segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Mário Lisboa entrevista... Carmen Santos

Olá. A próxima entrevista é com a atriz Carmen Santos. Interessou-se verdadeiramente pela representação, quando estudava na faculdade tendo-se estreado profissionalmente em 1974 e desde aí desenvolveu um brilhante e versátil percurso como atriz que conta com quase 40 anos de existência da qual passa pelo teatro, pelo cinema e pela televisão (onde entrou em produções como "Telhados de Vidro" (TVI), "Terra Mãe" (RTP), "Os Lobos" (RTP), "Alves dos Reis" (RTP), "Nunca Digas Adeus" (TVI), "Morangos com Açúcar" (TVI), "João Semana" (RTP), "Ilha das Cores" (RTP2), "Casos da Vida" (TVI), "Sentimentos" (TVI), "Regresso a Sizalinda" (RTP), "Laços de Sangue" (SIC) e "Remédio Santo" (TVI) e atualmente participa na peça "Casas Pardas" de Maria Velho da Costa, com adaptação e dramaturgia de Luísa Costa Gomes e encenação de Nuno Carinhas e com um excecional elenco que inclui atores como Anabela Teixeira, Emília Silvestre, Rute Miranda, Leonor Salgueiro e Jorge Mota e está em cena no Teatro Nacional S. João no Porto até ao próximo dia 23 de Dezembro. Esta entrevista foi feita no Teatro Nacional S. João no Porto no passado dia 30 de Setembro na altura em que a entrevistada estava a ensaiar a peça "Casas Pardas".

M.L: Como é que surgiu o interesse pela representação?
C.S: Isso não é assim uma coisa que surgiu assim de repente. Foi lentamente e com interesse e gosto por fazer coisas na escola, no liceu e depois mais claramente na faculdade, onde de fato fiz parte de um grupo cénico dos estudantes de Direito e aí assim as coisas começaram a ter de tomar de fato um aspeto mais claro sobre a representação para além de anteriormente a isso, durante o todo o tempo de faculdade ter tido uma oportunidade de colaborar em muitos programas de rádio, portanto só voz, mas em que se fazia entre peças e adaptações de romances de língua portuguesa na altura para a Emissora Nacional que agora é a RDP.

M.L: Quais são as suas grandes influências, enquanto atriz?
C.S: Acho que não tenho. Acho que as minhas grandes influências não são grandes, são todas, são todas as pessoas e com todas as pessoas se pode aprender… De qualquer modo houve pessoas importantes pelo caminho: ao nível de atores, o Armando Cortez que foi uma pessoa muito importante e depois outras pessoas como o João Perry… É difícil apanhar muitos nomes nesta altura, porque eu acho que todas as pessoas me têm ensinado muita coisa, todas as pessoas têm de fato coisas para dar sobretudo as pessoas com mais saber fazer destas coisas, com mais técnica, com mais talento também, mas a técnica e a experiência da profissão é uma coisa muito importante que uma pessoa pode de fato estar sempre atento e há muitas pessoas que podem de fato ajudar e dar coisas sem saber às vezes que estão a dar.

M.L: Fez teatro, cinema e televisão. Qual destes géneros que lhe dá mais gosto de fazer?
C.S: Gosto de laranjas, gosto de bacalhau cozido e gosto de carne assada, portanto isto não tem nada a ver umas coisas com as outras… Aliás, em resumo gosto de comer e no caso destas coisas gosto de representar, portanto são modos diferentes de o fazer em situações diferentes. O cinema tem uma técnica e um modo de estar, a televisão é assim uma coisa engraçada, porque é um mergulhar de repente e já está, tem que ser ali logo e o teatro é um trabalho mais demorado, de certo modo profundo… É diferente, só que tudo técnicas diferentes, mas representar é representar… Mas pode-se escolher, não tenho a versão em nenhuma destas coisas pelo contrário… Qualquer um dos meios (Cinema, Teatro e Televisão) gosto. Até gosto de fazer rádio.

