M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
D.D.V: Venho de uma
família que não tem nenhuma tradição no mundo do teatro e das artes da
representação. No colégio tive a felicidade de ter um professor de geografia
apaixonado por teatro. Até o nome dele era maravilhoso, Professor Gáfaudio. Esse
professor tinha o hábito de levar as suas turmas para assistir espetáculos
teatrais. O primeiro espetáculo que assisti foi “Morte e Vida Severina”, uma
adaptação do poema de João Cabral de Melo Neto feita por Chico Buarque. Fiquei
fascinada pelo que vi e passei a sonhar em estar no palco fazendo o mesmo. Depois
de entrar na Universidade São Paulo para o curso de História, passei a cursar
no Teatro de Arena um curso de interpretação com Augusto Boal, Cecília Thumin e
Heleny Guariba. Naquele curso entendi que aquele era o meu futuro.
M.L: Quais são as suas influências, enquanto atriz?
D.D.V: A minha principal
influência, foi claro, o Teatro de Arena de São Paulo que tinha direção de
Augusto Boal. A partir dessa base vivo um permanente processo de aprendizagem e
transformação de acordo com cada novo trabalho que surge. Nesta profissão é
necessária uma constante reformulação para não nos tornarmos ultrapassados.
M.L: Faz, essencialmente, teatro e televisão. Gostava
de trabalhar mais em cinema?
D.D.V: Claro, o sonho de
todos os atores/atrizes é eternizar o seu trabalho na tela grande. Mas, um filme
é um produto caro e no Brasil houve um longo período, depois do desmonte que
aconteceu no governo Collor, em que a produção foi praticamente paralisada.
Foram os meus anos de juventude. Depois da retomada do cinema nacional, eu
havia perdido contacto com os novos realizadores e já não tinha idade,
infelizmente para os papéis. Há bem menos oportunidades para mulheres da minha
idade, infelizmente.
M.L: Qual foi o trabalho que mais a marcou, até agora,
durante o seu percurso como atriz?
D.D.V: Essa é sempre uma
pergunta difícil de responder, uma vez que espero que a minha carreira tenha um
carácter evolutivo. Sempre espero que seja o próximo.
Mesmo assim, não posso
deixar de reconhecer a importância por exemplo do papel de Eunice Paiva, no
espetáculo "Feliz Ano Velho", de Alcides Nogueira, baseado no livro
de Marcelo (Rubens) Paiva e com direção de Paulo Betti. Espetáculo que ficou 6
anos em cartaz e participou em inúmeros festivais, inclusive internacionais.
Na TV não me esqueço da
Baronesa Bárbara Ventura, na novela "Força de um Desejo" (TV Globo) de
Gilberto Braga e Alcides Nogueira.
Hoje, acho importante o meu
recente trabalho em "José do Egito" (TV Record), como Lia. Uma
arquetípica personagem bíblica numa produção impecável.
No teatro, hoje faço
"Medeia" de Heiner Müller. Considero um dos meus melhores trabalhos.
M.L: Na televisão, tem trabalhado na TV Record nos últimos
anos. Como vê a evolução do canal, no que diz respeito à ficção, nestes últimos
anos?
D.D.V: Estou contratada na
TV Record há quase 8 anos. Fiz 5 novelas, 1 minissérie, além de especiais. Não
parei. Vejo com profundo respeito o empenho e o esforço da emissora em lutar
por essa fatia da produção e do público, que durante tantos anos foi monopólio
de uma só emissora. Existe uma busca permanente por maior qualidade técnica e
artística, haja vista a qualidade das suas mais recentes produções.
M.L: Em 1991, interpretou a poetisa portuguesa Florbela
Espanca na peça “Florbela” de Alcides Nogueira. Que recordações guarda desse
trabalho?
D.D.V: A nossa montagem de
“Florbela” foi quase uma apresentação da poetisa ao grande público no Brasil. Ela
era bastante desconhecida. Foi impressionante testemunhar a força das suas
palavras. Para mim foi o momento em que me aproximei afetivamente da força da
Língua Portuguesa. Até então não me tinha dado conta da riqueza da Língua que
falava desde o nascimento. A Florbela revelou-me essa beleza. Certamente por tê-la
expressado no palco.
M.L: Como vê, atualmente, o teatro e o audiovisual
(Cinema e Televisão) no Brasil?
