Perry no Teatro da Trindade e foi o mote para um notável percurso como atriz que já conta com 20 anos de existência e passa pelo teatro, pelo cinema e pela televisão (onde entrou em produções como "A Febre do Ouro Negro" (RTP), "Lusitana Paixão" (RTP), "Inspetor Max" (TVI), "A Ferreirinha" (RTP), "Até Amanhã, Camaradas" (SIC), "João Semana" (RTP), "Jura" (SIC), "Vingança" (SIC), "Resistirei" (SIC), "Bem-vindos a Beirais" (RTP), "Poderosas" (SIC). Uma das atrizes mais dotadas da sua geração, desde Dezembro de 2014 que é Vice-Presidente da Academia Portuguesa de Cinema, e co-protagoniza a peça "Breviário para um Extermínio Silencioso" de Mike Bartlett e encenada por Rui Neto, na qual vai estrear no Clube Estefânia em Lisboa no próximo dia 22 de Outubro. Esta entrevista foi feita no passado dia 20 de Setembro.
M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
C.C: Bom, desde pequena
fui estimulada pela escola e em casa a criar um gosto pela leitura em voz alta,
de poesia, prosas, a cantar. Mais tarde, já no secundário, ao ver um espetáculo
do Teatro Meridional (“Ki Fatxiamu Noi Kui”, 1992) fiquei deslumbrada com
aquela linguagem e, em conjunto com outros colegas, fundámos o nosso primeiro
grupo de teatro. Foi então que descobri o conservatório de teatro, a dita
Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, e percebi que me podia formar
como atriz, aprender com mestres e tirar um curso. Também foi quando comecei a
ir ver teatro a todo o lado que podia: Comuna, Bando, Meridional, Cornucópia… Foi
muito importante, naquela época, ver como se fazia.
M.L: Quais são as suas referências, enquanto atriz?
C.C: Houve professores que
me marcaram profundamente: António Feio, João Mota, Maria João Serrão, Luca
Aprea. Mais tarde, como profissional fui aprendendo com outros colegas e há
pessoas que admiro muito pela forma como trabalham, como se entregam: Miguel
Seabra, Luísa Cruz, Ivo Canelas, Carla Galvão. E em todos os trabalhos vou
encontrando colegas com os quais tenho pontos de afinidade e aprendizagem que
também se tornam referências para mim. A Lúcia Moniz foi um destes últimos
casos.
M.L: Qual foi o trabalho que mais a marcou, até agora,
durante o seu percurso como atriz?
C.C: É difícil escolher. Cada
trabalho é como um muro que eu tenho que estudar a melhor estratégia de como o
vou escalar até conseguir chegar ao topo e transpô-lo para o outro lado. E do
outro lado há tantas coisas novas para ver! São essas coisas que muitas vezes
nos surpreendem durante o trabalho e que torna tudo muito mais desafiante e
gratificante.
No teatro posso dizer que
a “Ditosa” da “História do Gato e da Gaivota que a Ensinou a Voar”, do Teatro
Meridional, foi um desses muros que deu muito gozo transpor e de certo modo
voar a partir dele. E, claro que fazer uma “Julieta” de (William) Shakespeare é
um sonho concretizado.
No cinema foi muito desafiante
fazer a subcomissária de polícia no filme “Quarta Divisão” (2013) de Joaquim
Leitão. Uma personagem muito distante de mim, que exigiu um empenho a nível
físico, de destreza e atitude emocional que não pratico todos os dias.
Por último na televisão é
indiscutível que a “Marina” de “Bem-vindos a Beirais” (RTP) me marcará por
muito tempo, não só pelo sucesso do projeto como pelo espírito de família que
se criou ao longo de dois anos e tal de gravações.
M.L: Entre 2007/08, participou na telenovela
“Resistirei” que foi exibida na SIC, na qual interpretou a personagem Júlia
Mascarenhas. Que recordações guarda desse trabalho?
C.C: Ironicamente o trabalho
fez jus ao nome da novela. Foi um trabalho de resistência, onde o muito empenho
da equipa e da produção foi posto de parte pela então nova direção da SIC.
Gravámos o projeto até ao fim mesmo depois da novela sair do ar. Ainda assim
guardo excelentes memórias, nomeadamente o trabalho com grandes atores como o
Rui Luís Brás, o Nuno Melo, a Carla Maciel… e uma equipa incansável.