M.L: Qual foi o trabalho num destes géneros que a marcou, durante o seu percurso como atriz?
C.S: Tal como disse em relação às pessoas, todos os trabalhos nos podem deixar ensinamentos no sentido de como se faz ou como não se faz e é sempre dinâmico o trabalho de representação e o trabalho de agarrar um espetáculo, uma peça de teatro ou um guião… É sempre diferente, as pessoas vão evoluindo e com elas evoluem a sua maneira de “atacar” os vários trabalhos…

M.L: Já fez telenovelas. Este é um género televisivo que mais gosta de fazer?
C.S: Como já lhe disse, tudo tem vantagens e desvantagens. Tudo tem coisas que nós gostamos mais e coisas que nós gostamos menos, mas gosto de fazer telenovelas e gosto de fazer séries… A telenovela é mais condensada e portanto mais cuidada, embora seja mais condensada é mais cuidada, porque há mais atenção a dar às coisas que são mais curtas… A outra é uma história que tem que esticar e que tem que abranger muitas perspetivas e portanto é mais rápida a fazer, porque tem mais coisas a abranger, mas gosto de fazer telenovelas. Não há dúvida nenhuma.

M.L: Como lida com a carga horária, quando grava uma telenovela?
C.S: Enquanto nós estamos a trabalhar dum modo geral, a carga horária não pesa muito, mas quando acabamos, 5 minutos depois de acabar, a coisa fica muito pesada. Mas enquanto nós estamos a trabalhar, este trabalho é um trabalho que ele próprio regenera muito a energia pessoal… Claro que as pessoas cansam-se também, mas regenera muito a energia, o trabalho de representar… Ele próprio gera uma adrenalina própria que gera a energia e portanto ajuda a continuar.

M.L: Um dos seus trabalhos mais marcantes em televisão foi a telenovela “Os Lobos” (RTP), onde interpretou a personagem Inês. Que recordações guarda desse trabalho?
C.S: Foi há uns largos anos. Não sei se terá sido um dos mais importantes ou não, mas recordo com muito prazer. Foi talvez uma das primeiras telenovelas que eu fiz com uma ponderação própria, de intervenção e portanto lembro-me disso com saudade… Não porque gostaria de voltar atrás, mas porque foi de fato uma boa experiência.

M.L: “Os Lobos” é da autoria de Francisco Nicholson. Como foi trabalhar com ele?
C.S: Eu não trabalhei com o Francisco Nicholson. O guião era dele, quem faz o guião muitas vezes acaba por não se encontrar. Agora acontece menos isso, mas muitas vezes as pessoas acabam por não se encontrar com a pessoa que escreve… De qualquer modo, gosto imenso do Francisco Nicholson e sempre me dei muito bem com ele, mas mais ao nível de colegas.

M.L: Qual foi o momento que mais a marcou, durante o seu percurso como atriz?
C.S: Eu acho que a vida nos corre como a água quer dizer não tem assim sobressaltos, se tivesse sobressaltos era sobressaltos pela negativa… Também pode haver se calhar momentos muito importantes (um prémio ou uma coisa qualquer…), mas de um modo geral as coisas correm mais ou menos tranquilamente… Com alegrias, com tristezas, mas nada assim de muito sobressaltante e de muito marcante para aparecer aquele marco assim muito grande… Não sei, acho que não.

M.L: Como vê atualmente o teatro e a ficção nacional?
C.S: Lá vão indo. Mas também não tenho um olhar assim muito negativo em relação a isso… Eu acho que o teatro tem sobrevivido com todas as dificuldades sobretudo de situação financeira, mas tem sobrevivido e tem avançado e a prova é isso: vim de Lisboa para o Porto trabalhar por alguma razão, porque é forte o apelo e em relação à ficção há muita gente nova e isso é muito bom, quer dizer nova, não é por serem novos, mas por serem novos a aparecer, portanto há de fato (no cinema particularmente) muito mais nomes… Há muita gente de fato a aparecer e portanto eu acho que isso é um sinal de interesse das próprias pessoas em fazerem coisas. Não tem sido efetivamente muito positivo é o apoio dado a estas coisas do ponto de vista das super-estraturas (dos Governos, dos Ministérios), não tem sido fácil… Eu acho que até tem sido muito difícil, quase que desapareceu… Neste momento (estamos a falar em Setembro de 2012), praticamente existe uma certa vontade de apoio destas entidades governamentais oficiais para apoiar e para mostrarem que estão interessados em fomentar estas artes performativas. Mas não sei, não me parece de qualquer modo que esteja à beira de desaparecer. Qualquer delas pelo contrário.

