segunda-feira, 22 de junho de 2015

Mário Lisboa entrevista... Rui Neto

Estreou-se na representação em 1999 com a peça "O Achamento" e desde aí tornou-se num dos atores mais dotados da sua geração, com um percurso que passa pelo teatro, pelo cinema e pela televisão (onde entrou em produções como "O Último Beijo" (TVI), "Queridas Feras" (TVI), "Floribella" (SIC), "Vingança" (SIC), "Resistirei" (SIC), "Sedução" (TVI), "Sinais de Vida" (RTP), "Sol de Inverno" (SIC) e "Água de Mar" (RTP). Além da representação, também tem experiência como encenador, e, recentemente, participou na peça "Amor e Informação" de Caryl Churchill, encenada por João Lourenço e foi premiada com o Prémio Autores na categoria de Melhor Espetáculo de Teatro. Esta entrevista foi feita no passado dia 14 de Junho.

M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
R.N: Foi por acaso. As praxes da Faculdade levaram-me até ao grupo de teatro da Faculdade e daí a curiosidade e o gosto que fui criando fizeram-me procurar mais formação e encarar o percurso artístico como uma possibilidade profissional. Sempre fui tímido e recatado. Nunca fui um espalha-brasas com uma grande “latosa”. Mas sempre gostei muito de ler e de brincar. De alguma forma entretinha-me nas minhas próprias brincadeiras e nas histórias que imaginava. Talvez tenha sido o primeiro passo para a criatividade artística.

M.L: Quais são as suas referências, enquanto ator?
R.N: O meu avô. Foi a pessoa que me ensinou a brincar, que perdeu tempo a contar-me histórias intermináveis, que me fazia sonhar com universos onde tudo era possível. É a ele que dedico o meu trabalho como ator, que me inspira a ser melhor ator e melhor pessoa. Claro que agora há inúmeros autores e artistas que me inspiram. (Samuel) Beckett talvez seja o autor onde me revejo mais no tipo de universo criativo.   

M.L: Qual foi o trabalho que mais o marcou, até agora, durante o seu percurso como ator?
R.N: Muitas vezes o trabalho que mais marca está também ligado ao período da vida em que se está. Uma coisa influencia a outra. Tive projetos que pela dificuldade em entrar neles foram extremamente marcantes. E outros que foram marcantes, porque estava a atravessar um período mais complicado a nível pessoal. Houve um atelier ainda no tempo da minha formação na ESTC, que me marcou muito pela descoberta que foi para mim enquanto ator. Era um trabalho sobre o “Macbeth”, de (William) Shakespeare. A intensidade e profundidade do trabalho que estava a ser orientado pela atriz e encenadora Joana Craveiro ainda hoje reconheço a marca que deixou.

M.L: Em 2007, participou na telenovela “Vingança” que foi exibida na SIC, na qual interpretou a personagem Fernando Semedo. Que recordações guarda desse trabalho?
R.N: Foi uma novela que fiz no decorrer do último ano do curso de ator na ESTC - o chamado Conservatório. Lembro-me de me sentir um canastrão e de achar que era exagerado chorar em quase todas as cenas, mas de alguma forma isso marcou essa personagem e acabou por fazer sentido. Lembro-me sobretudo de alguns momentos especiais na contracena com alguns atores que tive o privilégio de trabalhar, como a Carla Chambel, Paula Mora, Nuno Melo, Diogo Morgado, Filomena Cautela… que muitas vezes me inspiravam com o seu trabalho.

M.L: Como vê, atualmente, o teatro e a ficção nacional?
R.N: Naquilo que conheço, acho que há muita gente nova a mexer-se para ver os seus projetos concretizados, muitos criadores e atores que se juntam e dinamizam projetos artísticos de valor. Quanto às companhias, certamente passam por períodos complicados com cortes nos subsídios, e cada vez mais se torna complicado desenvolver uma programação coerente, e como ator ser chamado para produções teatrais... pois há cada vez menos meios e recorrem aos da “casa”. Em termos de ficção nacional, acho que as coisas estão bem lançadas e parece-me que existem diversos projetos com alguma diversidade em cada um dos canais, ainda que pudessem apostar mais em séries e noutros formatos que não novelas.