D.D.V: Um país do tamanho
do Brasil ainda tem diversas realidades. A maior parte da produção profissional,
ainda se concentra na região sudeste e sul.
No teatro sofremos com a
falta de formação de público, que deveria ser feita na escola. Nenhum governo
ainda se deu conta da importância do teatro na formação do indivíduo e na
melhora do tecido social. Hoje temos uma produção bastante diferenciada, mas o
grande público concentra-se nos grandes musicais, vários já nacionais, e no que
se costuma chamar de stand-up comedy.
Por outro lado um grande número de grupos novos tem surgido com trabalhos de
pesquisa.
Temos uma nova lei do
audiovisual, que obriga os canais de TV, inclusive os pagos, uma percentagem de
produção nacional, o que vem fazendo surgir uma série de pequenas novas
produtoras de cinema e TV. É uma esperança.
M.L: Gostava de ter feito uma carreira internacional?
D.D.V: Talvez sim, mas
isso nunca foi um propósito. "Minha Pátria é minha Língua.”. Gosto de
falar para minha gente. Talvez, se tivesse feito uma carreira internacional,
descobrisse que "minha gente" é "toda gente". Mas quando se
fala em carreira internacional, basicamente estamos falando dos EUA. Só
trabalhando lá alguém consegue atingir o Mundo todo. Com certeza gostaria sim
de ter trabalhado mais em Portugal.
M.L: Como lida com o público que acompanha sua
carreira há vários anos?
D.D.V: Ainda me
surpreendo, quando sou abordada no dia-a-dia, por pessoas que me reconhecem e
admiram o meu trabalho. Acho incrível alguém sair de casa para ver o meu
trabalho no teatro, e isso acontece... Isso me deixa muito feliz. Agora, como
já disse, estou fazendo "Medeia" e fico gratamente surpresa ao
encontrar na plateia uma grande quantidade de jovens interessados na tragédia e
em discutir comigo após o espetáculo. Gosto de conversar com as pessoas. Saber
a opinião delas, procurar entender as suas aspirações e a partir disso buscar o
meu próximo trabalho.
M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira
ingressar numa carreira na representação?
D.D.V: Primeiro diria...
fuja... Se não for impossível, estude. Procure aprender com aqueles que mais
admira. Assista a todos os espetáculos que puder. Vendo o trabalho dos outros
aprendemos muito. O fracasso vai surgir, mas passa e volta, assim como o
sucesso. Nunca esqueça que, às vezes, é mais fácil começar do que permanecer na
profissão. Esta profissão não tem idade para acabar.
M.L: Que balanço faz do percurso que tem feito, até
agora, como atriz?
D.D.V: Curioso, não costumo
fazer balanço da minha vida. Vou tocando adiante. Quando você pergunta-me isso,
obriga-me a pensar em tudo que já fiz. Foi muita coisa! Tenho uma carreira
consistente. Fiz coisas boas e ruins, como todo mundo. Continuo apaixonada pelo
que faço e aceitando desafios como uma iniciante. Gosto de trabalhar com jovens
atores e poder transmitir algumas das minhas experiências a eles, bem como aprender
com a espontaneidade e coragem, características dos jovens. Aprendo com o
público, com as personagens, com os colegas.
M.L: Quais são os seus próximos projetos?
D.D.V: Estou agora envolvida
com o espetáculo, "Trágica.3", que reúne resumos das 3 grandes
tragédias gregas, "Antígona", "Electra", e "Medeia".
Somos três atrizes, cada uma representando uma personagem. Faço a Medeia, na
adaptação de Heiner Müller. A direção é de Guilherme Leme. Estivemos por dois
meses e meio em São Paulo fazendo um surpreendente sucesso. O espetáculo segue
para o Rio (de Janeiro), Brasília e Belo Horizonte. Para o próximo ano o
espetáculo deve seguir para vários festivais, inclusive internacionais. Quem
sabe chegamos a Portugal.
Na TV, depois de vários
trabalhos seguidos estou de férias. Ainda não sei qual será o meu próximo
trabalho.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda nesta altura da sua vida?
D.D.V: Certamente gostaria
de ter um bom papel num filme. Mas estou bastante satisfeita com as
oportunidades que tenho tido e com os papéis que tenho feito. Espero que
continue assim.
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