Para terminar Março, o mês da Mulher, aqui deixo um texto que a atriz/encenadora/diretora de atores Lucinda Loureiro escreveu no passado dia 26 de Março a meu pedido sobre a Mulher em si.
"Pediu o Mário Lisboa que escrevesse sobre a mulher e as
dificuldades para singrar.
Bom, resolvi falar sobre mim, sendo eu um reflexo de outras
mulheres.
Tenho que andar uns anos para trás, ao tempo da minha
infância e juventude.
Fui criada no seio de uma família tradicional, da alta
burguesia, e alguns dos meus antepassados, estavam ligados às artes. Música,
pintura, fotografia, escrita. Mas, só uma bisavó, ganhava o seu sustento e
depois de ficar viúva, dando aulas de piano.
Eu e os meus irmãos, éramos cinco, costumávamos brincar
dizendo que nós éramos a ÍNCLITA GERAÇÃO. Todos tínhamos algum talento
para as artes. O irmão mais velho, dizia poesia, o segundo desenhava muito bem,
eu gostava de dançar, de ver teatro na televisão, e de escrever. A minha irmã,
adorava ballet e o mais novo música. Como era habitual numa pequena cidade do
Interior, e com o contexto familiar que me rodeava, estava destinado para mim,
estudar, talvez até ao 3º ano da faculdade, mais não me exigiam, e depois casar
e ter filhos. Quando cheguei ao antigo 5º ano do liceu, actual 9º ano de
escolaridade. Comecei a dizer que queria ir para o conservatório de teatro. Ui,
ui nem pensar afirmaram os meus pais. Fiquei triste mas não tive outro remédio
senão calar e continuar a acalentar em segredo este sonho. Recusava e por vezes
era castigada quando não executava as tarefas femininas que me destinavam. Em
vez de coser ou passar a ferro, passava horas a ler. Era certo e sabido que
havia confusão lá em casa. Quando se deu o 25 de Abril aderi de imediato a tudo
o que até então eu desconhecia. Encontrei nessa época o meu propósito de vida. Contestei a autoridade paternal, e comecei o meu caminho em direcção à liberdade
de pensamento, ao movimento de emancipação da mulher.
Quando já em 1977 chegou a Viseu um grupo de actores, e
um deles foi viver para a casa da minha
sogra, sim porque eu casei muito cedo e tive um filho ainda com 16 anos. Fruto da
minha ingenuidade, e desconhecimento dos métodos para não engravidar. Aliás
estava proibida de abordar sequer o tema pílula com a minha mãe. Bom, mas ele foi para lá e de imediato
lhe disse da minha vontade de ser actriz. Sorte a minha, passados meia dúzia de meses, uma das
actrizes regressou a Lisboa, e eu pude ir a um ensaio a convite do grupo de
teatro para mostrar o que valia. Fiquei feliz, feliz. O problema a seguir era
anunciar aos meus pais a minha decisão. Claro que mais uma vez, foi muito mal
aceite. Apesar de apreciarem e de à sua maneira incentivarem a vida cultural,
ter uma filha actriz era outra coisa. As meninas de bem não iam para o teatro.
Muito bem, pensei eu, deixarei de ser uma menina de bem, e passei a integrar o
grupo de teatro a Centelha, assim se chamava. E foi o melhor que fiz. Aprendi,
conheci muita gente do mundo das artes, logo nos dois anos que estive nesse
grupo. Após este período comecei a sentir mais uma vez que Viseu não me
chegava. Tinha que partir. Agora o problema era outro. Com um filho pequeno
enquanto estava rodeada de família, eram eles que tomavam conta dele na minha
ausência, mas levá-lo comigo para outra cidade, era mais complicado. Ainda por
cima, tinha chegado o momento de me separar. Demorei algum tempo a tomar uma
decisão, mas lá fui para o Porto. Deixei o meu filho com os meus pais, e fui
estudar Secretariado e Gestão. Mas o teatro sempre na minha mira. Um dia,
estava a estudar ao mesmo tempo que ouvia rádio, e eis senão quando, anunciam
que o Teatro Experimental do Porto, precisava de uma actriz. Saí de imediato de
casa e apresentei-me no Teatro. Fiquei nesse mesmo dia. Nada disse aos meus
pais, porque tive que abandonar os estudos, e só os convidei para a estreia. Lá
foram. E correu melhor do que esperava, porque começaram a perceber que eu não
ia desistir. E para não me alongar muito, vou resumir o resto. Cedo o Porto
ficou pequeno. O meu sonho sempre foi vir para Lisboa. Aqui continuou a
colocar-se à questão sentida anteriormente. Como fazer teatro e criar o meu
filho? Lá fui conseguindo, umas vezes levando-o comigo. Chegando mesmo a dormir
no camarim.
Como actriz tive quase sempre o apoio dos meus colegas, quer
em termos pessoais quer artísticos. Nunca me senti discriminada. Só quando
comecei eu, a encenar ou fazer direcção de actores é que me apercebi que ainda
muita coisa estava por fazer. Era preciso continuar a lutar pelo nosso lugar de
mulheres criativas e que também sabíamos dirigir e estar à frente dos projectos
a que nos propúnhamos. Hoje, ainda há muita desigualdade, continuaremos a
lutar.
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