M.L: Gostava de ter feito uma carreira internacional?
C.S: Não faço ideia nenhuma. Se calhar gostava, mas não tenho a certeza, não experimentei, portanto é um bocado difícil e nestas coisas da língua (como eu não sou bilingue, embora fale algumas línguas para além da minha), estas coisas que tem uma interferência muito forte da língua às vezes é difícil, a pessoa fica “limitada”, quer dizer com a própria língua nós sabemos fazer coisas e dizer coisas e surpresávamos de uma maneira muito mais genuína e muito mais profunda e muito mais imediata e muito melhor do que uma língua que não é nossa por muito bem que a gente saiba falar a não ser de fato de casos de pessoas que tenham tido uma experiência de vida que as tornam bilingues (bilingue não só por falar duas línguas, mas porque as duas línguas são equivalentes), quer dizer a pessoa expressa-se e dá de si com a mesma energia com uma língua ou com uma outra… Mas não sei, não sei responder, não posso falar muito sobre aquilo que não sei, toda a gente gostaria de fazer um filme com o Woody Allen, por exemplo e de quem gosto muito, o Martin Scorsese e com o (Pedro) Almodóvar, porque é um homem com uma sensibilidade muito especial relativamente às mulheres… É evidente que a pessoa gostava, mas eu acho que há sempre um passo a menos dado, quando se está a falar uma língua que não é nossa a não ser que se fizesse o filme na minha língua e depois que as dobrassem… Não era a mesma coisa, mas para mim dava-me prazer.

M.L: Atualmente está a participar na peça “Casas Pardas” de Maria Velho da Costa, com adaptação e dramaturgia de Luísa Costa Gomes e encenação de Nuno Carinhas e que vai estar em cena no Teatro Nacional S. João no Porto entre os dias 6 e 23 de Dezembro. Como estão a correr os ensaios?
C.S: Os ensaios estão a correr muito bem. É muito interessante, porque é um texto extraordinário de uma escritora extraordinária chamada Maria Velho da Costa. Penso que a adaptação da Luísa Costa Gomes é maravilhosa e com uma leitura de um texto com o qual eu estou em completa sintonia. O Nuno Carinhas é um encenador extraordinário, é um paraíso, é um oásis nesta terra trabalhar com uma pessoa como ele (não quer dizer que não haja mais oásis, mas ele é um oásis certamente) e portanto estou mesmo muito satisfeita.

M.L: Como é que surgiu o convite para participar nesta peça?
C.S: Tem que perguntar a ele, porque eu não sei. Quando ele me convidou, eu disse logo que sim. Agora como é que surgiu, ele é que sabe.

M.L: “Casas Pardas” conta com a participação de atores como Anabela Teixeira, Emília Silvestre, Rute Miranda, Leonor Salgueiro e Jorge Mota. Como é trabalhar com eles?
C.S: Quanto melhor são os parceiros, melhor é para toda a gente. Estas coisas da representação não se ganha por evidência: ou uma pessoa é muito boa e depois as outras não são tão boas… Não, não é, é quanto melhor, melhor… Quanto mais experiência, quanto mais tudo isso tiver o parceiro, melhor é o trabalho de cada um. É muito intercâmbio, isso é um intercâmbio positivo ou negativo se for em coisas desagradáveis, mas a nível de trabalho é muito intercâmbio… Está-se sempre a ganhar todos os dias, é um “toma lá, dá cá” em que se o “toma lá…” for bom, o “dá cá” vai ser melhor… Alimentam-se mutuamente, é intercâmbio… Dizem os ingleses: “to act is to react” (“representar é reagir”). E isto é muito verdade, portanto se houver uma boa motivação, quanto melhor for a motivação, melhor vai ser a reação, portanto está certo.  

