segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Mário Lisboa entrevista... Rute Moreira

Olá. A próxima entrevista é com a escritora e psicóloga Rute Moreira. O interesse pela escrita e pela psicologia surgiu, por acaso, e tem desenvolvido um percurso versátil e, segundo a própria, atípico, da qual passa, essencialmente, pela escrita (tendo escrito para teatro, televisão e literatura), pela psicologia e pela Comunicação Social, e recentemente estreou-se como apresentadora com o programa "A Verdade de Cada Um" que foi exibido na TVI. Esta entrevista foi feita, por via email, no passado dia 28 de Julho.

M.L: Quando surgiu o interesse pela escrita e pela psicologia?
R.M: O meu percurso foi, desde que me lembro, atípico. A Vida consegue sempre surpreender-me e desafiar-me, para além do que eu consigo imaginar ou planear. Acho que posso dizer que não fui eu que me interessei pela escrita ou pela psicologia. Foi ao contrário. De repente, a escrita e a psicologia interessaram-se por mim! Licenciei-me em Matemáticas Aplicadas à Investigação Operacional e Engenharia de Sistemas. Aos vinte anos, quando já estava no IST a fazer o mestrado em Engenharia de Sistemas, a vida mostrou-me, pela primeira vez, que os planos que fazemos não têm grande utilidade. De um dia para o outro, dei por mim a percorrer o país a fazer marketing político (logo eu, que nunca me tinha interessado por política). Este trabalho, que durou seis meses, foi provavelmente a formação mais transformadora e rica que tive. Do marketing político, passei para a organização e produção de eventos, onde se destacam as comemorações de Elevação de Sintra a Património Mundial e a direção de produção do Dia de Inglaterra na Expo 98. No entretanto, criei uma empresa de transformação de camiões TIR para eventos e road-shows, fiz produção musical, aprendi cinema com a produtora Rosi Burguete e fui assistente de realização. Acabei por aterrar na publicidade. Dei aulas, estudei grafologia e trabalhei em vários projetos sociais. Quando me cansei da publicidade, convidaram-me para criar os conteúdos para um programa de televisão. Sem saber ao que ia, fui. Descobri uma nova paixão. Fui coautora de vários formatos infanto-juvenis, coordenei o “Disney Kids” (SIC), durante um ano e especializei-me em conteúdos infanto-juvenis. A escrita tornou-se, sem eu dar por isso, na minha profissão. Por coincidência, ou não, integrei a equipa de escrita da revista “XIS”, com quem colaborei, regularmente, durante três anos. Fui cronista na revista “Olá Semanário!” e comecei a escrever telenovelas. Um artigo que escrevi para a “XIS” sobre a alegria, fez-me descobrir uma nova paixão: os Palhaços do Hospital. Fui ao Brasil e, numa consequência de felizes encontros, construí com um grupo de pessoas fantásticas, o projeto Operação Nariz Vermelho. Tornei-me numa especialista em palhaços e a minha função levou-me a voltar a estudar. Senti que a licenciatura em Psicologia era essencial para o meu trabalho. Uma nova aventura que se tornou numa nova paixão. Ao longo de sete anos, dediquei-me de alma e coração a este projeto. Em simultâneo, escrevi e produzi teatro ("Eu Ligo-te" foi, talvez, a peça que mais gostei de escrever). Ajudei a criar o projeto “Caras” em Angola, cuja direção editorial esteve a meu cargo, durante três anos e desenvolvi vários projetos educativos. Neste contexto escrevi um livro "Livro para saber o que as raparigas pensam" e criei a marca Caixa de Tempo com jogos pedagógicos. Sem ter planeado, transformei-me em editora. Durante este tempo, a escrita para ficção nunca parou e assinei vários projetos para todos os canais: “Louco Amor” (TVI), “Dei-te Quase Tudo” (TVI), “Cuidado com Elas (SIC), “Campeões e Detetives” (TVI), “Maka Hotel” (TV Zimbo, Angola), “Câmara Café” (RTP), “Detetive Maravilhas” (TVI), entre outros. No último ano, tenho dedicado grande parte do meu tempo, a conjugar a escrita com a psicologia, no projeto "A Verdade de Cada Um", um programa para adolescentes na TVI, onde, pela primeira vez, me apresentei à frente das câmaras. Ao nível académico, estou a preparar o meu doutoramento e, no último ano, integrei uma equipa pedagógica de intervenção social na Roménia, a convite da CE.

M.L: Quais são as suas influências nestas duas áreas?
R.M: O que me influência em qualquer uma destas áreas é a Vida. O que vivo, o que aprendo, o que me apaixona. Sou viciada em investigação e em aplicar o que estudo na vida com o objetivo de acrescentar algo de novo e útil para quem usufrui, de alguma forma, do meu trabalho.

M.L: Como escritora, escreveu para teatro, televisão e literatura. Gostava de, um dia, escrever para cinema?
R.M: Não é uma das minhas metas. Já escrevi um telefilme em parceria com o Tozé Martinho, já escrevi alguns filmes publicitários, mas não tenho especial ambição em escrever para cinema. Gosto de Histórias. Gosto de escrever Histórias que toquem as pessoas. Não faço questão que passem no cinema. 

