terça-feira, 29 de julho de 2014

Mário Lisboa entrevista... Francisco Moita Flores

Olá. A próxima entrevista é com o escritor Francisco Moita Flores. Marido da atriz Filomena Gonçalves, desde muito cedo que se interessou pela escrita, tornando-se num dos mais aclamados e acarinhados escritores em Portugal, com um notável percurso na área que passa pela literatura, pelo teatro, pelo cinema e pela televisão (onde escreveu produções como "Desencontros" (RTP), "Polícias" (RTP), "Filhos do Vento" (RTP), "Ballet Rose-Vidas Proibidas" (RTP), "Esquadra de Polícia" (RTP), "A Raia dos Medos" (RTP), "Capitão Roby" (SIC), "Alves dos Reis" (RTP), "O Processo dos Távoras" (RTP), "Lusitana Paixão" (RTP), "A Ferreirinha" (RTP), "João Semana" (RTP) e "O Bairro" (TVI). Além da escrita, também tem experiência como polícia e como político, e, recentemente, escreveu o livro "Segredos de Amor e Sangue" sobre o célebre criminoso espanhol Diogo Alves que atuou na Lisboa do Século XIX e ficou conhecido como o Assassino do Aqueduto das Águas Livres. Esta entrevista foi feita no passado dia 22 de Julho.

M.L: Quando surgiu o interesse pela escrita?
F.M.F: Desde muito novo. O meu primeiro trabalho foi uma peça de teatro, escrita aos 18 anos, para a récita de finalistas do liceu que frequentava. Fui muito influenciado pelo meu professor de Português que me acompanhou durante três anos, naquilo que é hoje o 7º, 8º e 9º ano e depois, já sem me dar aulas, continuou a estimular o meu apreço pela leitura e pela escrita.

M.L: Quais são as suas influências, enquanto escritor?
F.M.F: Não sei se gostar de alguns autores condicionou a minha forma de contar histórias. No que respeita à carpintaria dramática sou claramente influenciado por (William) Shakespeare, o autor de teatro que mais tocou, e toca, a minha sensibilidade. Porém, sou filho de muitos pais e de muitas mães. Fui tocado pela ironia cínica de Eça (de Queiroz), pela paixão de (Almeida) Garrett, pela estética de António Vieira, pelo génio de (Miguel) Torga e de Sophia (de Mello Breyner Andresen), pela dureza de Soeiro Pereira Gomes e de Jorge Amado, pela sátira de Bocage, pelo olhar superior de Antero (de Quental) e de (Fernando) Pessoa. Enfim, uma galeria de santos laicos que habitam a minha memória mais viva.

M.L: Escreve, essencialmente, para literatura e para televisão. Qual destes géneros que mais gosta de escrever?
F.M.F: É verdade que o romance e a televisão (séries) são a parte mais significativa da minha obra. Porém, escrevi cinco filmes e quatro peças de teatro. Neste momento estou motivado para o romance. Escrevo com maior liberdade e menos auto-censura. Porém, tudo é uma questão de técnica narrativa e gosto das duas técnicas. A finalidade é sempre a mesma: contar histórias.

M.L: Qual foi o trabalho que mais o marcou, até agora, durante o seu percurso como escritor?
F.M.F: Pessoalmente, aquele que mais me marcou foi uma série que escrevi para a RTP chamada “A Raia dos Medos”. Contava a história da Guerra Civil de Espanha vista pelos olhos dos portugueses raianos. O sofrimento e aflição de uma Espanha dilacerada pela guerra fratricida. Ora acontece que eu sou originário da raia. Sou de Moura e tenho família de Barrancos. Recolhi testemunhos dessa época, estudei com putos filhos de espanhóis que tinham fugido da guerra, vivi a minha infância ainda sobre a ressaca desses terríveis acontecimentos e, na série, contei histórias de pessoas que conhecera quando era menino. Foi um grande envolvimento pessoal.

M.L: Foi coautor da série “Polícias” que foi exibida na RTP entre 1996 e 1997, na qual foi inspirada no caso do Estripador de Lisboa. Que recordações guarda desse trabalho?
F.M.F: Escrevi esse trabalho com o meu querido amigo Luís Filipe Costa. Foi um bom momento. Não só pela parceria como pelas histórias que íamos criando para acompanhar a história do Estripador. Tenho saudades desse tempo.

