quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Mário Lisboa entrevista... Iolanda Laranjeiro

Olá. A próxima entrevista é com a atriz Iolanda Laranjeiro. Desde muito cedo que se interessou pela representação tendo-se formado na Escola Superior de Teatro e Cinema e tem desenvolvido um percurso como atriz que passa essencialmente pelo teatro e pela televisão e além da representação também é diretora de atores (estreou-se nessa função com a telenovela "Olhos nos Olhos" que foi exibida na TVI entre 2008 e 2009 da qual partilhou essa função com Maria Henrique) e professora e recentemente fez a direção de atores em parceria com António Melo da telenovela "Louco Amor" que atualmente está em exibição na TVI. Esta entrevista foi feita por via email no passado dia 26 de Dezembro.

M.L: Como é que surgiu o interesse pela representação?
I.L: A minha família, de uma forma ou de outra, andou sempre por perto das artes. O meu avô materno esteve ligado ao mundo do espetáculo, durante muitos anos e também é uma pessoa que escreve e que, a nível local, encenou e representou algumas vezes. A minha mãe, nunca tendo enveredado por uma carreira profissional, era muito talentosa na representação, tendo tido várias experiências ao nível do teatro amador e participando, inclusivamente, num programa televisivo na década de 80, a representar. Dessa participação surgiu um convite para se profissionalizar como atriz, o que, na altura, por questões pessoais, optou por não fazer. Assim, a profissionalização na área da representação é uma demanda pessoal, mas que tem como início uma sensibilidade e proximidade artísticas que sempre existiram a nível familiar. A representar, comecei na escola secundária, com 15 anos, exatamente no momento em que, simultaneamente, fui para um curso de atores na APOIARTE-Casa do Artista.

M.L: Quais são as suas influências, enquanto atriz?
I.L: A minha descoberta da representação começa no Teatro. Comecei a ir ao Teatro em criança, com a minha família. A primeira peça que me lembro de ver foi no Teatro Aberto, tinha eu aproximadamente 10 anos. Era uma peça com a Alexandra Lencastre e o João Perry e lembro-me de ficar muito impressionada com o trabalho dos atores. Lembro-me, também, de ver representar e admirar muitíssimo a Eunice Muñoz, o Ruy de Carvalho, a Teresa Gafeira, entre outros. Depois, claro, o cinema, como todos os jovens, também me movia muito. Desde cedo comecei a admirar atores que ainda hoje são grandes referências para mim, sendo eles, entre outros: Charlie Chaplin, Buster Keaton, o Sean Penn, a Judi Dench, a Meryl Streep, o Al Pacino, o Jack Nicholson, o Roberto Benigni, a Isabelle Huppert... São vários, felizmente, os atores que me inspiram e que me fazem pensar a arte da representação.

M.L: Durante o seu percurso como atriz fez teatro e televisão, mas nunca cinema. Gostava de trabalhar neste género?
I.L: Claro que sim. Gostava muitíssimo. Tive apenas uma experiência, ainda na Escola Superior de Teatro e Cinema, participando numa curta-metragem de um colega espanhol que estava cá a fazer um ano de cinema, o Amaury Santana. Foi muito interessante e deixou muita vontade de repetir, desta feita a nível profissional. Em Portugal, o núcleo de pessoas que trabalham em cinema é bastante restrito e a produção cinematográfica, apesar de existir e cada vez com mais qualidade, está ainda longe do que aquilo a que eu gostaria de assistir. Principalmente em termos da quantidade de projetos. Neste momento, com a crescente falta de apoio à Cultura, não vislumbro uma melhoria desta situação, mas desejo profundamente que haja. Que consigamos inverter esta situação. Temos muito bons profissionais em Portugal: aqueles que já trabalham na área e muitos que ainda não tiveram essa oportunidade, mas que, a tê-la, poderão, seguramente, ajudar a firmar o nosso País no panorama do cinema europeu.

