M.L: Quando surgiu o interesse pelo Cinema?
E.P: “Supercalifragilisticoespialidoso”.
Ainda me lembro desta eskanifobétyka palavra, que aprendi aos seis anos
enquanto assistia a “Mary Poppins” (1964), o primeiro filme que vi, no Cinema
Imperial, “o melhor cinema de segunda ordem de Lisboa” segundo a
propaganda da altura. Acredito que o primeiro filme que vimos deixa um imprinting na memória do espectador, e é
bitola para todos os filmes vistos posteriormente. Olhando para trás
acho que aquela mistura de
animação e live action influenciou-me de forma subterrânea, enquanto
espectador e enquanto criador. Para mim cinema é território do imaginário e “Mary
Poppins” cultivou esse gosto. Quando tinha 10 anos pediram-me para escrever uma
redacção sobre as minhas férias. O meu texto resumia-se à descrição, em 4 ou 5
páginas, de um filme que tinha visto, “Waterloo” (1970). A memória mais intensa
das minhas férias tinha sido um filme. Acho que também é revelador.
M.L: Quais são as suas referências nessa área?
E.P: Despertei para o
cinema como cinéfilo aos 13 anos, logo depois do 25 de Abril de 1974. Assistia
diariamente, com o meu irmão, durante as férias, às sessões duplas no cinema
(semi) ao ar livre de Monte Gordo. Foi lá que vi “Roma de Fellini” (1972) e “Belle de Jour” (1967), de (Luis) Buñuel. Passei a ter uma
ideia radicalmente diferente do cinema, do que (também) podia ser cinema. Depois,
seguiram-se os ciclos do Palácio Foz e da Gulbenkian. Ia 3 vezes (às vezes 4)
por dia ao cinema e via ciclos integrais de cinematografias desconhecidas
(lembro-me do ciclo de cinema belga, ou seria suíço? Provavelmente os dois). Vi
(Sergei) Eisenstein, (Dziga) Vertov, (Lev) Kuleshov, (Jacques) Tourneur,
(François) Truffaut, (Jean-Luc) Godard, (Robert) Bresson, (Alfred) Hitchcock,
(Howard) Hawks, Fritz Lang, (Carl) Dreyer, (Alain) Resnais (o meu cineasta francês
favorito) e tantos mais. Lembro-me de ver (e ouvir) o “Eraserhead” (1977) na Cinemateca e no fim éramos apenas meia-dúzia.
O (David) Lynch ainda não estava na moda. A banda sonora deste filme teve um
grande impacto sobre o meu modo de criar ambientes sonoros totalmente recriados
na montagem.
M.L: Como realizador, é de certa maneira um
investigador no que toca a explorar diferentes formas cinematográficas. A seu
ver, qualquer realizador/a devia tomar esse tipo de posição em relação a fazer
cinema, ou para si é uma necessidade?
E.P: Qualquer realizador,
que veja o cinema enquanto arte, terá de procurar a sua cine-identidade e
procurar novas formas de abordar os mesmos problemas, combinando processos e
metodologias utilizadas no passado. Para mim isso é um cineasta, um artista das
imagens (e sons) em movimento.
M.L: Em 2014, realizou a comédia “Virados do Avesso”
que foi o seu primeiro filme mais comercial, tendo ultrapassado os 100.000
espectadores, e foi produzido pelo falecido Nicolau Breyner que também fez um cameo no filme. Que recordações guarda
de trabalhar com ele?
E.P: Muito afável. Gostava
de improvisar, tal como eu. “Virados
do Avesso” foi uma oportunidade para demonstrar que conseguia fazer
filmes populares, e não apenas filmes vanguardistas. Já o tinha feito com “Oito
Oito” para a SIC Filmes em 2001; gosto deste tipo de desafios de dialogar com
espectadores não necessariamente cinéfilos.