M.L: Como vê, atualmente, o teatro e a ficção
nacional?
C.C: Vejo o teatro sob
grandes mudanças, e no meu ponto de vista para melhor. Mas falo da vontade dos
artistas em fazê-lo, não da parte de quem nos governa. Fiquei muito feliz com a
iniciativa recente do Teatro Nacional D. Maria II, dirigido atualmente pelo
Tiago Rodrigues, de abrir gratuitamente as portas ao público durante três dias
e criar uma avalanche de filas que só mostra que as pessoas querem ir ao teatro!
Essa dinâmica de proximidade é cada vez mais importante desenvolver, desmistificar
o erudito da cultura. Ela é e deve ser para todos e acessível a todos!
A ficção encontra-se numa
fase em que a tecnologia já permite uma produção mais simplificada e barata dos
conteúdos. Ainda assim sinto que há um grande investimento nos produtos para
grandes massas e investimento insuficiente para conteúdos mais alternativos. A
Academia RTP está a fazer um trabalho interessante a esse nível, assim como os
festivais de curtas-metragens que vão ocupando cada vez mais as programações dos
cineteatros a nível nacional, dando a conhecer as jovens promessas.
M.L: Em 2015, celebra 20 anos de carreira, desde que
se estreou como atriz com a peça “A Disputa” de Marivaux e encenada por João
Perry no Teatro da Trindade em 1995. Que balanço faz destes 20 anos?
C.C: São 20 anos de
constante aprendizagem. Gosto de trabalhar com as pessoas e por isso, retiro
sempre uma aprendizagem do trabalho com elas. Isto serve para as boas
experiências mas também para as menos boas. Tem sido um percurso feito de muito
trabalho, muito empenho, alguns “nãos” como resposta, e felizmente muitos
“sins” que me têm permitido mostrar várias valências. Gosto de saltar de
companhia em companhia, não ficar no mesmo canal por muito tempo, conhecer
diferentes realizadores. Isso tem tornado a minha experiência enquanto atriz
muito mais rica. Tenho medo de estagnar. Julgo que a sorte também me tem
acompanhado e tem colocado no meu caminho excelentes desafios que me obrigam a
superar-me.
M.L: Como lida com o público que acompanha sua
carreira há vários anos?
C.C: É sempre agradável
quando alguém nos aborda e manifesta o seu apreço pelo nosso trabalho. Seja
presencial ou virtualmente. Hoje em dia o Facebook também é um veículo para
essas mensagens às quais tento responder sempre que posso. Também atento às
críticas que fazem ao meu trabalho. É importante termos um ponto de vista do
espetador. Perceber se o tocámos ou não e quais as razões. A verdade é que o
meu trabalho é feito para eles e por isso é muito importante para mim que
chegue até eles.
M.L: Recentemente, participou na série “Bem-vindos a
Beirais” que está em exibição na RTP. Já alguma vez imaginou que a série
tivesse o sucesso que tem tido até agora?
C.C: Não, claro que não.
Há muito que a RTP estava longe de ter sucessos em ficção e muito menos em
horário nobre. Foi um projeto de três meses que se transformou numa bonita
viagem de mais dois anos. Houve um espírito de família que se manteve ao longo
de todo o projeto. Criou-se uma família beiralense. Cada um de nós ganhou mais
uma terra para além daquela em que nasceu e isso vai marcar-nos para sempre. E
claro que o público foi fundamental neste processo. Ele escolheu-nos para
passar a fazer parte do serão e isso orgulha-nos muito.
M.L: Desde Dezembro de 2014 que é Vice-Presidente da
Academia Portuguesa de Cinema. Como vê o percurso que a Academia tem
desenvolvido, desde a sua fundação em 2011 até agora?
C.C: Vejo uma vontade
sincera de procura na promoção do cinema português e dos seus intervenientes.
