M.L: Recentemente protagonizou a longa-metragem “Florbela”, onde interpretou a poetisa Florbela Espanca. Como correu este trabalho?
D.C: O trabalho correu muito
bem! Vivi em dor (pela carga e pela dureza das cenas) e simultaneamente em
estado de graça, durante dois meses. Um guião incrível, um realizador que adoro
e com quem já tinha trabalhado no anterior projeto dele, o "Quinze Pontos
na Alma" e agora esta personagem maravilhosa. Foi lindo e emocionante. Só
guardo boas memórias do projeto que ainda não está terminado. Está em pós-produção
e há sempre umas afinações. Preciso muito de voltar a ele. Foi difícil chegar
ao fim das filmagens.
M.L: Como é que surgiu este projeto?
D.C: O Vicente Alves do Ó
resolveu pegar na Florbela por achar que é uma figura da nossa literatura muitas
vezes subestimada e por quem muita gente sente um certo preconceito. Ora porque
escrevia sonetos, ora pela sua natureza arrebatadora... quis pegar nela pela
sua humanidade. E disse-me desde o princípio que estava a escrever o guião para
mim. Foi a melhor prenda que tive na vida. Se tivesse ido a um casting jamais teria ficado. Ela tinha o
nariz e a boca pequenos e eu não. E ao Vicente interessava-lhe outra coisa.
M.L: Como é que fez a pesquisa para se preparar para o
papel?
D.C: Comecei por reler toda a
obra dela. Além do que estudamos no liceu nunca tive uma "fase
Florbela" como acontece a tanta gente na adolescência por exemplo.
Precisei de lê-la com outra maturidade e noutra perspetiva. A comportamental.
Não tanto de analisar o que ela escreve, mas porque o escreve. De onde vem
aquela insatisfação, aquela delicadeza, aquela dor. Li todas as biografias a
respeito dela, mas todas são contraditórias por isso nós temos sempre uma
leitura a partir de outras leituras. Ela própria não se conhecia como o chegou
a escrever, por isso será sempre a "minha" Florbela e a tentativa de
me aproximar da sua verdade. Também estive com pessoas da sua família que me
forneceram informação imprescindível bem com uma antiga aluna dela com uma
memória extraordinária e com quem passei uma tarde à conversa. Juntei tudo e
tentei dar-lhe forma sem desenhar demais. Não me interessa a forma senão o que
ela tem lá dentro.
M.L: Como é que define a Florbela Espanca?
D.C: Uma mulher cheia de
contradições, insatisfeita, sofredora, pouco resignada, rebelde, mas uma
rebeldia que lhe vem da natureza emancipada e visionária e não por contestação
gratuita. Ela era muito vulnerável e sensível. Uma das coisas que a Sra. Dona
Aurélia Borges (a sua aluna) me contou é que ela ficava logo de lágrimas nos
olhos, quando a contrariavam nem que fosse numa crítica a um chapéu que
estivesse a usar. Não era excêntrica por provocação. Era, porque não se
encaixava nos padrões da época. Nasceu fora do seu tempo. Era um espírito
livre.
M.L: “Florbela” é realizada por Vicente Alves do Ó com quem
já trabalhou anteriormente. Como foi trabalhar com ele?
D.C: Do Vicente só consigo
dizer maravilhas. É um dos meus melhores amigos e é complicado separar. É uma
amizade que nasceu no trabalho. Na cumplicidade. Ele é um contador de histórias,
a cabeça dele não pára de produzir ideias e para mim é maravilhoso tentar dar-lhes
forma. Além disso, ele não se deixa trair pelo ego como muitos realizadores.
Sabe o que quer e é firme nas suas convicções, mas é completamente aberto ao
diálogo e às propostas das pessoas. Adoro-o!
M.L: Que expectativas tem em relação a este projeto?
D.C: Todas. Que fique um filme
lindo e que toque nas pessoas. Faz falta humanidade no nosso cinema. É um filme
de sangue, suor e lágrimas. Para mexer com as pessoas. E obviamente tenho
expectativas que faça muitos espectadores. Merecemos isso e merecemos continuar
com o pouco cinema que se faz em Portugal.
M.L: Como classifica este projeto?
D.C: Não é um biopic tradicional. O caroço central do
filme passa-se em 4 dias da vida da Florbela. Não vai ser a tradicional história
desde o berço até ao fim da vida dela. São (isso sim) 4 dias, onde se passa muita
coisa e o acontecimento central da vida da Florbela que não vou dizer qual é.
M.L: Anteriormente participou na telenovela “Sedução”
(TVI). Que balanço faz da sua participação neste projeto?
