M.L: Como é que surgiu o interesse pelas artes?
A.C: Olhe, eu fiz um curso de artes na Escola de Artes Decorativas António Arroio, depois da António Arroio fui para à (Escola Superior de) Belas Artes/Arquitetura, não acabei o curso. Entretanto, fui convidado para ir a RTP, mas antes disso trabalhei na Casa da Moeda, Serviço de Artes Gráficas, Secção de Fotografia Offset, mas comecei nos dois ou três primeiros dias por dar serventia na Oficina de Amoedação. Ao fim do dia varria a oficina de ponta a ponta. Aprendi bastante…. Após ter entrado na RTP, fui trabalhar para o teatro como assistente do Mestre Octávio Clérigo iniciando aí a minha carreira como cenógrafo teatral.
M.L: Durante a sua carreira como cenógrafo e figurinista trabalhou em teatro, cinema e televisão. Qual destas áreas que lhe dá mais gosto em fazer?
A.C: Teatro, sem dúvida alguma.
M.L: Qual foi o trabalho que o marcou tanto no teatro, no cinema e na televisão, durante o seu percurso como cenógrafo e figurinista?
A.C: Na televisão, foram as peças de teatro que fiz com Artur Ramos, Oliveira e Costa, Nuno Fradique e os programas musicais com o Luís Andrade. Hoje nomes totalmente esquecidos do grande público e até por especialistas sobre a televisão em Portugal. Realçar uma entre todas é impossível. Com tantos anos de profissão não consigo destacar a mais significativa. Pelo menos neste momento. Porque não a primeira? “O Pescador à Linha” de Jaime Salazar Sampaio com encenação de Artur Ramos no Teatro Nacional D. Maria II em 1963 creio eu e já agora, a última: “Vermelho” de John Logan com encenação de João Lourenço no Teatro Aberto em Dezembro de 2011. Também não esqueço ter sido marcante a minha estadia na TV Globo no Rio de Janeiro a fazer e apoiar na pesquisa cenográfica do seriado “O Primo Basílio” de Eça de Queirós. Como marcante foi anos mais tarde dar todo o apoio à TV Globo, quando vieram produzir em Lisboa “Os Maias”. No cinema, foi significativo trabalhar 12 anos seguidos com Manoel de Oliveira.
M.L: Gostava de ter feito uma carreira internacional?
A.C: Gostava, claro. De certo modo aconteceu, porque fiz trabalhos na Itália, onde fui bolseiro da Fundação (Calouste) Gulbenkian e anos mais tarde do Governo Italiano a convite do Adido Cultural da Embaixada de Itália em Portugal, estagiei durante 10 meses no Centro de Formação da RAI em Florença. Nos anos 90, estive na Antenne 2 em Paris, durante cerca de três meses sobre técnicas de TV a cor e iniciação à cenografia virtual. Por essa data ou talvez antes, a Direção da TV Globo no Brasil convidou-me para elaborar o projeto cenográfico do seriado “O Primo Basílio” de Eça de Queirós. Eu gostava de trabalhar em vários sítios, não para me radicar, mas ser solicitado a demonstrar que no nosso país existem (para além de mim) na área de cenografia e figurinos, profissionais de mérito agradava-me.
M.L: Qual foi o momento que o marcou, durante o seu percurso como cenógrafo e figurinista?
A.C: No teatro, as peças que mais me marcaram no meu trabalho foram as que fiz com encenadores como Artur Ramos, João Mota, (Luís de) Sttau Monteiro, Paulo Renato e tantos outros com destaque para João Lourenço no Teatro Aberto com quem tem existido (a meu ver) uma conjugação de trabalho muito eficiente. No cinema, entre outros, Luís Filipe Rocha, José Fonseca e Costa, Artur Semedo, António de Macedo, Eduardo Geada, Manoel de Oliveira com quem trabalhei como já disse doze a treze anos seguidos.
M.L: Trabalhou na RTP durante vários anos, onde começou em 1958 como assistente de Octávio Clérigo. Que recordações leva do tempo em que trabalhou no canal?