M.L: “Polícias” foi realizada por Jorge Paixão da Costa, com quem trabalhou várias vezes. Como foi trabalhar com ele?
F.M.F: O Jorge Paixão da Costa é um dos melhores realizadores portugueses e, seguramente, uma referência ímpar no que respeita à narrativa televisiva. Fizemos muitos trabalhos juntos. Entre muitos, destaco “A Ferreirinha” (RTP). Uma peça brilhante de televisão que deve muito ao talento de Paixão da Costa.

M.L: Além da escrita, também tem experiência como polícia e como político. Em qual destas funções em que se sente melhor?
F.M.F: Realizei os meus sonhos de criança. Queria ser detetive e escritor. A política não passou de uma experimentação que me deu algum prazer mas não me fascinou para dela, ou nela, fazer carreira. Fui detetive com um grande prazer. Agora estou reformado. Continuarei escritor porque é a minha vida e sem escrever ela deixa de fazer sentido.

M.L: Como vê, atualmente, a Cultura em Portugal?
F.M.F: No que respeita à cultura como produção criativa, vejo um Portugal mais forte do que há trinta ou quarenta anos. Mais jovens atentos e criadores em vários domínios da arte, da literatura à pintura. Da música à escultura. No que respeita ao Estado e à sua relação com a Cultura é uma tragédia. Inverteu-se a pirâmide de valores. O economicismo e o individualismo marca ideologicamente o poder, tornando a Cultura num epifenómeno mais ou menos desprezível.

M.L: Gostava de ter feito uma carreira internacional?
F.M.F: Gostaria de ter uma mais intensa carreira internacional. No entanto, tenho várias obras traduzidas em várias línguas e alguns livros, como foi o caso de “O Sangue da Honra” que foi editado primeiro em Itália e só depois em Portugal. Seja como for, qualquer criador tem uma costela narcísica que potencia o prazer na divulgação da sua obra e veria com bons olhos uma maior divulgação da minha obra.

M.L: Como lida com o público que acompanha sua carreira há vários anos?
F.M.F: Temos uma relação de proximidade. Viajo muito, faço muitas sessões de autógrafos, conferências, partilho com os meus leitores na medida das minhas possibilidades o que sentimos pelo trabalho que vou produzindo. Por exemplo, agora saiu o meu romance “Segredos de Amor e Sangue”. Em quinze dias esgotou a primeira edição de dez mil exemplares. Passou um mês desde o seu lançamento e vai na 2ª edição e eu, ao longo deste período, fiz dezoito sessões de autógrafos pelo país e tenho agendadas mais 20 até meados de Agosto. Como vê, há uma relação muito estreita com quem me lê.

M.L: É casado com atriz Filomena Gonçalves. Como vê o percurso que a sua esposa tem feito até agora?
F.M.F: A Filomena é uma das maiores atrizes da sua geração. Reconhecida pelo público e pela crítica. Fez trabalhos excecionais que ficarão na história da ficção portuguesa.

M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na área da escrita?
F.M.F: Não desistir e resistir. Quem está apaixonado não pode desistir porque não aparece o editor interessado ou porque se fecham portas repetidamente. É preciso ser humilde perante o nosso trabalho e interpelá-lo. Saber se valeu a pena, se pode ser melhorado, se efetivamente não é a obra-prima que nós julgamos que possa ser. Uma carreira como escritor constrói-se com muito trabalho, com muita persistência, passo a passo, e, acima de tudo, com uma grande paixão.

M.L: Que balanço faz do percurso que tem feito, até agora, como escritor?
F.M.F: Ainda é cedo para balanços. Tenho 61 anos. Muito trabalho já feito e muito caminho para andar. Daqui por vinte anos faremos esse balanço.

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
F.M.F: Estou a trabalhar num ensaio sobre investigação criminal e preparo um romance sobre Luísa de Gusmão a sair no próximo ano.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda?
F.M.F: Nada de especial. Tenho uma vida intensamente vivida e sinto-me como Pablo Neruda, confessando que vivi.

M.L: O que é que gostava que mudasse nesta altura da sua vida?
F.M.F: Gostava de viver num país com mais decência. Portugal está a viver dramaticamente um dos seus mais degradantes períodos e tenho muita pena de ver os meus netos a crescerem numa terra dominada por interesses mesquinhos.ML

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