D.C: Foi bom fazer a novela do
Rui (Vilhena). Já nos conhecemos bem e a linguagem um do outro. Tenho sempre a
minha ideologia que se deveria trabalhar a outro ritmo e noutras condições, mas
isso vem com o tempo acho eu. Também preciso de fazer televisão de vez em
quando. Dá-nos muita ginástica… é um trabalho muito difícil e injustamente
subestimado por certas pessoas do meio. Trabalha-se muito. É uma escola também
e há grandes profissionais.
M.L: Como é que surgiu o interesse pela representação?
D.C: Aos 15 anos no Porto.
Estava a descobrir-me e o teatro pareceu-me o caminho. Também pela componente
lúdica que envolvia um curso de teatro. Preciso muito disso.
M.L: Fez teatro, cinema e televisão. Qual destes
géneros que lhe dá mais gosto em fazer?
D.C: Depende dos projetos. Gosto
dos 3 géneros se o projeto for de qualidade. Preciso de ir alternando.
M.L: Qual foi o trabalho num destes géneros que a marcou,
durante o seu percurso como atriz?
D.C: Teatro foram “As Vidas
Publicadas” de Donald Margulies encenado pela Marcia Haufrecht. Foi o meu projeto.
Televisão foi o "Diário de Maria" (RTP), porque era o primeiro em TV e
foi super-difícil. E cinema foi sem dúvida, a “Florbela”.
M.L: Desde os últimos anos que é uma presença regular nas
telenovelas. Este é um género televisivo que gosta muito de fazer?
D.C: Também já respondi a isso. Gosto de ir alternando. Mas em TV prefiro outros formatos como mini-séries ou
telefilmes.
M.L: Como lida com a carga horária, quando grava uma
telenovela?
D.C: Durmo pouco e não vejo
ninguém, durante 9 ou 10 meses. Sou pouco resistente fisicamente. Não há espaço
para mais nada.
M.L: Um dos seus trabalhos mais marcantes em televisão foi
a telenovela “Filha do Mar” (TVI), onde interpretou a personagem Marta
Barquinho. Que recordações leva desse trabalho?
D.C: Foi muito marcante para
mim. Tenho grandes memórias desse trabalho.
M.L: Qual foi o momento que a marcou, durante o seu
percurso como atriz?
D.C: Todos. Em cada projeto
saímos com uma coisa nova. É difícil responder.
M.L: Como vê atualmente o teatro e a ficção nacional?
D.C: É estranho juntar as 2
coisas na mesma resposta. Uma tem uma conotação mais cultural e a outra de
entretenimento. Acredito nas duas. Mas também acho que ainda ninguém percebe
que no teatro e no cinema é preciso investir. O cinema é uma arte cara... são
respostas muito longas. Podíamos falar só disso e ainda tenho muitas perguntas
para responder.
M.L: Gostava de fazer uma carreira internacional?
D.C: Acho que todos os atores
gostariam. Mas não o faço a qualquer preço. Há valores afetivos que se levantam
e que me impedem de pôr isso à frente do resto para investir tempo e dinheiro
numa carreira internacional.
M.L: Vive entre Lisboa e Madrid, mas nasceu no Porto.
Já alguma vez se arrependeu de ter decidido ir viver para Lisboa?
D.C: Nunca! ADORO Lisboa.
M.L: Está com quase 40 anos. Como é que se sente ao
chegar a esta idade?
D.C: Tenho 37. Ainda faltam 3!
Sinto-me como um bebé de uma certa idade.
M.L: Que balanço faz da sua carreira?
D.C: Positivo. Tenho tido
grandes lições não só a nível profissional como de vida. Sou uma sortuda por
poder viver tanta coisa e com tanta intensidade.
M.L: Quais são os seus próximos projetos?
D.C: Vou fazer um papel
pequenino numa mini-série espanhola em Dezembro, aguardo instruções da TVI com
quem estou desde 1998, vou fazendo castings,
tenho uma possibilidade de fazer uma peça por aqui também... várias coisas das
quais ainda não posso adiantar nada de muito concreto.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito
ainda?
D.C: Falta-me fazer tudo. Uma
personagem que sempre adorei foi a Menina Júlia de Strindberg. Ou tantas do
Tennessee Williams... mas acredito que está tudo por fazer. Uma coisa boa é que
fui perdendo um pouco a ansiedade. Não quero ser tudo nem fazer tudo. Tenho muitos
sonhos e objetivos, mas lido com uma coisa de cada vez. E sempre com tempo e
disponibilidade para ter "uma vida" compatível com o trabalho. Se
pudesse trabalhava 6 meses e os outros 6 passava a viajar e a olhar só para as
coisas. O resto, o tempo o dirá.
M.L: Se não fosse a Dalila Carmo, qual era a atriz que
gostava de ter sido?
D.C: A minha heroína é a Anna Magnani. Mas só ela pode ser
ela própria. Nunca quis ser outra pessoa.ML
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