M.L: Quando surgiu o interesse pela Fotografia?
M.R: Em 2012.
M.L: Quais são as suas influências nesta área?
M.R: Cinema; o meu
objectivo de futuro. A minha mãe. E eu.
M.L: Desde 2012 que trabalha como fotógrafa. Como é
que é a sua rotina em termos de preparação para um trabalho fotográfico?
M.R: Difícil e desafiante.
Sou produtora de todos os meus trabalhos, o que torna o trabalho simultaneamente
mais orgânico e genuíno. Control freak
por excelência, penso que só poderia ser assim uma vez que cada fotografia que
elaboro contém uma linguagem um pouco hermética. É um puzzle pessoal bastante simbólico que monto e que estou preparada
rapidamente para desconstruir ao convidar pessoas para o executar, cuja energia
é fundamental para que o produto final aconteça.
M.L: Além da Fotografia, também tem experiência na
psicologia e na ilustração. Em qual destas actividades em que se sente melhor?
M.R: Melhor? Em todas. Provavelmente
estarei muito bem também noutras tantas. Tenho a certeza que a minha vida é
infinitamente insuficiente para tudo o que tenho capacidade para fazer; mas foi
algo que aprendi a aceitar e confirmar ou desmentir até um dia morrer. Por
agora, aprendo a ler marés e correntes e fazer não só o que gosto mas o que
entendo que é necessário.
Fiz um mestrado em
psicologia educacional; na realidade penso que já nasci psicóloga como todos
nós. Todos temos a capacidade de curar o próximo se o quisermos fazer. Fui
psicóloga fora da lei (portanto sem estágio para a ordem dos psicólogos) e orgulho-me
de todo o meu trabalho durante esses três anos. E continuaria a fazê-lo caso
houvesse oportunidade. Com um cenário de psicólogos a visitar escolas em modo
de veterinários de aldeia, com famílias na corda bamba como manda a tradição e
idosos a viverem no profundo isolamento, penso que seria necessária. Eu e
tantos que neste momento não o estão a fazer.
Tudo surge da necessidade.
Comecei a ilustrar pela necessidade de fazer frente à visão extremamente
simplista que encontro frequentemente na ilustração infanto-juvenil. Ganham
muitos prémios, elaboram “objectos” muito bonitos, mas ao observar narrativas
do género “era uma vez um sapo” e temos uma ilustração na página oposta,
fabulosa, minimalista de um sapo, acho que mais um neurónio na cabeça de uma criança
morreu. Penso que esse mesmo neurónio morreu devido à corrente pedagógica made
in Piaget que defende que não devemos ou não podemos fazer mais do que nos
compete. Ora, durante a Universidade descobri a perspectiva de (Lev) Vygotsky
que resumidamente defende que se quiser dançar antes de andar, nada o deve
deter nem mesmo a própria incapacidade. As minhas ilustrações são sempre
acompanhadas de narrativas também criadas por mim, normalmente recebidas com
uma torcida de nariz pela maior parte das pessoas. Eu compreendo que as
editoras tenham medo de gastar muito dinheiro em impressões megalómanas, que
não tenha nome de mercado e que os pais queiram proteger as crianças de
determinados conteúdos crus e frontais como as minhas histórias. Crus e
frontais como os pais não querem que as crianças sejam.
A fotografia surgiu não só
do meu pânico face a uma crescente visualização de uma versão cartoonesca do
corpo humano (que nada tem a ver com perfeição), mas também como um desafio
colocado a mim mesma. Abandonei no 11º ano a escola de artes que frequentava.
Achei de forma lúcida que tudo já tinha sido inventado e que o máximo que
poderia fazer seria boa qualidade de reciclagem, e que por isso deveria
escolher uma profissão útil. Hoje, passados uns bons anos, depois de nunca ter
deixado de criar, decidi de forma teimosa mentir a mim mesma e sem formação
criar imagens. Fotografia requer mais qualquer coisa de fluido que eu não
tenho, nem quero ter. Crio imagens para passar uma mensagem, mais do que criar
algo bonito. Na tentativa de evitar a desvalorização geral de tudo, da
banalização geral de tudo, de provocar um olhar atento não tanto por aquilo que
o meu trabalho exibe, mas pelo que esconde.
Numa sinopse simpática,
curta e grossa: sinto-me melhor onde me sinto necessária, e onde a minha
capacidade pode responder a essa necessidade. É a coisa simples da minha vida
ser tanto mais missão do que procura do prazer ou fuga à dor. Estou cansada de
repetições, gostava que outros também o estivessem.
M.L: Como vê, actualmente, a Fotografia, a nível
global?
