sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Mário Lisboa entrevista... Denise Del Vecchio

Interessou-se pela representação, quando era muito nova, ao ver a peça "Morte e Vida Severina", tornando-se numa das mais respeitadas e acarinhadas atrizes do panorama artístico brasileiro, com um percurso que passa, essencialmente, pelo teatro e pela televisão (onde entrou em produções como "Top Model" (TV Globo), "A Viagem" (TV Globo), "Força de um Desejo" (TV Globo), "Esperança" (TV Globo), "Chocolate com Pimenta" (TV Globo), "Como uma Onda" (TV Globo), "JK" (TV Globo), "Bicho do Mato" (TV Record), "Amor e Intrigas" (TV Record), "Bela, a Feia" (TV Record), "Vidas em Jogo" (TV Record) e "José do Egito" (TV Record). Recentemente, participou na telenovela "Pecado Mortal" que esteve em exibição na TV Record, e, atualmente, participa na peça "Trágica.3" que é uma releitura de 3 tragédias gregas ("Antígona", "Electra" e "Medeia"), na qual é encenada pelo ator e encenador Guilherme Leme e está em cena no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro até ao próximo dia 14 de Setembro. Esta entrevista foi feita no passado dia 12 de Julho.

M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
D.D.V: Venho de uma família que não tem nenhuma tradição no mundo do teatro e das artes da representação. No colégio tive a felicidade de ter um professor de geografia apaixonado por teatro. Até o nome dele era maravilhoso, Professor Gáfaudio. Esse professor tinha o hábito de levar as suas turmas para assistir espetáculos teatrais. O primeiro espetáculo que assisti foi “Morte e Vida Severina”, uma adaptação do poema de João Cabral de Melo Neto feita por Chico Buarque. Fiquei fascinada pelo que vi e passei a sonhar em estar no palco fazendo o mesmo. Depois de entrar na Universidade São Paulo para o curso de História, passei a cursar no Teatro de Arena um curso de interpretação com Augusto Boal, Cecília Thumin e Heleny Guariba. Naquele curso entendi que aquele era o meu futuro.

M.L: Quais são as suas influências, enquanto atriz?
D.D.V: A minha principal influência, foi claro, o Teatro de Arena de São Paulo que tinha direção de Augusto Boal. A partir dessa base vivo um permanente processo de aprendizagem e transformação de acordo com cada novo trabalho que surge. Nesta profissão é necessária uma constante reformulação para não nos tornarmos ultrapassados.

M.L: Faz, essencialmente, teatro e televisão. Gostava de trabalhar mais em cinema?
D.D.V: Claro, o sonho de todos os atores/atrizes é eternizar o seu trabalho na tela grande. Mas, um filme é um produto caro e no Brasil houve um longo período, depois do desmonte que aconteceu no governo Collor, em que a produção foi praticamente paralisada. Foram os meus anos de juventude. Depois da retomada do cinema nacional, eu havia perdido contacto com os novos realizadores e já não tinha idade, infelizmente para os papéis. Há bem menos oportunidades para mulheres da minha idade, infelizmente.

M.L: Qual foi o trabalho que mais a marcou, até agora, durante o seu percurso como atriz?
D.D.V: Essa é sempre uma pergunta difícil de responder, uma vez que espero que a minha carreira tenha um carácter evolutivo. Sempre espero que seja o próximo.

Mesmo assim, não posso deixar de reconhecer a importância por exemplo do papel de Eunice Paiva, no espetáculo "Feliz Ano Velho", de Alcides Nogueira, baseado no livro de Marcelo (Rubens) Paiva e com direção de Paulo Betti. Espetáculo que ficou 6 anos em cartaz e participou em inúmeros festivais, inclusive internacionais.

Na TV não me esqueço da Baronesa Bárbara Ventura, na novela "Força de um Desejo" (TV Globo) de Gilberto Braga e Alcides Nogueira.

Hoje, acho importante o meu recente trabalho em "José do Egito" (TV Record), como Lia. Uma arquetípica personagem bíblica numa produção impecável.

No teatro, hoje faço "Medeia" de Heiner Müller. Considero um dos meus melhores trabalhos.

M.L: Na televisão, tem trabalhado na TV Record nos últimos anos. Como vê a evolução do canal, no que diz respeito à ficção, nestes últimos anos?
D.D.V: Estou contratada na TV Record há quase 8 anos. Fiz 5 novelas, 1 minissérie, além de especiais. Não parei. Vejo com profundo respeito o empenho e o esforço da emissora em lutar por essa fatia da produção e do público, que durante tantos anos foi monopólio de uma só emissora. Existe uma busca permanente por maior qualidade técnica e artística, haja vista a qualidade das suas mais recentes produções.

