M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
D.B: O interesse pela
representação surgiu a partir do momento em que comecei a brincar, como com
todas as crianças que têm oportunidade para tal. O meu jogo preferido era o faz-de-conta
e nele cabiam todas as coisas. A vontade de ser atriz surgiu mais tarde, quando
percebi que o teatro era um lugar onde eu podia ser absoluta, onde encontrava
ferramentas para me descobrir e questionar. Quando chegou a hora de decidir o
que queria estudar, era sobre o teatro que eu tinha mais curiosidade e vontade
de aprender coisas e, por isso, foi uma escolha natural.
M.L: De tudo o que tem feito até agora como atriz, há
algum trabalho em particular que pode até considerar como o seu favorito?
D.B: O espetáculo “As Coisas
Pelos Nomes”, da Carruagem-Tráfego de Ideias, não só pela equipa, pelas pessoas
que reunimos, pelas coisas que descobrimos e dissemos, pelas memórias que
recordámos e criámos mas, sobretudo, pelo momento em que a minha avó me
agradeceu, de lágrimas nos olhos e com as mãos a tremer, por ter feito aquele
espetáculo.
M.L: A sua atividade profissional também passa pela
encenação, pela escrita, pela produção e pela formação. Tal como a
representação, estas áreas são indissociáveis para si?
D.B: Não me posso
considerar nem escritora, nem produtora. Todos os trabalhos que fiz nessas
áreas deram-me um enorme prazer e uma aprendizagem imensa, no entanto, por
respeito a todos aqueles que são brilhantes nessas áreas, não os assumo como
parte da minha atividade profissional. A encenação, ou a direção se quisermos,
tem sido sempre consequência dos projetos em que dou formação. E, respondendo à
questão, os projetos e as escolas em que dou formação são trabalhos tão
importantes e avassaladores, do ponto de vista do crescimento e da criação,
como o meu trabalho como atriz. Quando dou formação, não procuro ensinar
teatro, até porque eu ainda estou a aprender e sei muito pouco, mas procuro
usar as ferramentas que tenho para trabalhar, com cada grupo, o desenvolvimento
pessoal e relacional através da arte, para explorar o potencial único de cada
pessoa e criar pequenos espaço de mudança e de revolução (e o teatro permite
tudo isso).
M.L: É co-fundadora da companhia Carruagem-Tráfego de
Ideias que existe desde 2014. Como olha para a evolução da Carruagem nos
últimos 2 anos?
D.B: O que temos feito até
agora é muito pouco e acho que ainda não fizemos nem vivemos o suficiente para
nos afastarmos no tempo e podermos fazer essa análise. O único balanço que
posso fazer é sobre as pessoas com quem trabalho (a Sara, o André, a Mafalda, o
Luís, etc.), da forma como nos inspiramos e questionamos diariamente, sobre os
valores que defendemos, sobre as coisas em que acreditamos, e essas sim, estão
sempre a evoluir e a mudar. A Carruagem foi o lugar que criámos para fazermos o
que nos faz felizes, mas também para lutarmos, a par de tantas outras
companhias e colegas que admiramos, por condições que dignifiquem esta
profissão, não só pelos atores, mas também pelos figurinistas, cenógrafos, designers, técnicos, produtores, etc.
M.L: É natural do Porto. Sendo portuense e exercendo a
sua atividade profissional lá, Porto ainda hoje está de boa saúde
artisticamente a seu ver?
D.B: Fico tão feliz com
esta pergunta. Não só o Porto, todo o Norte. Respondo o seguinte: Erva Daninha,
Marácula, Musgo, Rei Sem Roupa, Teatro do Bolhão, Teatro a Quatro, Teatro
Municipal do Porto, Teatro Nacional São João, Coração nas Mãos, Umpor1, Teatro
do Frio, Palmilha Dentada, Disdascália, Art’Imagem, Cabeças no Ar e Pés na
Terra, Comédias do Minho, Teatro do Montemuro, e tantos nomes que ficam a
faltar, não só no teatro mas também na música e no cinema.
M.L: Trabalha frequentemente com o público infantil.
Que características têm encontrado nesse público específico e que considera
especiais e diferenciam do público mais adulto?
D.B: As crianças são
agentes de mudança. Como diria o Afonso Cruz: “O que farão os adultos se
milhares de crianças saírem à rua para reclamar os sonhos que eles se
esqueceram de continuar a sonhar, de pedir a justiça em que há muito deixaram
de acreditar?”. As crianças reclamam e questionam e isso obriga-nos a regressar
às nossas questões e a pormo-nos no lugar delas. Perguntem a uma criança de
oito anos o que é que ela tem a dizer sobre o ataque de ontem a um hospital
pediátrico em Alepo e perceberão que elas não podem, nem querem, ser
infantilizadas. Elas querem um lugar que lhes dê voz, onde lhes deem material
para pensarem e para se identificarem. As crianças são especiais porque, para
além do entretenimento, querem, sobretudo, pensamento.
Diana Barnabé e Sara Barros Leitão no espetáculo infantil "Pega-Monstros" que é produzido pela Carruagem-Tráfego de Ideias |
M.L: Considera-se como alguém que experimenta e
arrisca, porque só assim se descobre o caminho para atravessar o coração das
pessoas?
D.B: Bem, eu sei que
escrevi algo parecido com isso, mas já não sei se concordo. Primeiro porque, ao
ver espetáculos todas as semanas, vejo os meus colegas, esses sim, a
experimentarem e a arriscarem em coisas maravilhosas e que são verdadeiras
inspirações para mim. Sobre o caminho para atravessar o coração das pessoas,
talvez não seja preciso arriscar ou experimentar. Talvez essa descoberta
aconteça quando tentamos entender o outro, aceitá-lo e, nesse caminho, vamo-nos
conhecendo também, e questionando, e falhando, e aprendendo.
M.L: Que balanço faz do percurso que tem desenvolvido
até agora como atriz?
D.B: Esta pergunta devia
ser guardada para profissionais como o Pedro Gil, a Rosinda Costa, a Sandra
Faleiro, o Pedro Frias, o Nuno Lopes, o António Durães, a Luísa Cruz, a Maria
do Céu Guerra, por exemplo.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda nesta altura da sua vida?
D.B: Ser mãe.ML
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