Olá. A próxima entrevista é com o actor António Rama. Desde muito cedo que se interessou pela representação e tem desenvolvido um memorável e interessante percurso como actor que já conta com quase 50 anos de existência, da qual passa pelo teatro, pelo cinema e pela televisão (onde entrou em produções como "Chuva na Areia" (RTP), "Desencontros" (RTP), "Filhos do Vento" (RTP), "Esquadra de Polícia" (RTP), "A Raia dos Medos" (RTP), "Alves dos Reis" (RTP), "O Olhar da Serpente" (SIC), "A Ferreirinha" (RTP) e "Fala-me de Amor" (TVI) e recentemente participou na curta-metragem "Lápis Azul" de Rafael Antunes, que a SIC exibiu na madrugada de 25 de Abril deste ano, da qual retrata a Censura em Portugal na época pré-25 de Abril, e também conta com a participação de actores como Anabela Teixeira, Manuel Cavaco, Rogério Samora e o realizador Jorge Paixão da Costa. Esta entrevista foi feita, por via email, no passado dia 26 de Abril.(A entrevista não foi convertida sob o novo Acordo Ortográfico.)
M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
A.R: Desde pequeno, o teatro na aldeia, todos os Natais, fascinava-me. A Igreja com o seu ritual. Comprei as peças com as
figurinhas do presépio e representava enormes peças na mesa-de-cabeceira.
M.L: Quais são as suas influências, enquanto actor?
A.R: Ninguém me influenciou directamente. Deixei que as
coisas acontecessem naturalmente em mim. Claro que admirava os grandes actores
internacionais que via no cinema. Os actores portugueses, através da TV: José
de Castro, Paulo Renato, Assis Pacheco, Laura Alves, que vi representar aos 12
anos, mal sabendo que daí a 25, iria contracenar com ela no (Teatro do) Capitólio.
M.L: Faz teatro, cinema e televisão. Qual destes
géneros que lhe dá mais gosto de fazer?
A.R: Embora o acto de representar seja o mesmo,
varia a Técnica de o fazer. É, sem dúvida, o teatro. É a matriz, o princípio do
ser teatral.
M.L: Qual foi o trabalho que mais o marcou, durante o
seu percurso como actor?
A.R: Em cada peça, deixamos um pouco de nós e guardamos
algo de indecifrável para nós. Mas houve papéis que adorei fazer e que
alteraram muita coisa na minha vida: "A Traição do Padre Martinho",
"Jesus Cristo em Lisboa", "O Judeu", "Anatol", "Clamor"
e muitos outros.
M.L: Entre 2002 e 2003, participou na telenovela “O
Olhar da Serpente” que foi exibida na SIC, da qual interpretou o vilão Pedro Almeida de Madurães.
Que recordações guarda desse trabalho?
A.R: Foi um trabalho fácil, muito bem pago, numa
novela bastante interessante que desapareceu do ar por pressões politicas. A
protagonista (Maria dos Prazeres) tinha dormido com altas figuras do PPD.
M.L: “O Olhar da
Serpente” foi o último trabalho do realizador Álvaro Fugulin, que faleceu pouco
tempo depois da telenovela ter estreado, com quem já tinha trabalhado
anteriormente. Como foi trabalhar com ele?
A.R: O Álvaro era um
homem admirável. Todas as novelas que fiz foram realizadas por ele. Sofria do
coração, foi à festa do fim da rodagem de "O Olhar da Serpente",
excedeu-se um pouco e morreu no dia seguinte. Era calmo, doce e sabia muito do
"métier". Foi uma grande perda para todos nós.
M.L: Como vê, actualmente, o teatro e a ficção
nacional?
A.R: Apesar da asfixia do Governo, a classe
teatral tem resistido, estoicamente, contra este garrote à cultura portuguesa.
Mas, infelizmente, há muitas pessoas desempregadas. Baixaram os
bilhetes, apesar de tudo, há público. O Teatro é imortal.
M.L: Gostava de ter feito uma carreira internacional?
A.R: Fiz várias coisas na Bélgica, França e
Luxemburgo, mas foi um acaso. O actor de Teatro está muito limitado pela língua
e eu adoro o português. Fiquei por cá, entre os meus que me deram muito prazer.
M.L: Em 2014, celebra 50 anos de carreira, desde que
se estreou como actor na peça “Farsa de Inês Pereira” na Casa da Comédia em
1964. Que balanço faz destes 50 anos?
A.R: Valeu a pena.
M.L: Recentemente, participou na curta-metragem “Lápis
Azul” de Rafael Antunes, da qual interpretou a personagem Coronel Barros Lopes.
Que balanço faz deste trabalho?
A.R: Foi um convite difícil de aceitar. O Rafael
Antunes telefonou-me a convidar-me. Disse-lhe que não podia fazer dado me ter
sido diagnosticado um enfisema pulmonar e tinha decidido retirar-me em sossego.
Ele não se resignou, veio a minha casa e com falinhas mansas, lá me convenceu. Foi
um trabalho agradável numa área que gosto bastante. Fiz muito pouco cinema e só
agora no fim da carreira me vêm chamar. Mas foi muito bom.
M.L: “Lápis Azul” retrata a Censura em Portugal na
época pré-25 de Abril. Na sua opinião, ainda há vestígios da Censura, quase 40
anos depois da Revolução dos Cravos?
A.R: Há uma Censura terrível de que as pessoas não
se lembram. O garrote económico, digamos, que é um enorme travão à
criatividade.
M.L: Qual o conselho que daria a alguém que queira
ingressar numa carreira na representação?
A.R: Que o faça ciente que vai passar por muitas
dificuldades, que tem de trabalhar muito, tanto o corpo, como a voz e,
sobretudo, aumentar a sua cultura geral. O teatro não é, nem se compadece, com
vaidadezinhas de “Morangos com Açúcar” (TVI). É preciso saber, porque é que se
luta.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda nesta altura da sua vida?
A.R: Nada. Estou
bem com o que fiz.ML
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