M.L: Quando surgiu o interesse pelo Ensino?
M.O: O meu interesse pelo
ensino surgiu na universidade, ou melhor, se calhar esteve cá sempre e eu não
me tinha apercebido. Nessa altura tinha muitos interesses, era muito curiosa,
imatura, gostava de desafios e de fazer experiências no laboratório. Ingressei
na universidade com 17 anos e, tal como acontece com muitos dos meus alunos do
12º ano, não tinha a certeza de qual seria a minha futura profissão mas estava
certa que se centrava nas ciências. Terminei a Licenciatura em Química
Analítica aos 21 anos, trabalhei na investigação no departamento de Química da
Universidade de Aveiro (UA) e apercebi-me que não estava completamente
realizada apesar de considerar a experiência muito enriquecedora. Sempre gostei
de estudar em grupo e sentia-me muito confortável a trocar ideias e a explicar,
com sucesso, a alguns colegas conteúdos quando estudávamos para os exames.
Fui-me apercebendo que tinha que redirecionar os meus estudos e ingressei
novamente na UA tendo concluído a Licenciatura em Ensino de Física e Química
passados três anos.
M.L: Quais são as suas referências nesta área?
M.O: A minha mãe foi
professora e eu sempre vivenciei a escola através dela, admirava o seu
profissionalismo e a forma como se dedicava à escola e aos seus alunos. Adorava
vê-la a corrigir testes e às vezes pedia-lhe para “dar mais uns pontinhos”
quando o aluno estava muito próximo de 50%. Já no final de carreira, dizia-me
para não seguir o ensino que a profissão era muito desvalorizada pela sociedade,
que o ambiente nas escolas tinha mudado e que seria muito desgastante e
desmotivador para mim. A sua opinião, apesar de muito importante para mim,
acabou por não me demover daquilo que acabei por descobrir ser a minha paixão.
Ao longo do meu percurso tive bons professores mas recordo dois em especial que
me marcaram e me ajudaram a definir a minha identidade enquanto docente. O Dr.
João Oliveira, meu orientador de estágio científico e meu coordenador na
investigação no departamento de Química da UA, foi o meu grande mentor que
sempre me desafiou a superar-me e que foi responsável pela minha grande
indecisão entre a investigação científica e o ensino. A Dra. Fátima Paixão que
conheci aquando da minha licenciatura via ensino, deslumbrou-me pela forma como
conduzia uma aula, ouvia atentamente as intervenções, as dúvidas e receios dos
futuros professores. Foi a minha orientadora no mestrado em didática
da física e química que terminei em 2013 e continua a ser o meu pilar na
atualidade pois temos continuado a trabalhar juntas em alguns projetos. Não
posso deixar de referir os inúmeros colegas de trabalho com quem fui
trabalhando em várias escolas, que me marcaram muito pelo seu profissionalismo,
entrega e amizade.
M.L: Durante o seu percurso como professora, houve
algum momento em particular que a deixou muito orgulhosa de si própria e do que
faz como profissão?
M.O: Não sei se posso
eleger um momento particular que me tenha deixado orgulhosa pois, felizmente,
muitos foram esses momentos! Fico muito contente por manter o contacto com
alguns dos meus ex-alunos, como é o teu caso Mário, saber as novidades que têm
para me dar, festejar com eles os sucessos e apoiá-los nas suas fraquezas.
Aprecio quando os alunos vêm ter comigo na rua para me cumprimentar mesmo
correndo o risco de eu já não me lembrar deles. Fico orgulhosa dos prémios que
eles recebem na sequência de trabalhos que vou orientando. Orgulha-me também a
confiança que os Encarregados de Educação depositam em mim quando sou diretora
de turma solicitando a minha manutenção no cargo no ano subsequente. Acima de
tudo aquilo que mais me orgulha é o facto de me esforçar diariamente para
garantir a aprendizagem dos meus alunos respeitando sempre os seus ritmos e a
forma como aprendem. Portanto, orgulha-me muito o profissionalismo que assumo
na docência e o facto de este ser apreciado e valorizado pelos meus alunos.