M.L: Em 1991, interpretou a poetisa portuguesa Florbela Espanca na peça “Florbela” de Alcides Nogueira. Que recordações guarda desse trabalho?
D.D.V: A nossa montagem de “Florbela” foi quase uma apresentação da poetisa ao grande público no Brasil. Ela era bastante desconhecida. Foi impressionante testemunhar a força das suas palavras. Para mim foi o momento em que me aproximei afetivamente da força da Língua Portuguesa. Até então não me tinha dado conta da riqueza da Língua que falava desde o nascimento. A Florbela revelou-me essa beleza. Certamente por tê-la expressado no palco.

M.L: Como vê, atualmente, o teatro e o audiovisual (Cinema e Televisão) no Brasil?
D.D.V: Um país do tamanho do Brasil ainda tem diversas realidades. A maior parte da produção profissional, ainda se concentra na região sudeste e sul.

No teatro sofremos com a falta de formação de público, que deveria ser feita na escola. Nenhum governo ainda se deu conta da importância do teatro na formação do indivíduo e na melhora do tecido social. Hoje temos uma produção bastante diferenciada, mas o grande público concentra-se nos grandes musicais, vários já nacionais, e no que se costuma chamar de stand-up comedy. Por outro lado um grande número de grupos novos tem surgido com trabalhos de pesquisa.

Temos uma nova lei do audiovisual, que obriga os canais de TV, inclusive os pagos, uma percentagem de produção nacional, o que vem fazendo surgir uma série de pequenas novas produtoras de cinema e TV. É uma esperança.

M.L: Gostava de ter feito uma carreira internacional?
D.D.V: Talvez sim, mas isso nunca foi um propósito. "Minha Pátria é minha Língua.”. Gosto de falar para minha gente. Talvez, se tivesse feito uma carreira internacional, descobrisse que "minha gente" é "toda gente". Mas quando se fala em carreira internacional, basicamente estamos falando dos EUA. Só trabalhando lá alguém consegue atingir o Mundo todo. Com certeza gostaria sim de ter trabalhado mais em Portugal.

M.L: Como lida com o público que acompanha sua carreira há vários anos?
D.D.V: Ainda me surpreendo, quando sou abordada no dia-a-dia, por pessoas que me reconhecem e admiram o meu trabalho. Acho incrível alguém sair de casa para ver o meu trabalho no teatro, e isso acontece... Isso me deixa muito feliz. Agora, como já disse, estou fazendo "Medeia" e fico gratamente surpresa ao encontrar na plateia uma grande quantidade de jovens interessados na tragédia e em discutir comigo após o espetáculo. Gosto de conversar com as pessoas. Saber a opinião delas, procurar entender as suas aspirações e a partir disso buscar o meu próximo trabalho.

M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na representação?
D.D.V: Primeiro diria... fuja... Se não for impossível, estude. Procure aprender com aqueles que mais admira. Assista a todos os espetáculos que puder. Vendo o trabalho dos outros aprendemos muito. O fracasso vai surgir, mas passa e volta, assim como o sucesso. Nunca esqueça que, às vezes, é mais fácil começar do que permanecer na profissão. Esta profissão não tem idade para acabar.

M.L: Que balanço faz do percurso que tem feito, até agora, como atriz?
D.D.V: Curioso, não costumo fazer balanço da minha vida. Vou tocando adiante. Quando você pergunta-me isso, obriga-me a pensar em tudo que já fiz. Foi muita coisa! Tenho uma carreira consistente. Fiz coisas boas e ruins, como todo mundo. Continuo apaixonada pelo que faço e aceitando desafios como uma iniciante. Gosto de trabalhar com jovens atores e poder transmitir algumas das minhas experiências a eles, bem como aprender com a espontaneidade e coragem, características dos jovens. Aprendo com o público, com as personagens, com os colegas.

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
D.D.V: Estou agora envolvida com o espetáculo, "Trágica.3", que reúne resumos das 3 grandes tragédias gregas, "Antígona", "Electra", e "Medeia". Somos três atrizes, cada uma representando uma personagem. Faço a Medeia, na adaptação de Heiner Müller. A direção é de Guilherme Leme. Estivemos por dois meses e meio em São Paulo fazendo um surpreendente sucesso. O espetáculo segue para o Rio (de Janeiro), Brasília e Belo Horizonte. Para o próximo ano o espetáculo deve seguir para vários festivais, inclusive internacionais. Quem sabe chegamos a Portugal.

Na TV, depois de vários trabalhos seguidos estou de férias. Ainda não sei qual será o meu próximo trabalho.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
D.D.V: Certamente gostaria de ter um bom papel num filme. Mas estou bastante satisfeita com as oportunidades que tenho tido e com os papéis que tenho feito. Espero que continue assim.

Na minha vida pessoal, gostaria de conseguir mais tempo para viajar e conhecer novos lugares. Sou avó de uma menininha de um ano e não há nada como passar o dia com ela.ML

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