M.L: Qual foi o trabalho num destes géneros que a marcou, durante o seu percurso como atriz?
I.L: Com todas as experiências que temos aprendemos coisas e crescemos, enquanto atores e seres humanos. Mas, de repente, ocorre-me, por exemplo, um espetáculo em que fui muito feliz, enquanto atriz: o “Teatro-Clip”, do Teatro da Garagem, escrito e encenado por Carlos J. Pessoa em 2007/2008.

M.L: Além da representação também é diretora de atores e professora. Qual destas funções em que se sente melhor?
I.L: Gosto genuinamente de todas as funções que desempenho: atriz, professora ou diretora de atores. Não exerço nenhuma delas por acidente. Já na altura da minha formação, optei por uma formação que me permitisse adquirir conhecimentos e ferramentas para estas diferentes áreas. Fiz o curso de atriz da Escola Superior de Teatro e Cinema e depois segui para a Licenciatura em Teatro e Educação. Comecei a dar aulas, quando ainda estudava no Conservatório e foi do meu trabalho no ensino que passei para a direção de atores. Na altura, a Maria Henrique conheceu o meu trabalho ao nível da educação e convidou-me para trabalhar com ela. Gosto muito do que faço. Costumo dizer que, enquanto atriz, nos divertimos mais, enquanto que como Professora ou Diretora de Atores, temos do nosso lado, acima de tudo, a responsabilidade e a generosidade necessária para poder trabalhar em função dos outros. Mas aprendemos sempre, em qualquer das funções, para qualquer uma das outras.

M.L: Entre 2008 e 2009 fez a direção de atores em parceria com Maria Henrique da telenovela “Olhos nos Olhos” que foi produzida pela Plural (ex-NBP) para a TVI. Que recordações guarda desse trabalho?
I.L: Foi a minha descoberta da direção de atores, por isso será sempre especial. Aceitei o convite da Maria Henrique para trabalhar com ela e esta foi a produção em que me deparei, pela primeira vez, com a engrenagem do que é fazer televisão diariamente, por detrás das câmaras. Foi o início de um percurso que se mantém até hoje. Estou grata a todos os que me ajudaram a perceber e a integrar-me na “máquina da caixinha mágica”. Algumas das pessoas com quem trabalhei nessa produção, ainda trabalham comigo hoje. E é um prazer. Todos os dias percebo que há mais a aprender.

M.L: Qual foi o momento que mais a marcou, durante o seu percurso como atriz?
I.L: É difícil especificar isso. Como já disse antes, todas as experiências, enquanto atores, nos acrescentam alguma coisa. É como na vida. É feita de experiências e aprendizagens e todos os processos são diferentes uns dos outros e, portanto, potenciadores de evolução. A título de exemplo, refiro a primeira vez que representei fora de Portugal, em Bucareste, na Roménia, com o espetáculo que já referi antes: “Teatro-Clip”. Foi muito especial, o contato com um público muito diferente, com cultura e língua bastante diferentes, e sentir o carinho e felicidade com que o público nos recebeu. É maravilhoso sentir que o que fazemos cá é admirado e entendido por pessoas com referências e experiências tão diferentes… e é que me apaixona na Arte e no Ser Humano em geral... Independentemente dos contextos de cada um, as grandes questões existenciais e artísticas, a sensibilidade e a inteligência são universais. E o Teatro, como outras esferas artísticas, permite-nos comunicar instintivamente com qualquer pessoa, de qualquer parte do Mundo. Poderia falar de muitos outros momentos, mas há que tentar ser sucinta…!

