sente melhor?
S.R: No jornalismo e na dramaturgia tive experiências pequenas. Gostaria muito de voltar a investir nesta última área que me agrada bastante. Mas não há dúvida de que (devido à minha experiência profissional) as áreas em que me sinto mais confortável são as do guionismo e literatura.

M.L: Um dos seus trabalhos mais marcantes, enquanto guionista foi a telenovela “O Olhar da Serpente” (SIC) da autoria de Francisco Nicholson e da jornalista Felícia Cabrita, com quem escreveu o livro com o mesmo título. Que recordações guarda desse trabalho?
S.R: Foi muito interessante. A “Ganância” (que antecedeu “O Olhar da Serpente”) passou por bastantes percalços inclusive a mudança de autor. Também foi a minha primeira novela e tinha muito a aprender. 
Em “O Olhar da Serpente” já estava com outra segurança e o projeto foi desenvolvido de raiz com o Francisco Nicholson (autor), a Vera Sacramento (hoje Diretora de Conteúdos da Coral Europa) e a Lúcia Feitosa (que continua ligada à Plural) que escreveram a novela comigo. O Francisco Nicholson foi um grande mentor (para mim) pelos seus rasgos criativos e também pela sua forma de encarar a vida que a mim me diz muito.

M.L: Qual foi o momento que mais a marcou, durante o seu percurso como escritora?
S.R: Talvez o lançamento do meu primeiro livro na Fnac do Chiado. Tinha 22 anos, era muito inexperiente, mas foi um momento muito marcante em que senti que ia de fato abraçar o meu sonho de criança e ser escritora.

M.L: Como vê atualmente a Cultura em Portugal?
S.R: É inegável que tem havido um desinvestimento em virtude da crise que está instalada, mas uma crise não se ultrapassa sem um investimento no ser humano e esse investimento tem de passar pela cultura. O Estado tem essa responsabilidade (naturalmente), mas todos nós (individualmente) também a temos, quer no fomento da nossa própria cultura, como no fomento da cultura nas gerações mais novas. É importante que as crianças de hoje em dia entendam a importância da cultura para que um dia a valorizem mais do que as gerações atuais. Penso que está a ser feito um trabalho muito interessante a esse nível, nas escolas, através de professores empenhados que têm sabido colocar os recursos que têm ao dispor dos alunos. Nunca como antes as escolas tiveram bibliotecas tão equipadas, visitas de escritores, acesso a informação, aulas de música, dança, expressão dramática, visitas a teatros e outros espetáculos... Os alunos beneficiarão com isso e, em última instância, todos nós, porque esta nova geração irá dar mais valor à cultura, é a minha convicção. E, consequentemente, será também uma geração mais criativa, o que se refletirá no mercado de trabalho a vários níveis.

M.L: Gostava de fazer uma carreira internacional?
S.R: Portugal é um mercado muito pequeno, portanto com certeza que gostaria que as minhas histórias não tivessem fronteiras… Um dos meus sonhos é que um livro meu fosse transformado num filme com projeção internacional. É uma grande ousadia, mas sonhar é importante, para renovarmos os nossos objetivos todos os dias e trabalharmos para eles.

M.L: Também é Diretora de Conteúdos da editora O Livro da Minha Vida que fundou juntamente com a arquiteta Ana Correia Tavares em 2007. Que balanço faz do percurso que a editora fez até agora?
S.R: É muito gratificante, por um lado, porque é sempre uma emoção para quem requisita os nossos serviços ver a sua história transformada em livro e partilhada com aqueles que mais preza. Por outro lado, parece-me uma tarefa muito importante, porque estamos a deixar para o futuro um conjunto de histórias pessoais que refletem o que foi e é Portugal neste século. Temos recolhido histórias de pessoas com 80 e 90 anos que falam de um Portugal que já não existe e que as novas gerações nem imaginam que existiu. É importante deixar estas histórias registadas e o livro continua a ser a melhor forma de as perenizar.

M.L: Qual foi a personalidade da Cultura que a marcou, durante o seu percurso como escritora?
S.R: Em primeiro lugar foi uma pessoa chamada Eduardo Prado Coelho que foi o meu professor na faculdade. Foi a primeira pessoa que leu “A Sombra dos Anjos” e que me incentivou a envia-lo para as editoras. Nessa altura, o livro chamava-se “Anjo Negro”, mas como já existia um livro com esse mesmo nome (de Antonio Tabucchi), foi Eduardo Prado Coelho quem sugeriu o nome que depois ficou. Também me marcou muito a Luísa Mellid-Franco, que fez a primeira crítica aos meus livros, no Expresso e o Carlos Pinto Coelho que leu por acaso os meus livros e me convidou para programa “Acontece” (RTP2) como escritora-revelação. Tenho também que voltar a referir o Francisco Nicholson (pelas razões que já enunciei) e mais recentemente os meus editores (Alexandre Vasconcelos e Sá, Vítor Silva Mota e Sofia Monteiro). Estou muito grata a todos eles pelo incentivo e “empurrão” que me foram dando ao longo destes anos.

M.L: Que balanço faz da sua carreira?
S.R: Acho que ainda é um bocadinho cedo para olhar para trás. Por enquanto, estou na fase de olhar para a frente, de querer ter cada vez mais desafios e mais e mais e mais. Sou uma sonhadora por natureza e uma lutadora por opção. Já cometi muitos erros, como toda a gente, mas entre caminhos errados acho que tenho vindo a descobrir os meus e há que seguir em frente sem olhar para trás.

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
S.R: No decorrer do próximo ano (2012/2013) conto lançar alguns livros, juvenis e romances que pretendo levar também a escolas e bibliotecas. Irei também continuar a desenvolver projetos n’O Livro da Minha Vida e conto também abraçar alguns desafios na área da dramaturgia que estão a ser desenhados neste momento e que espero que vão avante.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda?
S.R: Escrever para cinema é um desafio que ainda gostava de abraçar. Gostava de transformar uma história minha num filme e dar corpo a mais um conjunto de histórias que imagino no grande ecrã. Também gostava muito que um livro meu infantil se transforme num musical. Estarei igualmente a trabalhar para isso, durante este ano.

M.L: Se não fosse a Sara Rodi, qual era a escritora que gostava de ter sido?
S.R: É uma pergunta complicada. Sou fã incondicional de José Saramago e, se me perguntassem com quem gostaria de me assemelhar, ao nível da escrita, seria naturalmente com ele, por mais ousado que isso possa parecer. Tive a oportunidade de o conhecer e de falar com ele em duas ocasiões e identifico-me totalmente com um conjunto de reflexões que ele faz, sobre o homem e sobre a vida. A forma como o coloca depois em livro também sempre me fascinou. Não tenho um estilo próximo do dele, nem sei se algum dia me aproximarei, sequer, em termos de qualidade literária. Mas sem dúvida que ele é uma das minhas grandes referências.ML

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