M.L: Qual foi o trabalho que mais a marcou, tanto como escritora e como psicóloga?
R.M: Ser mãe. É o meu principal trabalho, o meu maior desafio e o que mais me faz crescer como ser humano. Educar ajuda-nos a aprender a relativizar as situações, a dar importância ao que é realmente importante e a colocar em causa as nossas crenças, aprendendo, diariamente, a olhar para as situações por outro ponto de vista. Todas estas experiências são profundamente enriquecedoras, quer na atividade, enquanto guionista, quer na atividade, enquanto psicóloga. 

M.L: Entre 2002 e 2003, escreveu, juntamente com Tozé Martinho e Ana Rita Martinho, a telenovela “Amanhecer” que foi exibida na TVI. Que recordações guarda desse trabalho?
R.M: "Amanhecer" foi a telenovela que mais gostei de escrever. Talvez por ser a primeira. Foi um trabalho de grande paixão e entusiasmo. Os últimos vinte episódios transformaram-se num grande desafio. O Tozé Martinho teve uma complicação cardíaca e foi hospitalizado. Para além da natural preocupação com a sua saúde, havia a necessidade de cumprir com os rigorosos prazos de entrega de episódios. Dadas as contingências da ocasião, tinha de ser eu a assumir o trabalho. No último mês, escrevi, sozinha, um episódio por dia. Fica para sempre, na minha memória, a responsabilidade que senti e a alegria de ter conseguido corresponder às expectativas das pessoas que confiaram em mim.

M.L: Como vê, atualmente, a Cultura e a Psicologia em Portugal?
R.M: A Cultura de um país espelha o próprio país. Na conjuntura atual, podemos olhar para a nossa Cultura como exercício de reflexão. Talento é algo que não nos falta, as novas gerações estão a propor novas formas de comunicação e de expressão mais sustentáveis e democráticas e continuamos, massivamente, a dar mostras que somos um povo que não dispensa eventos culturais. A adesão aos festivais de Verão, apesar da crise, é uma prova irrefutável disso. A Cultura está, como o país, à procura de novos paradigmas mais sólidos e sustentáveis. Acho que não sei responder à segunda parte da pergunta. Nunca olhei para a Psicologia com esta perspetiva. Para mim, a Psicologia é uma ferramenta que nos ajuda a compreender melhor os mecanismos emocionais do ser humano. Em alturas de crise as pessoas questionam-se mais e, nessa vertente, é possível que haja mais pessoas interessadas em descobrir como lidar melhor consigo próprias e com a adversidade. 

M.L: Também têm experiência na Comunicação Social. Entre a escrita, a Psicologia e a Comunicação Social, em qual destas funções em que se sente melhor?
R.M: Nunca gostei de rótulos, por achar que são redutores. A escrita, a Comunicação Social e a Psicologia têm, para mim, um denominador comum. É esse denominador comum que me move: o de contribuir, através do meu olhar e das minhas experiências, de uma forma não intrusiva, para trazer novos pontos de vista e novos paradigmas que possam ser úteis. Acredito que é através da comunicação e da troca de ideias que todos evoluímos. É esse o  propósito do meu trabalho, independentemente da forma que utilizo para o desenvolver.

M.L: Qual o conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira seja na escrita ou na psicologia?
R.M: Acredito que o que nos move, quando decidimos ingressar numa carreira, é algo muito forte e pessoal que nos faz encontrar a força necessária para não desistirmos perante a adversidade. Seja qual for a área, contando que exista uma motivação profunda e força de vontade, devemos perseguir os nossos sonhos e concretiza-los, mesmo que aos olhos dos outros, o sucesso seja improvável. A grande aprendizagem não está nos sucessos que podemos alcançar, mas sim nos obstáculos que se escondem pelo caminho.

M.L: Que balanço faz do percurso que tem feito até agora como escritora e como psicóloga?
R.M: Sou muito grata à vida em todos os aspetos. Olhando para trás, vejo nas derrotas, as melhores lições. Nos momentos difíceis, as oportunidades que tive para me tornar mais forte e nos sucessos… as oportunidades de compreender o meu sentido de vida. Quando se fala em balanço, imagino um livro de contabilidade com o "deve" de um lado e o "haver" do outro. Acho que tudo o que sou e fiz, devo às minhas paixões e às pessoas que amo e aquilo que tenho na coluna do "haver" é igual a tudo o que "devo". Em contas de merceeiro, o balanço é zero. E isso faz-me sentir muito realizada.

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
R.M: Há vinte anos, decidi trabalhar por conta própria nas áreas de comunicação e educação. É nestas áreas que centro os meus projetos. Para além dos projetos profissionais que vão surgindo e dos quais dependem o meu sustento e o da minha família, tenho em paralelo, como projeto pessoal, durante os próximos quatro anos, fazer o doutoramento.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda?
R.M: Há milhares de coisas que gostava de fazer e que ainda não fiz. Interessa-me muito a pesquisa e investigação no âmbito da Física Quântica e gostava de aprofundar os meus conhecimentos na área de forma a poder contribuir para o desenvolvimento da mesma.

M.L: O que é que gostava que mudasse nesta altura da sua vida?
R.M: Gostava de conseguir fazer o meu trabalho com mais eficácia e em menos tempo. Não quero deixar de abraçar os desafios profissionais, nem posso, por questões financeiras, ter menos trabalho. Mas gostava de ter mais tempo para me divertir e tirar partido de outros prazeres da vida.ML

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