M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
A.D: Foi um processo que
se desenvolveu em mim de forma inconsciente. Era um hábito ir ao teatro, ao
cinema, ao bailado, a concertos... No meu núcleo familiar era habitual. O meu
pai partilhava comigo estes seus gostos. Lembro-me que conversávamos muito
sobre o que víamos, ouvíamos, mesmo em casa... Ele não dispensava a música,
punha um vinil, e, havia uma sinfonia de Tchaikovsky que ele gostava particularmente,
e de Mahler também, e íamos conversando sobre aquilo, sobre filmes... E depois,
na família, próxima, havia gente ligada ao meio, do teatro e da televisão,
portanto era um assunto habitual... Mas eu comecei pela Dança. Entrei no
Conservatório com 11 anos. Houve, na altura uma boa preocupação do Estado
quanto ao ensino artístico e era possível fazer as aulas de bailado e a escola.
Passados cinco anos essa preocupação estatal acabou e, como eu, ficou muita
gente sem poder concluir o curso. Só quem teve dinheiro para entrar em escolas
particulares pôde conciliar horários e continuar caminho.
M.L: Quais são as suas referências, enquanto atriz?
A.D: Não consigo dissociar
a minha profissão da pessoa que sou e, pessoalmente trago comigo boas
referências. O meu pai, um Ser Humano maravilhoso, sempre disponível para os
outros, impressionante, mesmo, e a minha filha, Sara Mendes Vicente, uma jovem
linda, cheia de força e de coragem, uma valente, um exemplo de resistência.
Admiro-a muito. E o meu marido, um exemplo de persistência, e de resistência
também. Profissionalmente fico fascinada com o Al Pacino, Meryl Streep, Ian
McKellen, James Dean em "Fúria de Viver" (1955), aquele "Hey
Stella!" do Marlon Brando em "Um Elétrico Chamado Desejo" (1951),
um grito que se entranha... Fica-nos na pele. Somos um produto do que passamos,
do que passa por nós e do que fazemos com tudo isso. É muito belo. E, mais
nomes que dissesse, das mais variadas áreas, das artes à Política, seria sempre
injusta, porque ia esquecer-me de tanta gente que trago comigo e tantos outros
que ainda não conheço.
M.L: Faz, essencialmente, teatro e televisão. Gostava
de trabalhar mais em cinema?
A.D: Faço essencialmente teatro e dobragens de animação. Em
telenovela tenho participações em quase todas elas, mas pequenas cenas. Apenas
em duas fiz parte do elenco. Sim, gostaria muito, mesmo, de trabalhar em
cinema. Mas o cinema, como todas as outras artes estão com inúmeras dificuldades
em sobreviver, e compreendo que precisem de audiências, e as audiências são
feitas através dos nomes mais conhecidos. Já não compreendo da mesma forma que
isto comece a ser uma prática no teatro, e seja já assumidamente a prática da
produção televisiva. O teatro terá de se impor de outras formas, com os apoios
estatais, obviamente, pois faz um serviço público e muito comunitário, através
de boa divulgação nos meios de comunicação, e a gravação de teatro em televisão
poderia ser uma ajuda ao gosto e à criação de públicos. E no ensino, nas
escolas, se houvesse um bom investimento por parte do Estado no ensino, o
teatro sairia a ganhar. A produção televisiva quanto à sua qualidade está um
caos. Os conteúdos são inúmeras vezes idênticos e de muito pouca qualidade. As
pessoas não “crescem” em nada, não acrescentam nada ao seu conhecimento, isto
numa perspetiva cultural. Pelo contrário, acho que regridem. Acho que há diversos
tipos de “lápis azul”. É a minha opinião.
M.L: Qual foi o trabalho que mais a marcou, até agora,
durante o seu percurso como atriz?
A.D: Tenho um percurso extenso, mas só desde há uns 6 anos tive
de facto as minhas melhores oportunidades. Tanto quanto às personagens que me
foram distribuídas como relativamente ao tipo de trabalho consciente,
organizado e burilado, que é a forma como decorrem os processos de trabalho na
Companhia de Teatro de Sintra/Chão de Oliva, com quem tenho participado mais
ultimamente. De há seis anos a esta parte tem sido nesta casa que tenho
crescido, e por isso todos eles me marcaram muito, desde “As Três Irmãs”, “A
Voz Humana”, a que eu hoje gostava de me atirar novamente, aos sketches do Karl Valentin em “E a cabeça
tem de ficar?”, etc.
M.L: Entre 2009/2010, participou na telenovela
“Perfeito Coração” que foi exibida na SIC, na qual interpretou a vilã Filipa. Que
recordações guarda desse trabalho?
