sexta-feira, 11 de julho de 2014

Mário Lisboa entrevista... Lígia Roque

Olá. A próxima entrevista é com a atriz Lígia Roque. Desde muito cedo que se interessou pela representação, tendo-se estreado como atriz profissional em 1992, e desde aí tem desenvolvido um percurso que passa, essencialmente, pelo teatro. Além da representação, também é encenadora e professora, e, atualmente, participa na peça "As Ondas" de Virginia Woolf e encenada pela atriz Sara Carinhas, da qual vai ser reposta em Lisboa brevemente. Esta entrevista foi feita no passado dia 11 de Junho.

M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
L.R: Desde muito nova que me interessei pela representação. Apesar de ter sido uma aluna muito cumpridora e bem-educada, lembro-me de estar irreverentemente em cima de uma carteira a personificar, à maneira de “Charlot”, o (Adolf) Hitler. Lia os meus textos em voz alta para a turma, organizava danças e teatros para as festas do liceu. Acho que sempre quis ser bailarina e atriz.

M.L: Quais são as suas influências, enquanto atriz?
L.R: Eu sofro as minhas influências à maneira de (August) Strindberg: um pandemónio de referências das mais diversas origens e feitios. Cada encontro com outro artista, cada livro, cada peça, cada pensamento, cada acaso me desviam despudoradamente do meu caminho, do meu caráter.

M.L: Faz, essencialmente, teatro. Gostava de trabalhar mais no audiovisual (Cinema e Televisão)?
L.R: Há um tempo no teatro que me é fundamental, um relógio biológico a que me habituei, mas a vertigem da rapidez do audiovisual é muito atrativa. São maneiras de representar diferentes a partir da mesma matriz. Não me preocupa tanto onde trabalho mas como e com quem trabalho. Não gostaria nunca de estar sempre a fazer a mesma coisa, isso é a única certeza que tenho.

M.L: Qual foi o trabalho que mais a marcou, até agora, durante o seu percurso como atriz?
L.R: Eu costumo dizer que é o próximo e estou mesmo a dizer a verdade. Quanto maior ou mais complexo é o papel, mais peças tem o puzzle e mais possibilidades de jogo, mas às vezes há momentos especiais na vida de uma pessoa que tornam a quantidade de linhas de uma personagem um barômetro irrelevante. Devo dizer que gostei sempre de interpretar as minhas personagens, mesmo quando o trabalho corria mal, todas me marcaram porque todas contribuíram com as suas caraterísticas para a minha vida. Houve uma que me ensinou a rir alto, outra que me ensinou a sofrer com dignidade, outra a fugir de mim própria, outra a desejar homens e outra a matá-los. Algumas surpreenderam-me pela clareza com que falaram de mim e outras ensinaram-me a esconder coisas. E muitas tiveram colegas maravilhosos que me ensinaram que todas devam estar sempre muito bem acompanhadas.

M.L: Em 2010, participou na peça “A Gaivota” de Anton Tchékhov, com encenação de Nuno Cardoso e esteve em cena no Teatro Nacional São João no Porto. Que recordações guarda desse trabalho?
L.R: Guardo más recordações e boas recordações. As más não são para aqui chamadas, obviamente, e as boas são as que guardo de todos os espetáculos: a minha tentativa de encontrar de uma forma o mais surpreendente possível uma possibilidade ficcional de existência em cena, a construção de um puzzle criativo de ações a partir de palavras no papel, o nascimento de um “Frankenstein” a partir de pedaços de texto dos autores, do encenador, dos atores, de todos os seres com que me cruzei, enquanto a peça se construía. Guardo ainda muito boas recordações dos aquecimentos físicos e da vista para o rio.

M.L: Como vê, atualmente, o teatro e a ficção nacional?
L.R: A tentar desesperadamente existir com dignidade artística num clima de asfixia política e monetária.

M.L: Gostava de ter feito uma carreira internacional?
L.R: Apesar de ter trabalhado com artistas de outras nacionalidades e noutros países, gostava de o ter feito muito mais, embora isso continue sempre presente nas minhas expectativas de colaboração.

M.L: Este ano celebra 22 anos de carreira, desde que se estreou como atriz profissional em 1992. Que balanço faz destes 22 anos?
L.R: Tempo só o do teatro e balanço só o da dança. Foram 22 anos a acertar escolhas boas ou más e a tentar ser o mais feliz que me foi possível. E acho que consegui de um modo geral.

M.L: Além da representação, também é encenadora e professora. Em qual destas funções em que se sente melhor?
L.R: Gosto também muito de encenar e de ensinar. Como atriz sinto-me sempre mais frágil do que como encenadora, tenho muito mais dúvidas. Como professora sinto que faço um trabalho imediato mais importante. É uma trilogia que se completa: odiaria ter de optar só por uma função.

M.L: Qual o conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na representação?
L.R: Que seja sério no seu trabalho, que nunca se fique pelas primeiras impressões, que leia e procure novas formas de fazer, que treine o corpo, a voz e a alma e que procure o seu prazer e o prazer dos outros, um prazer culto, inteligente e fruidor.

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
L.R: Neste momento, interessam-me novas dramaturgias que pensem o Mundo e que pretendo encenar. Tenho um projeto para mais tarde com o João Reis, como atriz e pelo qual tenho imenso entusiasmo. Vou ainda repor em Lisboa, “As Ondas”, a partir de Virginia Woolf, encenado pela Sara Carinhas com As Causas Comuns da Cristina Carvalhal.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
L.R: Tantas coisas hoje e mais amanhã e mais depois de amanhã. É esse desejo que me faz avançar, no teatro: querer fazer o que ainda não fiz e continuar a descobrir e a imaginar coisas que ainda não fiz e que quero mesmo muito fazer.ML

Sem comentários:

Enviar um comentário