M.L: Em 2015, celebra 16 anos de carreira, desde que se estreou como ator com a peça “O Achamento” em 1999. Que balanço faz destes 16 anos?
R.N: Dizes que são 16 anos? Eu não sei. Não os contei. Parece que foi ontem. E para mim foi ontem. O balanço que faço é um bom balanço. Acho que tive boas oportunidades de trabalho, mas também uns pais que me apoiaram financeiramente. Creio que consegui fazer um trabalho diversificado em várias vertentes. Tenho pena de não ter tido maior fluidez nas oportunidades que foram surgindo, mas ainda assim não me posso queixar, porque de uma forma geral sempre consegui ter trabalho. A vida artística e sobreviveres dela, parece depender mais de vontades exteriores, lobbies, gostos, manias, birras, fetiches, agentes e oportunidades do que de valores relativos às competências e resultados artísticos, e solidez profissional. Neste País a nossa profissão não é reconhecida como deveria ser. Os artistas são trabalhadores a recibo verde, sem direitos nenhuns. A profissão não tem quem a defenda, quem crie estatutos profissionais, quem ponha em causa estruturas e entidades patronais no sentido de proteção de uma classe artística. Em Portugal só dois ou três têm carreiras sólidas, os outros ou são marcas com 100 mil Likes no Facebook ou ninguém sabe quem és.

M.L: Além da representação, também tem experiência como encenador. Em qual destas atividades em que se sente melhor?
R.N: A encenação é uma extensão do meu trabalho como ator. Não surgiu por uma decisão “ai agora vou encenar”. Aconteceu porque num determinado período tinha escrito um texto, e achei que faria sentido levá-lo a cena e dá-lo a conhecer ao público, e como era um monólogo demasiado íntimo, achei que não tinha distanciamento para ser eu a interpretá-lo. Quando dei por mim tinha escolhido um ator, estava a dirigi-lo e tinha estreia marcada. As responsabilidades de ser ator ou encenador são próximas e muito distintas em simultâneo. Como ator acabo por ser mais “egocentrado” na minha pesquisa, nas orientações do encenador que me dirigir. Como encenador, acabo por ter de me relacionar e delegar mais a uma equipa. E os nervos são diferentes: como ator é o medo de falhar, de não conseguir, é um medo pessoal; como encenador é um medo que as coisas falhem, que os outros não consigam, um medo mais exterior. 

M.L: Recentemente, participou na peça “Amor e Informação” de Caryl Churchill e encenada por João Lourenço, na qual interpretou múltiplas personagens. Na sua opinião, acha que devia haver mais produções teatrais diferentes e não-convencionais como esta?
R.N: Não acho este espetáculo particularmente diferente. A peça em si, foge um pouco à norma, devido à sua estrutura. Mas há milhares de peças que fogem à norma. E mesmo uma peça convencional poderá resultar num espetáculo extraordinariamente inesperado, ou exatamente o oposto,  dependendo de quem o encene. Cada vez existem mais “criadores” e menos “encenadores”. Os criadores talvez sejam artistas mais livres para inventar o teatro com balizas mais alargadas do que o texto aponta, cruzando diversas disciplinas artísticas que nem sempre são convocadas num teatro mais clássico. Acho que cada vez mais é esse o teatro que temos. Talvez nem todos tenham a sorte de terem a visibilidade que o “Amor e Informação” teve. Mas que existe bastante diversidade, lá isso existe. Fruto do desemprego e falta de apoios, muitos atores tiveram de se tornar criadores dos seus próprios projetos, dando origem a uma geração de uma vasta diversidade de estilos e estéticas, muito para além das companhias teatrais.

M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na representação?
R.N: Se achares que não tens nada a dizer, nada a acrescentar, ao panorama artístico então não percas tempo e vai fazer outra coisa. Se achares que sim, então aprende inglês e vai para fora. É difícil em todo o lado, a diferença é que lá fora quando tiveres uma oportunidade irás ser notado por ela. Cá ninguém quer realmente saber. É muito provável que tenhas talento e não tenhas trabalho. Não confundas ser ator com ser famoso. Não confundas ser um borracho com ter talento. Mentaliza-te que podes ter que ser tu a criar o teu próprio trabalho, e que não terás nunca um subsídio de desemprego. 

M.L: Quais são os seus próximos projetos?
R.N: Irei lançar o meu primeiro livro, com dois textos para teatro, no dia 24 de Junho, no Teatro da Trindade. Irei estrear uma criação minha, “Mechanical Monsters”, de 17 de Julho até 26 de Julho, no Teatro da Comuna, com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.

M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua vida?
R.N: Artisticamente, gostava de fazer cinema, como ator. Gostava de conseguir realizar alguns projetos de teatro importantes que estão na gaveta. Gostava de trabalhar com o Miguel Seabra.


Pessoalmente, gostava de ser pai e de ter disponibilidade financeira para fazer uma viagem longa, atravessar o Atlântico, ou pela Ásia.ML

Fotografia: Conceição Nunes

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