M.L: Que expectativas têm em relação a esta peça?
C.S: Chegar ao fim e espero que as pessoas entendam e que gostem dela, claro. Mas isso é sempre para todas as peças, não é em particular nesta peça. As peças fazem-se para serem vistas e para serem entendidas e portanto é isso que se espera de um espetáculo teatral. Um espetáculo teatral é feito para ser visto, é por isso que é expectado, para ser olhado, para ser ouvido, para ser recebido. Portanto, é isso que eu espero que esta peça consiga. Às vezes, os espetáculos teatrais não conseguem passar, não conseguem ser entendidos, não conseguem ser compreendidos. Espero que esta não tenha esse problema. Não tem, com certeza. Pelo contrário.

M.L: Foi presença regular nas produções da autoria de Francisco Moita Flores. Que recordações guarda dessa colaboração?
C.S: Muito boas recordações e tenho muita pena que elas não continuem. A produtora do Moita Flores que era a Antinomia não se aguentou, que é muito frequente neste país: as coisas boas às vezes não têm oportunidade de continuar a viver. Tenho muita pena, porque eram de fato produções em que eu gostei muito de estar e digo isso muito frequentemente ao Moita Flores que quando ele voltar está perdoado e que quero que ele volte e que conte comigo (recentemente, Francisco Moita Flores escreveu uma série policial para a TVI intitulada “O Bairro” que vai estrear brevemente).

M.L: No passado dia 24 de Março (Dia Mundial do Teatro) foi homenageada pela Junta de Freguesia de Carnide. Como é que se sentiu ao saber que ia ser homenageada pela Junta?
C.S: Eu corria o risco de quase não saber que ia ser homenageada e que eles preparavam-se para fazer isso com uma certeza absoluta no dia em que eu fosse levada a pretexto de qualquer outra coisa. Por acaso, uns dias antes disseram-me, porque tiveram receio que a coisa corresse mal ou que tivesse alguma coisa para fazer e que eu não pudesse aparecer, portanto acabaram por dizer. Mas foi uma coisa muito agradável. É difícil falar sobre isso, mas foi de fato uma coisa maravilhosa.

M.L: Em 2011, Portugal conquistou o seu segundo Emmy com a telenovela da SIC “Laços de Sangue” da qual participou. Como vê este reconhecimento internacional?
C.S: É sobretudo importante no sentido de divulgação das coisas portuguesas que podem ter a vantagem de fato de ampliar o conhecimento que os outros têm das nossas realizações, das nossas obras e isso é muito importante. Por um lado, é importante, porque é agradável ser reconhecido… Os prémios servem para isso, para mostrar o reconhecimento das instâncias que os produzem relativamente ao trabalho de quantas pessoas ou de outros relativos como é o caso da novela e isso é importante e ao nível internacional é sempre importante. Nós estamos num mundo cada vez mais “pequeno” e portanto as informações chegam mais rapidamente a todo o lado e portanto eu acho importante ser visto e ser reconhecido e saber que pode haver intercâmbio…

M.L: Qual o conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na representação?
C.S: Pense no que é que gosta de fazer, naquilo que gostaria que fosse a sua vida, como é que quer viver como atriz ou como ator… Então vá estudar, vá-se preparar, trabalhe muito e seja uma pessoa… Trabalhe, faça aquilo que gosta e faça-se uma pessoa por esse meio, por essa via… Em todo o mundo em que se pratique este tipo de atividade, nós podemos estar com imenso trabalho e ter grandes reconhecimentos, mas a seguir estar um mês, dois meses, um ano sem nada a acontecer… Obviamente, não há uma relação de causa e efeito… Não há, portanto é um bocado difícil. Vamos ter de inventar um novo percurso da carreira, como os autocarros tivessem ser para mudar de linha.

M.L: Quais são os seus próximos projetos (para além de “Casas Pardas”)?
C.S: Estou à espera de ter um bocadinho de tempo para pensar nisso. Talvez existem coisas, mas é preciso de ter tempo precisamente para isso. Para poder escolher, para poder pensar naquilo que se pode querer fazer ou não e depois também depende muito das coisas que vão acontecendo pelo caminho. Por exemplo, não fui eu que planeei fazer as “Casas Pardas”, fui alguém que me convidou e com quem eu estive absolutamente em sintonia e com uma perspetiva que me agradou imenso logo de imediato sem qualquer reserva. Nem mesmo deixar Lisboa para ir ao Porto e vim mesmo alegremente sozinha, porque é um tempo, é um período não muito longo e também continua depois.ML

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