quarta-feira, 27 de julho de 2016

Mário Lisboa entrevista... Filomena Gonçalves

A representação surgiu na sua vida devido à necessidade de se expressar e tem desenvolvido um percurso como atriz que já conta com 3 décadas de existência e passa pelo teatro, pelo cinema e pela televisão (onde entrou em produções como "Chuva na Areia" (RTP), "Palavras Cruzadas" (RTP), "Passerelle" (RTP), "Ricardina e Marta" (RTP), "Telhados de Vidro" (TVI), "Verão Quente" (RTP), "Desencontros" (RTP), "Primeiro Amor" (RTP), "Filhos do Vento" (RTP), "Ballet Rose-Vidas Proibidas" (RTP), "Esquadra de Polícia" (RTP), "A Raia dos Medos" (RTP), "Alves dos Reis" (RTP), "Sonhos Traídos" (TVI), "O Processo dos Távoras" (RTP), "Lusitana Paixão" (RTP), "A Ferreirinha" (RTP), "Vila Faia" (RTP), "Morangos com Açúcar" (TVI), "Doida por Ti" (TVI). É casada desde 1998 com o escritor Francisco Moita Flores. Esta entrevista foi feita no passado dia 2 de Julho.

M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
F.G: Não sei bem. A representação surgiu na sequência de uma necessidade de me expressar, passando primeiro por outras artes (fotografia, dança, música, canto) que experimentei com maior ou menor grau de empenho. Todas elas concorreram para me levar até à representação. Penso que não fui eu que decidi ser atriz, foram as artes da representação que me decidiram aceitar.

M.L: Quais são as suas referências, enquanto atriz?
F.G: Muitos dos colegas com quem tive o privilégio de trabalhar e me ensinaram tudo o que sei. Armando Cortez, Henrique Canto e Castro, Nicolau Breyner, Manuela Maria, Eunice Muñoz, Pompeu José, Raul Solnado, Graça Bessa, António Rodrigues e tantos outros professores e amigos que são as minhas referências de trabalho e de profissionalismo.

M.L: Houve um trabalho específico que tenha provocado exigência e talvez algum desgaste emocional em si ao longo do seu percurso como atriz?
F.G: Todos sem exceção, por um motivo ou por outro, puseram à prova as minhas capacidades​. Nem todos me exigiram o mesmo esforço mas todos me entregaram alguma coisa preciosa pela qual valeu a pena lutar. Alguns devolveram-me a alegria da recompensa do aplauso e do reconhecimento, outros nem tanto. Sinto-me grata à minha profissão, pelo que me tem dado e não conheço outro modo de trabalhar, sem ser com uma entrega total. Por isso, não, não há um que se destaque.

M.L: Em 2002, participou na telenovela “Sonhos Traídos” que foi exibida na TVI, na qual interpretou a personagem Maria de Lurdes Pereira. Tendo em conta que era uma personagem ciumenta para com o marido e que não conseguiu grandes feitos na vida, como é que se preparou na altura para o papel no sentido de tentar entender a Maria de Lurdes e as suas motivações?
F.G: Não compete ao ator/atriz fazer juízos de valor à sua personagem, mas sim, compreender-lhe as motivações, dentro das circunstâncias em que é posta. Que me lembre, a Maria de Lurdes era uma dona de casa, costureira por necessidade, com uma instrução básica, preterida pelo marido, a lutar por manter o lar enquanto trabalhava e criava um filho sozinha. Uma mulher como tantas outras, guerreira do quotidiano, sem nome nos jornais, nem medalhas no 10 de Junho, mas que, são o tecido mais profundo da sociedade. Creio que a função narrativa da personagem era esta mesma. O conflito da Maria de Lurdes é com a alteração de paradigmas que vêm abalar o seu pequeno mundo, desestabilizando a sua relação com os outros e consigo. Um mundo que ela não sabe, ou não quer compreender, acabando cruelmente louca e encarcerada. Isto, foi o que eu compreendi da Maria de Lurdes. Se ela não alcança grandes feitos, ou se é ciumenta, não sei, provavelmente será isso e também tantas outras coisas. A verdade é que não há luz sem escuridão. Nunca uma personagem, tal como as pessoas em que se inspira, é totalmente "boa" ou "má", feliz ou infeliz, "escura" ou "clara". É essa a função do ator/atriz. Extrair todos os cambiantes possíveis dentro do espectro da personagem. Compete ao espectador avaliar a verdade da representação do ator/atriz identificando-se ou não com a "verdade" da personagem.

   Filomena Gonçalves como "Maria de Lurdes Pereira" em "Sonhos Traídos" (0:03)

M.L: A meu ver, tem sido muito subestimada como atriz ao longo das últimas 3 décadas de representação. Acha que, um dia, lhe vão dar um maior reconhecimento a nível artístico?  
F.G: Não me sinto subestimada, mas sim, feliz, com o percurso que me foi possível fazer, pelo qual lutei e continuo a lutar. Sinto-me estimada por colegas, dentro e fora de cena, das mais diferentes idades ou proveniências. Respeitada pelo público que não me esqueceu, apesar das maiores ou menores ausências, a que nos votamos. O que me move é a esperança de alcançar melhor, construir mais, quando e sempre que houver oportunidade. É um caminho que se vai percorrendo com as armas e a bagagem que vamos tendo e ainda há muito para fazer. Não estou preocupada com o julgamento do tempo, nem nunca trabalhei para alcançar reconhecimento, mas tão só, com honestidade, tentar ultrapassar os diferentes desafios e obstáculos que se vão apresentando, ao longo da minha carreira. Os criadores aprendem a resiliência, estão preparados para aceitar a crítica, não esperam unanimidade e tentam viver com graça os altos e baixos da vida. Não sei se correspondo a este retrato mas são estas as linhas que me orientam.

M.L: Desde 1998 que é casada com Francisco Moita Flores. Como olha para o percurso tanto artístico como policial e político que o seu marido tem desenvolvido até agora?
F.G: Não olho. Os meus olhos são os da companheira que aceitou partilhar a vida com alguém que ama e admira. É um olhar íntimo, pessoal, não sobre a carreira mas o homem.

Filomena Gonçalves e Francisco Moita Flores

M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido até agora como atriz?
F.G: É de facto o tempo para balanço no Deve e Haver da minha carreira. Tenho consciência dos erros que cometi e não quero voltar a fazer, do que está bem e pode ser explorado e melhorado. 

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
F.G: Uma só? De um modo genérico pretendo dedicar-me aos erros.ML

Sem comentários:

Enviar um comentário