Os Prémios Sophia são a cara mais visível da Academia e sei que dão muito,
mesmo muito trabalho para conseguir pô-los de pé ano após ano. O trabalho é
feito a partir da disponibilidade dos elementos da direção e de uma equipa
muito reduzida de produção que trabalha ao longo do ano com a Academia. Mas a
Academia está a alargar a sua atuação. No ano passado já tivemos, por exemplo,
os Prémios Sophia Estudante, que visam premiar o que de melhor se faz nas
escolas de cinema de todo o país, apostando claramente na formação como base de
aprendizagem da 7ª arte. Um dos trabalhos da Academia também tem passado por
fazer e melhorar a sua comunicação, cativar novos associados, procurar mais
parcerias. Desenvolve várias responsabilidades, como as de indicar os
candidatos aos Óscares, ou aos Prémios Goya. Neste momento está a trabalhar, em
conjunto com o ICA, na preparação do Ano do Cinema. E muito mais haveria a
dizer. Há uma vontade séria e honesta em fazer melhor pelo nosso cinema. E foi
isso que me cativou a entrar para a Academia e oferecer o meu modesto contributo.
M.L: Em 2011, Portugal conquistou o seu segundo Emmy
com a telenovela da SIC “Laços de Sangue”, na qual trabalhou como diretora de
atores. Como é que se sentiu ao saber que “Laços de Sangue” ganhou o prémio?
C.C: Muito orgulhosa,
naturalmente. Foi a minha primeira e única experiência em direção de atores num
projeto de ficção e senti que foi uma oportunidade única para conhecer como funciona
a máquina para lá das câmaras. É completamente diferente. Ficamos com uma noção
maior de como funcionam os vários setores, como se interligam. Também me
permitiu conhecer a precariedade em que trabalham os técnicos. 12 horas por
dia, 5 dias por semana, são 60 horas semanais. Ganharam ainda mais a minha
admiração depois de ter passado por aquela experiência e por me ter sentido como
um deles. Claro que depois há louros como os Emmys que são gratificantes receber,
mas na verdade, no dia-a-dia, a trabalhar no duro, não significam muito.
M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira
ingressar numa carreira na representação?
C.C: Antes da carreira que
procure a formação. Ser ator é uma arte que deve ser cuidada e respeitada como
qualquer outra profissão. É uma vida inconstante que se abraça, em que somos
constantemente postos em causa. E há uma aprendizagem a fazer ao recebermos um
“não” como resposta. Nós somos o nosso instrumento, o objeto da avaliação e por
isso há que desenvolver uma estrutura forte que saiba filtrar o que é uma
crítica ao nosso trabalho do que nós somos. Daí ser tão complicado quando se
trata de crianças ou adolescentes. Eles estão em processo de construção do “eu”
e ser demasiado elogiado ou preterido irá afetar a sua auto-estima. Apesar de
todo o deslumbramento que esta profissão possa ter, tem momentos muito duros e
que nos obrigam a fazer escolhas que nem sempre queremos. Depois há momentos
que compensam tudo isto: o “sim” daquele casting
tão difícil, aquele ensaio em que sentimos que “chegámos lá”, o aplauso do
público, o recorde de audiência, uma crítica de reconhecimento.
M.L: Quais são os seus próximos projetos?
C.C: Neste momento estou
em ensaios para um espetáculo na Escola de Mulheres. “Breviário para um
Extermínio Silencioso” é uma peça a partir do original “Contractions” de Mike Bartlett.
A encenação está a cargo do Rui Neto e estarei em cena com a minha querida
colega e amiga Isabel Medina. Irá estrear a 22 de outubro no Clube Estefânia, em
Lisboa. Ficará em cena até meados de Novembro. Logo de seguida iniciarei um
novo projeto também em teatro que estreará em Março, mas deste ainda guardo
segredo porque está em fase de preparação. Por isso é um regresso ao teatro
muito desejado ao fim de dois anos de televisão.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda nesta altura da sua vida?
C.C: Tantas coisas. Quando
tinha 15 anos e julgava que queria ser veterinária, o teatro atravessou-se na
minha vida de forma tão intensa que decidi mudar o meu rumo. E isso passou a
ser um mote na minha vida. Não tenho nada como adquirido. Tudo pode mudar de um
momento para o outro. Tenho projetos dentro e fora da Arte que gostava de
concretizar. Começo a ter um bicho aqui dentro que me diz para encenar, mas
ainda não tive a coragem para me lançar. Tenho ideias para um filme e para uma
série. Seria um sonho concretizá-los.MLFotografia: Cinéfilos.tv/Luís Silveira e Castro
É uma senhora por fora, mas uma menina por dentro. Adoro a clareza das palavras e também o humano que há na Carlinha, é como nós gostamos de a tratar. "Flores de Outono"
ResponderEliminar