M.L: Como é que surgiu o interesse pelo jornalismo?
C.Q: O jornalismo
não foi nem um sonho nem um desejo. Fui estimulada. Isso fez com que passasse a
estar mais atenta. Entretanto, deixaram-me entrar para a rádio da
Faculdade. Senti-me seduzida. Com o passar do tempo (e entre experiências
noutras áreas profissionais) percebi que era isto que queria fazer. Compreendi
que o jornalismo faria parte da minha vida. E assim é.
M.L: Quais são as suas grandes influências, enquanto
jornalista?
C.Q: As influências
chegam sobretudo de quem faz bem o seu trabalho. Confesso que me deixo levar
essencialmente pelo jornalismo literário. É nisso que acredito. Gosto da
escrita de Truman Capote. Não conheço mais ninguém que escreva e
descreva daquela maneira. Aliás, é ele o pai dessa forma diferente de
fazer jornalismo, um estilo que Capote introduziu nos anos 60. Também leio Tom
Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer, Joan Didion e tantos outros.
M.L: Quais foram as suas anteriores experiências nesta
área, antes de ir trabalhar para a televisão?
C.Q: Antes da
televisão: imprensa escrita e rádio. Chegando à televisão fiz produção, fui
guionista, fui assistente de realização. As produtoras são grandes escolas.
M.L: Na televisão, trabalhou na Televisão de Cabo
Verde e atualmente trabalha na TVI. Que balanço faz do tempo em que está no
canal?
C.Q: Todo este
caminho é uma eterna aprendizagem. E não me posso esquecer que foi na TVI que
me abriram as portas para a grande reportagem que tanto prazer me dá. Mas
acima de tudo, estou pronta para trabalhar. Hoje (mais do que nunca) há
que estar em todas as frentes. Em relação à Televisão de Cabo Verde assumir a
direção de informação da estação foi dos maiores desafios profissionais.
M.L: Como vê atualmente a TVI?
C.Q: Vejo toda uma
redação empenhada, vejo pessoas que dão tudo, que lutam por um trabalho de
qualidade. Fazemos noitadas. Continuamos com a mesma entrega. Aliás, não existe
outra maneira de nos mantermos nesta profissão. Chego a fazer 15, 16 horas por
dia. As pessoas normalmente não imaginam o trabalho que está por detrás de
qualquer formato televisivo.
M.L: Qual foi o trabalho que a marcou, durante o seu
percurso como jornalista?
C.Q: Vários. Em
Portugal, o caso dos doentes oncológicos que morrem em lista de espera é
escandaloso. No interior de Moçambique, as crianças e adolescentes
que todos os dias fazem horas de caminho a pé para chegar à escola. Tenho
sempre presente a Urgência do (Hospital de) Santa Maria em Lisboa, aquele
lugar onde se decide a vida e a morte. Também os miúdos que morrem à fome
em África. Mas nada é tão violento como a mutilação genital feminina.
Foi das piores coisas que vi, enquanto repórter, enquanto cidadã.
M.L: No passado dia 2 de Janeiro, foi exibida na TVI
uma reportagem da sua autoria intitulada “Bastidores”, onde mostrou os
bastidores da moda. Como é que surgiu a ideia de fazer esta reportagem?
C.Q: Os meus
trabalhos apontam quase sempre no sentido da defesa dos direitos humanos e são
reportagens que transportam uma grande carga emocional. Tenho consciência disso.
O que acontece é que pelo menos uma vez por ano acabo por propor a quem estiver
a coordenar a equipa, um trabalho menos pesado. Foi o que aconteceu. Sugeri a
reportagem sobre os bastidores da moda e correu muito bem. Foi uma descoberta.
Foi também um desafio. Sem futilidades, deu para revelar essa indústria que
escapa sempre à conjuntura da crise. Incluí a alta-costura, o calçado, a
cosmética. Repare que as casas estão mais baratas, mas o preço dos cremes não
baixa.
M.L: Como tem sido a reação do público à reportagem
até agora?
C.Q: As pessoas
reagem… É um fato. Gostaram da reportagem, sim, mas sempre que agarro temáticas
diferentes que fogem da linha a que o público se habituou escrevem-me a dizer
que o trabalho estava bem, mas tudo aquilo pouco ou nada tem a ver comigo. Por
várias vezes recebi mensagens nesse sentido: “Oh menina, tem é de fazer aquelas
reportagens que nos abrem os olhos”. É interessante observar esta atenção do
telespectador.
M.L: Qual foi o momento que a marcou, durante o seu
percurso como jornalista?
