domingo, 31 de maio de 2015

Mário Lisboa entrevista... Margarida Cardoso

Começou a trabalhar muito nova no Cinema e tem desenvolvido um percurso como realizadora
nomeadamente associado à necessidade de explorar questões como o passado. Estreou-se na realização de longas-metragens de ficção em 2004 com "A Costa dos Múrmurios" que foi inspirada na obra de Lídia Jorge e, recentemente, realizou "Yvone Kane" que estreou comercialmente no passado dia 26 de Fevereiro e é protagonizada por Beatriz Batarda e a brasileira Irene Ravache. Esta entrevista foi feita no passado dia 8 de Dezembro no Hotel Ibis em Santa Maria da Feira.

M.L: Quando surgiu o interesse pelo Cinema?
M.C: Eu comecei a trabalhar no Cinema aos 17 anos e trabalhei com muitos realizadores portugueses, durante cerca de 15 anos. Trabalhei como assistente de realização, como anotadora. Fui para França, estudei lá e trabalhei em muitos filmes franceses. Depois eu comecei a fazer os meus próprios filmes a partir de 1996. Fiz duas curtas-metragens, mas depois é que encaminhei-me mais para a área documental, porque apesar de nunca ter trabalhado em documentários antes, senti uma necessidade de começar a explorar coisas que se relacionavam mais comigo e com o meu passado e esses pormenores do passado estavam todos muito ligados ao facto de eu ter vivido a minha infância em Moçambique, do meu pai ter sido militar e de termos -eu e a minha família mais próxima- vivido lá cerca de 11 anos.

M.L: Quais são as suas influências, enquanto realizadora?
M.C: Eu gosto muito de Cinema, mas posso dizer que as minhas referências estão mais na Literatura do que no Cinema. Eu acho que há alguma coisa que eu tento atingir com aquilo que eu faço e relaciono-me mais com as formas narrativas ou com explorar determinadas formas que estão mais na Literatura do que no Cinema.

M.L: Qual foi o trabalho que mais a marcou, até agora, durante o seu percurso como realizadora?
M.C: Eu acho que “A Costa dos Murmúrios” (2004) foi muito marcante, porque foi numa altura em que eu consegui atingir uma certa maturidade também ao nível do que eu estava a tentar fazer e também porque me pareceu um filme que revela muito daquilo que eu faço que é explorar o passado e também a materialização de uma ideia que sempre me perseguiu sobre os tempos da minha infância que foram tão difíceis. Sobretudo a violência sem nome, a violência sobre as mulheres, os animais, os negros, todos os que são indefesos… É uma coisa que está muito presente em tudo o que eu faço e penso que “A Costa dos Murmúrios” transmite muito isso.

M.L: Como vê, atualmente, o Cinema, a nível global?
M.C: O que é mais nítido é que o Cinema norte-americano atravessa uma crise muito estranha, porque tudo o que é bom narrativamente e tudo o que eu vejo de bom na ficção norte-americana aparece nas televisões: narrativas muito complexas e com muita qualidade. Infelizmente, o Cinema parece estar mais vocacionado para agradar a pessoas com “dois neurónios”, pois os filmes são todos muito simplistas. Eu gostava de filmes que eram mesmo bem-feitos, que tinham belas histórias e que nós víamos e ficávamos emocionados, e eu acho que atualmente isso tudo se perdeu.

M.L: Recentemente realizou “Yvone Kane” que é a sua 2ª longa-metragem de ficção após “A Costa dos Múrmurios” e é protagonizada por Beatriz Batarda e a brasileira Irene Ravache. Como é que surgiu a ideia de fazer este projeto?
M.C: Surgiu na sequência dos outros projetos, eu queria fazer um projeto que se passasse na África dos tempos de hoje, mas num País que se assemelhasse a Moçambique a nível da História, porque são países que tiveram mutações muito grandes, e que ao mesmo tempo transmitisse um pouco um certo sentimento do fim de muitas coisas e do apagamento total da Memória.

M.L: Como foi trabalhar com Beatriz Batarda e Irene Ravache?
M.C: Foi muito interessante.

A Beatriz é uma pessoa que eu já estou habituada a trabalhar e que me dá muito descanso no sentido em que ela acaba por ser uma grande ajuda, porque está sintonizada com a minha forma de pensar.

Foi a primeira vez que trabalhei com a Irene Ravache e sendo uma atriz que trabalha geralmente em telenovelas foi um desafio para ela e para mim também trabalhar num registo absolutamente diferente e acho que ela ficou muito contente com o resultado e eu também, mas foi extremamente trabalhoso para nós as duas.

M.L: “A Costa dos Murmúrios” e “Yvone Kane” têm vários pontos em comum nomeadamente a mesma protagonista (Beatriz Batarda), o ambiente africano e as questões políticas. Como vê, hoje em dia, o Continente africano, tendo em conta a sua complexidade?
M.C: Eu não gostava de pôr a África inteira no mesmo “pacote”, mas posso dizer que há uma certa instabilidade e algumas situações políticas e sociais que são comuns, resultado de séculos de um sistema colonial perverso. Mas todos os países são diferentes...

M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na área cinematográfica?
M.C: Eu dou aulas em duas Universidades e acho que o mais importante é querer expressar coisas importantes e para isso a aprendizagem não se deve ficar só pelas questões técnicas ou relacionadas com o Cinema, mas num investimento pessoal muito grande.

M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido, até agora, como realizadora?
M.C: Eu tenho tentado fazer sempre aquilo que eu acho que é justo e que está de acordo com a minha maneira de ser sem nunca atropelar nada daquilo que eu acredito, portanto isso é o mais importante para mim.ML

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