Continuando com a minha iniciativa de publicar textos individuais de pessoas com percursos artísticos diferentes, a propósito do Dia Mundial do Teatro, aqui deixo o segundo texto escrito pela actriz Suzana Borges que se estreou com a peça "O Despertar da Primavera"/"Tragédia Infantil", o clássico de Frank Wedekind, em 1979.
"Suzana Borges, 40 anos de carreira em 2019
Reflectir sobre 40 anos de
carreira no espectáculo, é de algum modo assustador... Mas tenho por vezes, uma
visão de mim própria, quando estou para entrar em cena, como de um plano
picado, em que estou ali no teatro, com o palco e o público, e eu, numa alegria
expectante, ali, à espera de entrar, e penso: ainda cá estou. Pois neste mundo
do espectáculo, a sobrevivência é uma outra arte... Algumas coisas mudaram
nestes 40 anos, mas devo ao meu grande mestre José Osório Mateus, com quem
trabalhei na primeira peça “Tragédia Infantil” de Wedekind, o ter-nos
preparado com tanta clarividência e sabedoria, e amor, para as nossas
carreiras, e melhor ainda para o que pensar sobre elas e sobre nós nelas.
Primeiro que tudo amor pelo trabalho, disciplina e método. O resto é a
descoberta diária, e por vezes em saltos qualitativos, de como estamos nós
naquele texto ou naquela situação. Não importa o tamanho do papel, mas sim o
que o trabalho transforma em nós, e como nos transformamos na personagem. E
estas regras de ouro centram-nos não no reconhecimento, ou na fama, mas numa
criação, sempre in progress, de nós
próprios e das condições de trabalho. Na posse delas, que nos conferem grande
respeito por nós próprios, é mais fácil lutar contra a injustiça, a
desqualificação e o demérito que a profissão tem sofrido. E depois, pensando
retrospectivamente, há as memórias dos autores que fui fazendo: Borges, com o
seu animismo panteísta, ou assim gosto de lhe chamar, Conrad, com as suas
construções de ideias e palavras que nos levam para um sítio - como um remoinho
- obscuro da nossa percepção e do mundo, Sacha Guitry, oh! que elegância
inteligente e galante, Shakespeare, que só fiz enquanto recitante em ópera, em
que as palavras e o dizê-las infundem uma alegria de passagem de testemunho de
beleza, engenho, e arte. Noël Coward, mestria na rapidez, ritmo, e muita
sofisticação na simplicidade, Wedekind, cujo mistério dos jovens adolescentes
foi mais claro para mim em 79, do que agora quando o abordo. Claudel, em que
linguagem nos eleva para uma transcendência espiritual e poética - comparável à
natureza? Howard Brenton, poesia e horror na intimidade da linguagem, do
pensamento e dos actos... Mishima, e o quanto a sua sonoridade e cultura japonesas,
consegui habitar e viver na personagem, numa experiência de transformações
múltiplas. E também a grande comunhão quando se representa autores vivos, como
Luís Assis e Pedro Pinheiro, de poder perguntar-lhes: o que queres dizer com
esta frase? O que sempre me interessou no teatro é a nossa capacidade de
transmitir e deixar impressões no espectador de alguém que é uma personagem de
ficção, que não somos nós. Essa transcendência e a grande aventura pressentida
todas noites no escuro de antes de entrar em cena, do risco e da emoção, do
novo. Do que nunca aconteceu, e que não sabemos como será.
Lisboa, 23 de Março de
2019
Mário Lisboa
Querida Suzana. Eu comecei contigo no teatro no nosso " Despertar da Primavera" fiz 41 anos de carreira como actriz em 2018 no cinema, mas no teatro foi contigo.,,,,nem me lembrei....tu serás sempre a minha Wendla. Beijos e Para MUITOS bens...que continues a cá estar sempre !
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