M.L: Quando surgiu o interesse tanto pela
representação como pela Comunicação Social?
A.D.S: Não consigo
precisar, foi um desejo que foi crescendo conforme o outro que tinha, de ser
assistente de bordo, foi satisfeito. Trabalho em TV desde 1994 e durante um
tempo fiz ambos com alguma satisfação. Mas lentamente apareceu a necessidade de
me especializar, de melhorar a minha formação e preparação, e a partir daí
segui o caminho da TV sem grandes hesitações.
M.L: Quais são as suas referências nestas duas áreas?
A.D.S: Na televisão, o Aurélio Gomes, um
entrevistador que de facto deixa ver o entrevistado sem artifícios nem edições
de natureza manipuladora, para obter um resultado. Na representação, o Ruy de
Carvalho, pela integridade e dedicação, pela educação e relação com os colegas.
Não consigo gostar de um ator que não cuida da sua contracena.
M.L: Como atriz, houve algum trabalho em particular
que deixou um impacto tanto pessoal como emocional em si?
A.D.S: Não me recordo,
confesso. Tendo a fazer e a esquecer.
M.L: Entre 2004/05, participou na telenovela “Mistura
Fina” que foi exibida na TVI, na qual interpretou a personagem Daniela Macário.
Que recordações guarda de interpretar uma figura da autoridade?
A.D.S: Da dificuldade em
entrar na personagem. Exercer autoridade publicamente não é fácil para mim, não
vem de uma forma orgânica. Foi duro, tive vários problemas, mas depois correu
bem.
Adelaide de Sousa como "Daniela Macário" em "Mistura Fina" |
M.L: Como apresentadora, passou tanto pela televisão
generalista como por cabo e na RTP apresentou o popular programa dos anos 90,
“Jet 7”, onde também interpretou a divertida Dolly. Vinte anos depois, as
pessoas ainda falam do programa, quando vêm ter consigo?
A.D.S: Não, penso que isso
já não está presente na mente das pessoas. Se calhar vou ressuscitá-la!
M.L: Desde 2002 que é casada com o fotógrafo americano
Tracy Richardson. Como olha para o percurso que o seu marido tem desenvolvido
até agora?
A.D.S: Enquanto fotógrafo tem sido irregular, tem
havido momentos de muita produção e momentos de paragem, com exceção do projeto
Guerreiras Portugal, em que esteve bastante ativo também como escritor. O meu
marido tem procurado outros caminhos na vida, que eu apoio completamente. Penso
que ele tem muito mais para mostrar do que o que foi visto até agora, e creio
que muito irá ser visível em breve, aqui e noutros lugares do mundo.
Adelaide de Sousa com o seu marido Tracy Richardson e o filho de ambos Kyle |
M.L: Nasceu em Moçambique, onde viveu até aos 6 anos
de idade e voltou para lá para gravar a série da TVI, “A Jóia de África”, em
2002. A seu ver, África ainda tem atualmente o seu fascínio e encanto apesar
dos seus altos e baixos?
A.D.S: Eu não tenho estado muito a par de como anda
a África, até porque é um continente e eu só posso dizer que conheço Moçambique.
Mas mesmo Moçambique, não vou lá desde essa altura, e isso foi há 14 anos. No
entanto, sendo África o berço do mundo, penso que tem sempre um lugar especial
no nosso sentido de identidade comum. Claro que tenho esperança de que as
tensões e conflitos constantes acabem um dia, o que seria milagroso dadas as
intermináveis variáveis que estão em jogo.
Adelaide de Sousa como "Eugénia da Cunha" em "A Jóia de África" |
M.L: Regressou recentemente à ficção televisiva como a
sofrível Sofia Aguiar na telenovela da SIC, “Coração d’Ouro”, que tem tido
reconhecimento internacional nos últimos tempos. Como é que se preparou para
interpretar esta personagem, tendo em conta que era o seu 1º papel televisivo
em alguns anos e que neste caso passa por algumas mudanças ao longo da trama?
A.D.S: Houve tempo para ensaios antes de começarmos
as gravações, bastante tempo, o que ajudou muito a que eu conseguisse reentrar
no registo de representação por oposição ao registo da apresentadora de TV. A
SIC aposta nesse tempo de ensaio de várias semanas e isso dá frutos visíveis.
Quase não vemos atores a fazerem «bonecos» neste canal, o que marca uma grande
diferença. Mas a culpa não será tanto dos atores, que às vezes podem ser
preguiçosos em criar o tempo e trabalhar como deveriam na sua preparação para
gravar, mas mais das produções que não acautelam essas semanas de trabalho em
conjunto com outros atores e com a direção de modo a estabelecermos os laços
que depois sustentam cada cena. Foi um desafio, até porque as reviravoltas da
trama nem sempre são suportadas pelo perfil psicológico da personagem ou pela
intuição do ator, mas compensou bastante ser esticada nessas diferentes direções,
foi como ir ao ginásio com um novo programa de treino todos os dias.
Adelaide de Sousa com João Reis e Mariana Monteiro, a sua "família" em "Coração d'Ouro" |
M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira
ingressar numa carreira seja na representação ou na Comunicação Social?
A.D.S: Que tenham muita paciência e perseverança,
que se preparem tecnicamente tanto quanto possível, que não hesitem em aceitar
trabalhos de outra natureza porque isso lhes dará experiência de vida e que,
por favor, invistam na sua cultura geral. É confrangedor ver quão pouca cultura
geral existe neste meio, o que empobrece imenso o trabalho. E que nunca
sacrifiquem tudo em prol desse sonho: não compensa.
M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido
até agora como atriz e como apresentadora?
A.D.S: Penso que tem sido um percurso num sentido
evolutivo. Isto não quer dizer que tenha sempre a subir, de todo. Tivemos muito
mais baixos do que altos, e o bom disso é que me deu uma apreciação especial
pelos altos, deu-me uma referência constante de que nada me era devido, nem as
oportunidades de trabalho, nem o sucesso ou reconhecimento, nem o dinheiro. Não
tenho partido de uma posição de «tenho 30 anos disto, já deviam dar-me isto ou
aquilo», o que é sempre uma tentação quando vemos gente a chegar, gente a sair
e nem sempre fazemos parte dos projetos com mais visibilidade. Mas considero
que o percurso foi positivo porque sou uma melhor prestadora de serviços nessa
área do que era há 30 anos atrás. No final das contas, só interessa a maneira
como tratamos as pessoas que trabalham connosco, mais nada.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda nesta altura da sua vida?
A.D.S: Ser mãe de família, dona-de-casa, algo que é
muito desvalorizado nesta cultura de produção-a-todo-o-custo, de números e
resultados. Criar uma família, ser um elemento agregador em casa e na
sociedade, é a missão mais importante que podemos ter na vida. Essa está por
cumprir.ML
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