M.L: Como vê atualmente o teatro e a ficção nacional?
I.L: Acho, tal como referi relativamente ao Cinema, que temos excelentes profissionais: tanto no Teatro, como na Televisão ou no Cinema. Gostava que o nosso País tratasse melhor as Artes e os seus artistas e que investisse na formação de públicos. Gostava muito que se tivesse consciência de que as Artes não são acessórias: são fundamentais para a educação e desenvolvimento social, político e humano de um povo e, por conseguinte, de um País. Acredito nos profissionais com quem trabalho diariamente. Acredito em todos aqueles que, tantas vezes, aplaudo. E acredito muito nas pessoas que cada vez mais vão ao Teatro e ao Cinema, a exposições, a concertos, etc. Muitas mais usufruiriam das Artes, desde que elas tivessem acesso, tanto no que diz respeito à sensibilização, como no que diz respeito às questões práticas e financeiras.

M.L: Gostava de fazer uma carreira internacional?
I.L: Claro que sim. A internacionalização de qualquer profissional aumenta o espetro de oportunidades ao nível da aprendizagem e da riqueza de experiências. Quanto mais longe vamos geograficamente, mais diferentes serão as pessoas e os métodos de trabalho a que temos acesso. Para além disso, viajar é, para mim, essencial. Portanto, unir isso à minha profissão será sempre um enorme prazer.

M.L: Recentemente fez a direção de atores em parceria com António Melo da telenovela “Louco Amor” que atualmente está em exibição na TVI. Que balanço faz do trabalho que desempenhou neste projeto?
I.L: “Louco Amor” foi um projeto muito especial que ficará para sempre como uma referência do que é trabalhar com um conjunto de pessoas marcantes. É raro encontrar-se uma equipa técnica, de produção e um elenco recheados de pessoas com quem é tão bom trabalhar. Fazer televisão não é fácil, são muitas horas, o ritmo é avassalador e são, na minha opinião, sem dúvida, as pessoas que fazem com que os desafios diários se transformem em metas construtivas. Esta produção foi especialíssima no que a isso diz respeito. E não querendo nem podendo destacar ninguém, pois seria injusto relativamente a tantas pessoas que teria de nomear, não posso deixar de fazer uma especial referência ao Tó Melo. Conheci-o, quando fazia assistência de encenação ao Almeno Gonçalves em “Os Portas”, uma produção da Sola do Sapato em que o Tó entrava como ator. Na altura, ele convidou-me para trabalhar com ele e continuamos a trabalhar juntos até hoje. O Tó é um grande companheiro de trabalho e transformou-se num amigo muito forte, que sinto que conheço desde sempre. É um excelente ator e um homem que percebe muito de atores, de dramaturgia, de televisão e que é um ser humano muito bonito e justo. Tenho, inequivocamente, de lhe agradecer por tudo o que tenho aprendido com ele, a nível profissional e humano.

M.L: A telenovela é da autoria de Tozé Martinho com quem já trabalhou anteriormente na telenovela “Sentimentos” que foi exibida na TVI entre 2009 e 2010 da qual também desempenhou a função de diretora de atores. O que a cativa na escrita dele?
I.L: O Tozé Martinho é um autor que investe muito na emocionalidade e complexidade humana das histórias e das suas personagens. E isso é muito bom ao nível da empatia com a história e com as personagens a que os atores dão vida.

M.L: “Louco Amor” foi protagonizada por Nicolau Breyner. Como foi trabalhar com ele?
I.L: Conhecer e trabalhar com o Nicolau foi um prazer muito grande. É outra pessoa que me marcou muito positivamente e que ficou registada no meu património de afetos. Ele é, indubitavelmente, um “monstro da representação” e um grande homem de Televisão. Muitos lhe chamam o “pai das telenovelas” e com toda a legitimidade. A atual Plural é uma sucedânea da Nicolau Breyner Produções. O que a ficção nacional é hoje é um fruto do que pessoas como ele iniciaram e pelo qual lutaram, durante muito tempo. Ainda hoje, ele é uma referência para todos e continua a partilhar a sua experiência e conhecimentos com todos aqueles que com ele se cruzam. Para além disso, é uma pessoa de quem é muito fácil gostar.