A.D: Do “Perfeito Coração” guardo comigo a recordação de querer
ir mais além naquela personagem, o que não foi na altura possível. A personagem
tinha alguma relevância, mas não tão grande que fosse exequível “perder-se”
mais tempo com ela. A produção em televisão é uma vertigem constante, todos os
segundos contam, e, se a cena saiu correta, não há possibilidade de a tentar
melhor, porque já ficou certo assim. Mas tive pena, porque era uma personagem
engraçada de trabalhar e podia dar pano para mangas.
M.L: É mãe da atriz Sara Mendes Vicente. Como vê o
percurso que a sua filha tem desenvolvido até agora?
A.D: A Sara tem tido
algumas oportunidades, que ela própria tem construído, não lhe apareceram
apenas por sorte. Em 2008, estava na Universidade Nova de Lisboa e a fazer um
Curso de Teatro em simultâneo. É uma grande lutadora. Filmou “Últimos Dias”
(2009), uma curta-metragem da autoria e realização de Vasco Rosa, que estreou e
esteve em cartaz no Cinema City Alvalade, na SIC gravou a “Lua Vermelha”
(2010/2012), e a par disto participou com os Lisbon Players, dobrou séries de
animação na Dialectus, na Pim Pam Pum, na MDL, enfim… a Sara é barra, como se costuma
dizer, a dobrar, é uma atriz extremamente competente e rápida, e isso agrada
imenso aos estúdios, claro.
M.L: Em 2010, protagonizou o monólogo “A Voz Humana”
de Jean Cocteau, encenado pelo seu marido João de Mello Alvim e produzido pela
Companhia de Teatro de Sintra/Chão de Oliva, onde tem trabalhado mais desde
2008. Na sua opinião, de que forma este texto mantém-se atual, tendo em conta o
seu retrato da solidão?
A.D: “A Voz Humana”, do Cocteau, é um desafio monstruoso. Fala
de solidão e é ele próprio também um exercício solitário para a atriz. A contracena
não existe, é o telefone, e o que ela imagina que alguém do outro lado
possa estar a dizer, esforço que também é exigido ao espectador. É tudo “Um”,
repare, uma mulher, uma qualquer mulher, sem adornos na representação, uma
mulher anónima, um telefone, um espaço limitado como área de representação… acho
que foi um “grito” do Jean Cocteau, partiu segundo recordo da altura em que
andei em pesquisas, de várias divergências dentro do meio artístico que ele frequentava,
da crítica também… quer dizer, o teatro é uma comunhão, uma cerimónia, repare,
e ali deixa de haver a comunhão, porque, mesmo o espectador vê-se confrontado
com um exercício solitário. Hoje em dia, a solidão é também um assunto muito
presente, todo o tipo de solidão. Há acessos a tudo e mais alguma coisa em
termos de tecnologias, há inúmeras pessoas que nos rodeiam a cada minuto, e
muitos de nós vivemos completamente isolados na mesma. Penso, entre outras
coisas que, a velocidade, a forma vertiginosa como vivemos, a necessidade
enganosa do imediato e de que tudo tem de ser muito rápido, nos isola, porque
nos desvia da profundidade de algumas coisas na vida que têm mesmo de ser
pensadas e refletidas. Esta forma de vida tem-nos sido imposta aos poucos, e
não é inocente.
M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira
ingressar numa carreira na representação?
A.D: Que tenha um “Plano
B” à mão. Continua a ser muitíssimo difícil ser artista, seja de que área se
trate. E não é exclusivo do nosso país, atenção.
M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido,
até agora, como atriz?
A.D: Um balanço com coisas positivas e com coisas menos
positivas. Gostaria muito de ter tido algumas oportunidades mais cedo. Só se
cresce trabalhando.
M.L: Quais são os seus próximos projetos?
A.D: Estou a preparar um projeto meu, que não sei ainda quando
vou ter pronto, “O Conto da Ilha Desconhecida”, do José Saramago, para espaços
convencionais (salas de espetáculo), e não convencionais (Escolas, Bibliotecas,
etc.), e em Setembro vou voltar a trabalhar na Companhia de Teatro de
Sintra/Chão de Oliva para “As Criadas”, do Jean Genet, juntamente com a Sofia
Borges, encenação da Paula Pedregal e cenografia do Miguel Gorjão Clara.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda nesta altura da sua vida?
A.D: Gostaria de trabalhar no estrangeiro, em teatro, em
cinema, gostaria de trabalhar ainda mais em dobragens, adoro gravar desenhos
animados, e, olhe, gostaria de poder viver tranquila na minha atividade profissional,
que continua sendo uma atividade intermitente, menos no que respeita às
obrigações fiscais, essas são obrigatórias e implacáveis.
Sem comentários:
Enviar um comentário