terça-feira, 25 de abril de 2017

Mário Lisboa entrevista... Luísa Pinto

Natural de Matosinhos, interessou-se pelas artes ainda muito jovem, começando inicialmente pela dança, mas acabou por enveredar por outros caminhos, tornando-se numa das mais reputadas encenadoras do país, com algum projeção internacional no Brasil. Diretora do Teatro Municipal de Matosinhos Constantino Nery, durante 8 anos, é figurinista e também cenógrafa, embora não se considere como tal, e atualmente está a encenar o espetáculo "Como se chamavam os filhos de Medeia" que vai estar em cena no Teatro Carlos Alberto no Porto nos dias 3 e 4 de Junho e foi criado a partir de "Medeia" de Eurípides, que considera como a peça da sua vida. Esta entrevista foi feita no passado dia 14 de Janeiro no Porto.

M.L: Quando surgiu o interesse pelas artes em geral?
L.P: Muito miúda. Eu comecei inicialmente pela dança e depois da dança descobri também, exatamente quando estava na dança, o prazer dos figurinos, porque as cores e os materiais me fascinavam, e então fui fazer um curso de Moda. Terminei o meu curso de Moda e ganhei um estágio, que na época era atribuído pelo ICEP aos melhores alunos, e fui para Paris estagiar, onde me espacializei em figurinos. Mas as artes cénicas desde cedo começaram a falar mais alto, eu via muito teatro, lia muitas peças e logo que regressei de Paris, ainda muito jovem fui fazer o meu primeiro curso de teatro na Seiva Trupe e comecei a trabalhar.

M.L: Quais são as suas referências, enquanto encenadora/cenógrafa/figurinista?
L.P: Eu acumulo as três áreas nas minhas criações, nos últimos 10 anos levo à cena duas criações novas por ano. Fui diretora do Teatro Municipal de Matosinhos Constantino Nery, durante 8 anos, e aí quase sempre, com exceção de duas peças, eu assinava a cenografia e os figurinos. Os figurinos continuam a ser uma outra paixão e depois normalmente quando penso num novo espetáculo, tenho já muito definido na minha cabeça o que é que quero do ponto de vista do espaço cénico e dos figurinos. Na maior parte das vezes, não sinto a necessidade de recorrer a alguém. Eu não me considero cenógrafa, embora assine a cenografia das minhas peças, eu gosto de criar ambientes, digo que sou uma criadora de atmosferas, pois não sou formada em cenografia. Eu sou formada em figurinos, tenho Mestrado em Encenação, sou doutoranda em Estudos Teatrais e performativos.

M.L: Como encenadora e como figurinista, houve algum trabalho em particular em que sentiu que mexeu muito consigo em termos gerais?
L.P: O “Breviário Gota d’Água”. Acho que foi a peça que mais mexeu comigo talvez também por questões afetivas, porque a “Medeia” de Eurípedes continua a ser a peça da minha vida, e é uma problemática que tenho vindo a refletir e a trabalhar ao longo dos anos. É um tema transversal a todos os séculos, volta e meia lemos nos jornais histórias de Medeias, quantas mulheres continuam a matar os seus filhos por vingança ou por amor? Estas Medeias do século XXI não são diferentes da Medeia que foi escrita há 2500 anos, por Eurípedes.



M.L: Foi figurinista da longa-metragem “Alice” (2005) de Marco Martins e protagonizada por Nuno Lopes e Beatriz Batarda. Tendo em conta que era sobre um homem desesperado em procurar a sua filha desaparecida, identificou-se com aquele desespero, quando leu o guião escrito pelo próprio Martins?
L.P: Acho que é inevitável não nos colocarmos no lugar daquela mãe e daquele pai. A minha relação profissional com Marco Martins já tinha uns anos, porque eu trabalhei muito com ele em cinema de publicidade, e quando decidiu fazer este filme convidou-me para eu a assinar o guarda-roupa, o Marco Martins enviou-me o texto muito antes de começar a rodagem, foi muito perturbador, muito duro, porque foi inspirado numa história real que infelizmente todos conhecemos, a história do Rui Pedro. Foi um filme maravilhoso e que arrecadou vários prémios. Para mim foi um privilégio colaborar no filme.


M.L: Foi diretora do Teatro Municipal de Matosinhos Constantino Nery, durante 8 anos. Que recordações guarda dessa experiência em particular?
L.P: Muito boas recordações. Primeiro foi no teatro da terra onde eu nasci, tive o privilégio de o inaugurar a convite do saudoso Dr. Guilherme Pinto que era o Presidente da Câmara Municipal de Matosinhos. Criámos públicos, com criação artística própria e uma programação regular e agressiva, colocámos o teatro Constantino Nery no panorama cultural nacional. São muitas recordações, amigos que se fizeram, que acontecem em processos de criação artística, dos artistas que acolhemos, e do público. Mas há uma altura em que há que partir para outros voos e eu queria muito abrir a minha companhia, era um sonho muito antigo, portanto era o tempo de eu concretizá-lo e estou muito feliz com isso.


M.L: É natural de Matosinhos e tem desenvolvido o seu percurso principalmente no Norte. A seu ver, o Norte está hoje em dia mais vivo e mais jovem a nível artístico?
L.P: Sim, está. O Porto sempre foi muito rico a nível artístico. Teve sempre muitos criadores, muitos amantes da cultura, desde os fazedores aos que assistem. O Porto é uma cidade de gente culta, de gente com vontade de aprender.

M.L: Sendo também professora, qual conselho que daria a um/a aspirante a uma carreira artística?
L.P: Eu acho que as pessoas têm que lutar por aquilo que querem fazer. É difícil, é muito duro. Na criação artística, temos que ter uma estrutura emocional forte, porque é uma vida incerta. Mas é um espaço em que as pessoas se tiverem vontade, se forem rigorosas, se estudarem muito, se lerem muito, se observarem muito e se acreditarem, conseguem.

M.L: Que balanço faz destas últimas duas décadas de trabalho artístico que tem desenvolvido até agora?
L.P: É um balanço positivo. Eu sou uma pessoa muito agradecida, porque faço o que gosto. Dou aulas de Teatro e faço teatro. Sou grata por isso.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
L.P: Acho que ainda me falta fazer tudo, porque há tanta coisa que eu gostaria de fazer.ML

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