"Virados do Avesso": Nuno Melo, Isabel Medina, Marina Albuquerque, Philippe Leroux, Jorge Corrula, Edgar Pêra, Diogo Morgado, Melânia Gomes, Nicolau Breyner, Diana Monteiro |
E.P: Sinto-me
bem. É bom ver o trabalho reconhecido, sem ter de fazer concessões. No caso do
Olaf Möller é um reconhecimento centuplicado, dado que ele é um dos maiores
conhecedores do cinema global de todos os tempos, uma espécie de Indiana Jones
das cinematografias perdidas. Foi graças ao interesse do Olaf pelos meus
filmes, que o Indie fez a minha retrospectiva em 2006. Também fiquei muito
grato ao António Preto, quando dedicou tanto tempo da sua vida à retrospectiva
em Serralves. São duas pessoas que não conhecia, que conheceram primeiros os
meus filmes e só depois a minha pessoa, pelo que sei que gostam do meu trabalho
sem fazerem qualquer tipo de favor. A amizade só surgiu depois.
M.L:
Costuma trabalhar com certos actores e o Nuno Melo era um deles. Como olha para
o percurso que ele desenvolveu até ao seu falecimento em 2015?
E.P: O
Nuno foi o actor com quem mais trabalhei, filmávamos a toda a hora, mesmo que fosse
só para os meus arquivos. Era a nossa kino-ginástica e era uma forma de
cimentarmos a nossa amizade e cumplicidade, preparando-nos para filmes futuros.
Geralmente tínhamos tendência natural para o disparate e a comédia. “O Barão” (2011) foi um enorme esforço
de contenção para ambos. Valeu a pena. Muito poderia dizer sobre o trabalho do
Nuno, mas é sobretudo a falta do amigo o que mais sinto.
M.L:
Adaptou Branquinho da Fonseca para o cinema mais do que uma
vez. O que o fascina neste autor em particular?
E.P: O
seu desalinhamento, a fusão de realismo com surrealismo através de imagens do
pensamento.
M.L: Escreveu a ideia original para o guião da média-metragem
“Um Passo, Outro Passo e Depois…” (1991), de Manuel Mozos e protagonizada pelo
falecido Canto e Castro. Como é que surgiu esta história na altura?
E.P: Essa
história surgiu de um projecto geracional de 4 filmes, concebido por mim e em
cumplicidade com cineastas “emergentes”, na tentativa de trabalharmos em
conjunto e provarmos que o todos é mais do que a soma das partes. Um escrevia a
história, outro o argumento e outro realizava. Fui posto fora desse
cine-comboio por um responsável da RTP e o Manuel Mozos foi o único dessa
geração que se atreveu a pegar numa história minha para esse projecto. O Manuel
é um poeta.
Canto e Castro em "Um Passo, Outro Passo e Depois..."
M.L:
Iniciou em 2010 uma intensa pesquisa no formato 3D. Que conclusão é que tirou
ao explorar este formato específico nestes últimos anos?
E.P: Que
é um formato muito interessante de explorar mas muito difícil de exibir. No
entanto continuo a fazer filmes em 3D, apesar dessa contrariedade.
M.L:
Tendo também experiência na docência, qual conselho que daria a alguém que
queira ingressar numa carreira cinematográfica?
E.P: Trabalhar
todos os dias. Filmar sempre que possível, sob diferentes identidades.
Descobrir cine-personas dentro de si. Não desistir e apresentar projectos muito
bem preparados. Tenho um lema: “Um Não é o primeiro degrau de um Sim”.
M.L:
Que balanço faz do percurso cinematográfico que tem desenvolvido até agora?
E.P: Positivo, mas podia ser melhor. Não
consigo garantir o meu futuro a médio prazo, andamos sempre com a corda na
garganta, a correr atrás do prejuízo... Mas não me posso queixar, mantive a
minha independência, o que infelizmente não é frequente no nosso meio. Tenho
amigos, colegas da escola de cinema, a viver em quartos e hosteis, outros em
negócios que não têm nada a ver com a sua profissão. É degradante. Primeiro
graças aos meus pais, e depois graças a uma longa lista de amigos e
cúmplices pude continuar o meu trabalho, sem parar, mesmo que sem dinheiro.
M.L:
Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua
vida?
E.P: Férias de um mês ou mais. Já não o faço desde a
post-adolescência. Os últimos anos então têm sido infernais em termos de
trabalho. E como se sabe o Inferno está cheio de desejos que queríamos ver
cumpridos. Nunca trabalhei tanto em tantos projectos ao mesmo tempo. Também há
alturas que tenho a tentação de realizar um filme neo-realista poético, só para
provar que consigo fazer, mas depois ganho juízo.ML
Esta entrevista não está sob o novo Acordo Ortográfico
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