A.C: Imensas são as agradáveis recordações de tantos anos de vivência que ultrapassavam o campo profissional. Para ser sincero, não tenho nenhuma má recordação. Claro que existiram algumas, mas subtraídas pela força das boas. No meu trabalho, não sou um homem de saudade, isso não existe no meu vocabulário, mas sinto sempre uma certa nostalgia. Tenho companheiros… como o Artur Ramos, o Oliveira e Costa, o (Herlander) Peyroteo, o Nuno Fradique na televisão com omissão imperdoável de muitos. No teatro cito nomes como (novamente) Artur Ramos, Varela Silva, Costa Ferreira, Francisco Ribeiro (Ribeirinho), Maria Helena Matos, Armando Cortez, Carlos Avillez (ainda vivo dirigindo o Teatro Mirita Casimiro em Cascais com Escola Superior de Teatro agregada) e ainda o caso muito especial de Jorge Listopad em televisão e no teatro.
M.L: Como vê atualmente a RTP?
A.C: Acho a RTP, a melhor cadeia de televisão com todos os problemas que tem. Talvez não seja a estação de televisão de maior audiência, eu não sei sinceramente… se calhar a de mais audiência é a TVI ou coisa assim. Mas a RTP1 é de fato, o canal que tem uma programação muito positiva e o Canal 2 emparceira significativamente com as melhores televisões europeias.
M.L: Um dos seus trabalhos mais marcantes em televisão foi a série “Ballet Rose-Vidas Proibidas” (RTP), onde partilhou o trabalho de cenografia com Miguel Sá Fernandes como fez várias vezes. Que recordações leva desse trabalho?
A.C: Foi grande a experiência de trabalhar com um homem que depois foi para à Câmara de Santarém (Francisco Moita Flores). Não esquecendo um realizador, execional nome do cinema português (Leonel Vieira) e toda uma equipa. Com o Miguel Sá Fernandes com quem continuo a trabalhar de parceria em televisão. “Ballet Rose” foi para mim em televisão, uma fase positiva com muito interesse no campo dos seriados tal como sucedeu com "A Raia dos Medos" (RTP) também uma produção com o timbre do Moita Flores, mas infelizmente com a ausência do Leonel Vieira substituído por Jorge Paixão da Costa.
M.L: Como foi trabalhar com Leonel Vieira?
A.C: O Leonel Vieira tinha vindo de Espanha, onde tinha acabado de fazer um curso em Madrid e veio fresquinho que nem um alface e até refrescou as coisas. É um realizador dinâmico, versátil, um ótimo companheiro de trabalho.
M.L: Costuma trabalhar nas produções do João Lourenço no Teatro Aberto. Como é trabalhar com ele?
A.C: É trabalhar com um homem que sabe muito de teatro e que sabe o que quer. É um homem que define o caminho e que segue esse caminho… É trabalhar em comum, ele tem uma determinada criatividade que se conjuga com a minha e isso é bom. Detesto trabalhar com encenadores e realizadores que não sabem o que querem e estão à espera que o cenografista apareça com desenhos, propostas e maquetes volumétricas, a chamada “papa feita” para começarem a marcação e concretização do espaço cénico antecipadamente definido pelo cenógrafo. Com o João Lourenço existe uma árvore que vai dando frutos, natural e pacientemente numa busca constante.
M.L: Como vê atualmente a cultura em Portugal?
A.C: A cultura está bem… O mal está em quem assume a gestão formal de a conduzir num país de telenovela.
M.L: Qual foi a figura da cultura portuguesa que o marcou, durante o seu percurso como cenógrafo e figurinista?
A.C: Duas. Estranhamente, um professor: Mestre Abel Manta (Pai) e uma professora: Estrela Faria (Estrela da Liberdade Alves Faria significativamente nascida a 5 de Outubro de 1910). Ambos esquecidos ainda que com muita obra espalhada em Portugal.
M.L: Que balanço faz da sua carreira?
A.C: O que fiz até agora considero positivo, embora (claro) com algumas nódoas. Tinha que ser.
M.L: Quais são os seus próximos projetos?
A.C: Acabei a cenografia da peça “Vermelho” de John Logan sobre parte de um percurso da vida do Pintor Marc Rothko e estou a prestes a concretizar o cenário para uma encenação do João Mota: “A Controvérsia de Valladolid” de Jean-Claude Carrière, peça com que a Comuna-Teatro de Pesquisa vai celebrar os seus 40 anos de existência no Teatro São Luiz.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda?
A.C: Encenar uma peça. Não me atrevo, sei quais são as minhas limitações.
M.L: Se não fosse o António Casimiro, qual era a figura da cultura portuguesa que gostava de ter sido?
A.C: Mestre Júlio Pomar.ML
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