M.L: Nicolau Breyner tem 72 anos de idade e 52 de carreira. Como vê o percurso que ele tem feito até agora?
I.L: Como é de conhecimento público, o Nicolau tem um percurso riquíssimo, enquanto ator, realizador, encenador, produtor e todas as outras funções que ao longo destes anos desempenhou, de forma inovadora, à frente do seu tempo, com um talento e capacidade de trabalho inquestionáveis e admiráveis. O Nicolau... é o Nicolau e todos sabemos do que falamos.

M.L: Como tem sido a reação do público a este projeto até agora?
I.L: Felizmente, muito boa. É uma novela que o público acarinha e segue, reconhecendo a sua qualidade, em todos os setores.

M.L: Recentemente, as telenovelas “Remédio Santo” da TVI e “Rosa Fogo” da SIC foram nomeadas para o Emmy Internacional na categoria de Telenovela. Como vê este reconhecimento internacional?
I.L: A prova do que disse anteriormente: temos excelentes profissionais em Portugal. E se fazemos o que fazemos com os poucos recursos que temos, imagine-se o que se faria com mais oportunidades e condições!

M.L: Qual foi a pessoa que a marcou, durante o seu percurso como atriz?
I.L: Não posso falar só de uma pessoa. Teria de falar de várias. Todas aquelas que me ensinaram ou fizeram descobrir coisas novas e mais profundas e me permitiram ir crescendo como profissional e pessoa. Agradeço a todas de forma muito genuína. Elas sabem quem são. Sempre fiz questão disso.

M.L: Qual o conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na representação?
I.L: Que tenha muita certeza de que é isso que quer e que esteja preparado para todas as dificuldades, ilusões, injustiças, falta de segurança e de estabilidade que esta profissão acarreta ou pode acarretar. Tal como diz o (Rainer Maria) Rilke nas “Cartas a Um Jovem Poeta”, quando o jovem lhe pergunta como poderá saber se deve ou não prosseguir uma carreira de escritor: “experimenta não o fazer, se conseguires, é porque este não é o teu caminho”. Fiz esta pergunta a mim mesma várias vezes e acabei sempre por perceber que esta opção era inequívoca, pois fruto de uma necessidade íntima. Se assim for que se siga em frente, com muita força, coragem e dedicação. É a única forma de o fazer.

M.L: Que balanço faz da sua carreira?
I.L: Estou feliz com o meu percurso. Tenho trabalhado sempre e em diferentes áreas. Não me posso queixar. Desejo fazer muitas coisas, desejamos sempre. E ainda bem. O caminho é longo, para isso mesmo. Talvez neste momento sinta a necessidade de desempenhar mais vezes a função de atriz, em paralelo à direção de atores. Adoro dirigir colegas e quero continuar a fazê-lo sempre, mas preciso de, de vez em quando, ir libertando energias e fazendo a manutenção e o investimento nas minhas ferramentas de atriz.

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
I.L: Vou começar o ano com um grande desafio: a minha primeira encenação. Parto no dia 04/01 para S. Miguel, nos Açores, para encenar um texto do João Matos e da Raquel Palermo. Paralelamente, vou dar formação à comunidade de lá (atores e não atores). Estou muito entusiasmada com esta experiência. Quando voltar, regressarei à direção de atores com o Tó Melo para mais uma produção da Plural/TVI.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda?
I.L: A nível profissional, vou entrar este ano exatamente com uma estreia no meu percurso: a encenação. Como todas as estreias, também esta está a acarretar ansiedade (da que é boa) e entusiasmo. E estou a começar a estruturar um espetáculo que quero fazer em 2013, como atriz, e que sinto que pode ser muito especial. Esperemos para ver!ML

1 comentário:

  1. Isto é a Iolanda inteira e do avesso. É difícil encontrar alguém tão jovem, naturalmente educada nos modos e na alma.

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