M.R: Vejo como tudo. Com a
fé imensa de ser surpreendida no meio do déjà
vu que envia um suicida para destino previsível. É um peso enorme que se
carrega quando toda a gente só procura leveza. Isto aplica-se à fotografia. Mas
a teimosia puxa-me para o amanhã.
M.L: Recentemente, lançou o livro “With the Absolute Heart of the Poem of Life” que é um
projecto de fotografia sobre a Geração Beat que surgiu nos finais dos anos
50/inícios dos anos 60. Como é que surgiu a ideia de criar este projecto?
M.R: Cada vez que me fazem essa questão, escolho sempre um
caminho diferente. Tenho 3 linhas de aterragem. A primeira resposta é: pela
memória. Trabalhei com adolescentes durante os últimos anos que achavam a Lady
Gaga a coisa mais avant-garde do
“pedaço”. Quando se dá explicações de História, uma disciplina extremamente mal
tratada e sentida como uma mancha de bolor ou uma bola de naftalina, o desafio
é sempre a dobrar: o de tentar fazer entender que o presente depende do que
queremos ocultar lá atrás por falta de interesse da plateia. Neste contexto,
certo dia numa aula, um miúdo disse “os hippies
é que eram hardcore”. E pensei nos
notáveis renascentistas que brilham à frente de gerações de cientistas e
artistas geniais envoltos em trevas nos séculos anteriores que os empurraram
até ao século XV. E pensei na Beat Generation que numa América branca
desafiaram e desconstruíram o sonho americano através do seu talento ou
ausência dele em viver e criar. Ao seu lado, a geração de 60 foi apenas uma
consequência directa, uma explosão de marketing.
Este tema é-me querido; a importância da memória, a importância de testemunhas,
para que a única coisa que aprendemos com a História não seja que aprendemos nada
com ela.
A segunda razão foi mais
recente. Em 2012 comecei a ter pesadelos com algo que se tinha passado em 2004.
Uma tentativa de violação sofrida enquanto estudante de intercâmbio nos EUA.
Escapei com uma joelhada e decidi fazer o caminho de volta a pé até casa da minha
família adoptiva. Mas era longe, e perdida durante umas 3 horas, parei após uma
longa caminhada num alfarrabista que de forma certeira achou que “tinha olhos
de peixe” e que precisava de algum conforto em livros. E por isso,
ofereceu-mos. E sim, eram do Jack (Kerouac), Allen (Ginsberg) e (William S.) Burroughs.
E outros sobre astrologia, um interesse que descobrimos ter em comum. Voltei
para casa a pé onde me esperava o gato zarolho da família. Ao pé dele fiquei o
resto do dia a ler as ofertas do velho sulista. Foram o meu conforto a milhares
de km de casa e por isso estou-lhes eternamente grata. O que nos leva à
terceira e última razão - a do agradecimento. Podemos sempre parar esta roda de
energia que nos alimenta o ego e nunca retribuirmos, mas prefiro agradecer
sempre, mesmo ao desconhecido, morto ou anónimo, a inspiração e apoio. A arte
está cá para isso.
M.L: Como tem sido a reacção do público ao “With the Absolute Heart of the Poem of Life”, desde o seu
lançamento até agora?
M.R: É a melhor pergunta
feita até agora, porque o público sou eu. Fiz o livro para mim e para quem vier
a descobri-lo. Tenho consciência que não criei algo de fácil consumo. Por isso
para responder à pergunta, o melhor a dizer é que tem sido difícil. Sem apoio da
editora (entre outros entraves), sem acessória de imprensa ou qualquer tipo de
publicidade o que costumo fazer é perseguir pessoas. Daí o auto-desígnio de stalker. Persigo apresentadores de
programas culturais, revistas, magazines, etc. O que não é sempre garantido bem
como a morte, por isso tenta-se até acabar com a paciência das pessoas. Como
diz a minha mãe “as árvores morrem de pé”, e estou apenas no início.
M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido
nos últimos 3 anos como fotógrafa?
M.R: Bom, sempre bom.
Estou sempre a aprender cada vez que tiro uma fotografia. Que o universo me
permita tempo suficiente para aprender mais.
M.L: Quais são os seus próximos projectos?
M.R: Dos que posso falar,
tentar editar um livro de ilustração e trabalhar no argumento de um filme. Actualmente,
estou a trabalhar num projecto de fotografia sobre sexualidade chamado Casa 8. Stay
tuned.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda nesta altura da sua vida?
M.R: Ser
psicóloga ao serviço da educação pela arte, um conceito que anda a morrer aos
poucos graças a poucos recursos e à falta de “inspiração” de quem a devia espalhar
pelo país. Aprender a fazer plastinação, trabalhar numa casa funerária e ter
uma filha. Os filmes, as ilustrações e as fotografias surgirão pelo meio.MLEsta entrevista não foi convertida sob o novo Acordo Ortográfico.
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