C.Q: Tantos… A
chegada a um dos maiores campos de refugiados do mundo, a responsabilidade da
entrega dos donativos na Jamba Mineira, o frente-a-frente com as vítimas da
mutilação genital feminina e com as mulheres que perpetuam essa prática, as
mortes e as glórias a que assisti, durante a temporada pela Urgência do (Hospital
de) Santa Maria, mas sobretudo a história de uma mulher que se inspirou numa
reportagem que fiz sobre violência doméstica e conseguiu finalmente libertar-se,
depois de quase duas décadas de maus tratos. Chorei (surpreendida), quando me
disse que ganhou a força de que precisava, depois de ter visto a minha
reportagem.
M.L: Como vê atualmente a Comunicação Social em
Portugal?
C.Q: Chamam-lhe o
4º poder. A Comunicação Social tem um papel fundamental em qualquer parte do
mundo. Sugere, influencia, pode alterar mentalidades. Carregamos uma imensa responsabilidade.
Por outro lado (uma vez que acredito que a reportagem é a essência do
jornalismo), vejo com atenção a indiscutível evolução do trabalho nesta área.
Jornais, rádios, televisões investiram seriamente no género reportagem e os trabalhos
são de grande qualidade na generalidade. É um bom sintoma.
M.L: Gostava de fazer uma carreira internacional?
C.Q: Não me
importava de ser correspondente em São Paulo temporariamente. Aproveitava e
fazia uma pós-graduação em jornalismo literário.
M.L: Este ano celebra 18 anos de carreira desde que
começou em 1994. Que balanço faz destes 18 anos?
C.Q: O tempo passa…
São 18 anos de muito trabalho. Levo uma vida corrida, mas sinto-me feliz,
continuo a fazer a minha caminhada. O jornalismo representa um significativo
pedaço da minha vida.
M.L: Como lida com o público que acompanha a sua
carreira há vários anos?
C.Q: As pessoas são
afáveis. Tento corresponder dentro da timidez que me acompanha nestas
situações.
M.L: Ao longo da sua carreira foi premiada por vários
trabalhos que fez. Como vê estas distinções que recebeu até agora?
C.Q: Nada se
consegue sem trabalho. O prémio reconhece exatamente todo esse esforço, motiva,
incentiva. Fico sempre muito grata, obviamente.
M.L: Qual foi a situação mais embaraçante que a marcou
até agora, durante o seu percurso como jornalista?
C.Q: Recordo-me de não ter conseguido pôr no ar, uma reportagem
sobre a morte de uma criança com cancro (ao que tudo indicava) por erro médico.
Isto aconteceu pouco depois de eu ter perdido a minha mãe. Não consegui fazer
esse trabalho. Fui a Grândola e regressei a Lisboa apenas com uma entrevista
gravada… que nem sequer consegui terminar. A minha mãe também foi vítima de
negligência médica...
M.L: Como vê atualmente Portugal e o Mundo?
C.Q: Atingimos a taxa de desemprego mais alta de sempre. É
assustador. E preocupa-me saber que Portugal é o terceiro país da União
Europeia com o maior número de desempregados entre jovens. É uma geração que
adia sonhos, que não pode assumir responsabilidades. Estamos sufocados pelos
impostos, as listas de espera nos hospitais são intermináveis, o número de
pobres aumenta drasticamente, as instituições sociais estão falidas, a exclusão
social é um fato e a solidão dos idosos é cada vez mais uma realidade nos
grandes centros urbanos, algo a que não deveríamos voltar as costas. É o mundo
às avessas. De qualquer maneira, destaco duas boas notícias no meio do caos: o
Fado transformado em Património Imaterial da Humanidade e algo inédito na
China: a redução do número de crimes que eram punidos com pena de morte mexendo-se
assim numa constituição que era intocável desde 1979.
M.L: Qual foi a pessoa que a marcou, durante o seu
percurso como jornalista?
C.Q: A Ana Leal
ensinou-me a olhar para os detalhes ao longo do processo de criação da
grande reportagem, algo apaixonante. A Manuela Moura Guedes deu-me a
oportunidade de entrar para a informação da TVI. Também me falou
(pacientemente) da especificidade da linguagem televisiva.
M.L: Qual o conselho que daria a alguém que queira
ingressar numa carreira no jornalismo?
C.Q: Disponibilidade, persistência, humildade, espírito de
sacrifício…
M.L: Quais são os seus próximos projetos?
C.Q: Estou a preparar o meu terceiro livro. Seria o quarto se não
tivesse sido assaltada. Na altura levaram-me o (computador) portátil. O livro
estava praticamente concluído e não o tinha guardado em mais lado algum.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda?
C.Q: Tanta coisa... Quero estudar literatura, quero saber mais
sobre jornalismo narrativo, quero fazer uma curta-metragem, tenho vários livros
por ler, vários filmes e documentários para ver. Quero viajar ainda
mais. Preciso de tempo. Há tanta coisa que quero fazer…ML
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