Eu e a Manuela Ortigão no Centro Multimeios de Espinho. Uma das minhas melhores amigas que também foi minha professora. |
M.L: A Educação, no contexto português, tem passado
por tempos difíceis. Numa altura muito desafiante para esta área específica,
vale a pena lutar pelo futuro das gerações mais novas e assim diminuir a muita
ignorância que existe atualmente?
M.O: Não sei se concordo
com a palavra ignorância para classificar a geração de jovens da nossa
sociedade. Parece-me um chavão utilizado muitas vezes pelos mais velhos quando
denotam nestes jovens falta de cultura geral, e, nesse contexto posso concordar
parcialmente contigo. Repara no significado da palavra ignorância no
dicionário: “aquele que ignora; que não tem instrução, que não sabe bastante da
sua profissão”. Estamos na presença de uma das gerações mais qualificadas, que
enfrenta desafios terríveis no mercado de trabalho, a quem são exigidas
competências que não foram trabalhadas convenientemente na escola. Será que são
estes jovens ignorantes? Não creio. Estes jovens são o produto de um
desinvestimento na educação, da incongruência entre os curricula lecionados nas
escolas e as necessidades do mercado de trabalho, de uma falta de um ensino
centrado no aluno que o obrigue a pensar, a tomar decisões, a comunicar, a
colaborar e a sentir-se como agente ativo numa aula e não como mero espectador.
Precisamos de uma escola do século XXI pois os nossos alunos estão ávidos dela!
Será que vale a pena investir neles? Claro que sim. Dará muito trabalho uma
escola do século XXI, é preciso mudar mentalidades fomentando a colaboração,
repensar aquilo que é ensinado e como é ensinado nas escolas, valorizar os
professores e reconhecer o seu trabalho, dar-lhes condições de trabalho e
reduzir a sua precariedade.
M.L: Como professora, especializou-se em Físico
Química. O que a cativa mais nesta disciplina específica?
M.O: Como sabes esta
disciplina aborda duas grandes áreas da ciência: a física e a química. Se por
um lado é extremamente exigente pois obriga o professor a atualizar-se
cientificamente em duas ciências, por outro é apaixonante pois as ligações
entre estas e a matemática e as ciências naturais são uma constante. Esta
particularidade apela frequentemente à interdisciplinaridade o que me agrada
bastante e me ajuda a desmitificar a ideia de compartimentação que os alunos
têm acerca das disciplinas. Costumo dizer-lhes que não existem “gavetinhas”
fechadas onde se coloca a “matéria” de cada disciplina, é preciso estabelecer
ligações para que a construção do conhecimento faça sentido e perdure no tempo.
Outra das vertentes que me agrada muito nesta disciplina é a sua componente
laboratorial/experimental. Gosto muito de preparar atividades para os meus
alunos, fico um pouco apreensiva no início, às vezes até ansiosa, com a
possibilidade de não serem motivadoras para eles, ou de não conseguir atingir
os objetivos a que me propus. Quando oriento estas aulas, sinto-me como uma
criança pois partilho do entusiasmo deles, gosto muito de os ver experimentar,
tirar conclusões e sugerir alternativas. Aprendo muito com os meus alunos!
M.L: Tem viajado muito pelo Mundo profissionalmente e
também tem recebido prémios pelas Escolas onde tem trabalhado. Como é que se
sente ao conhecer culturas diferentes devido ao seu trabalho e também ao ter um
reconhecimento que na verdade é mais internacional do que nacional?
M.O: O facto de conhecer
lugares novos, culturas diferentes e simultaneamente partilhar experiências de
formação no estrangeiro tem sido uma mais-valia para mim. Gosto muito de viajar
pois é uma forma de aprender fantástica, que me cativa muito e tenho tido o
privilégio de o conseguir acrescentar à minha carreira profissional. A
colaboração com professores estrangeiros permite-me ter uma visão mais
abrangente relativamente à educação na Europa e simultaneamente perceber de que
forma é que eu posso contribuir para que no meu país os alunos tenham acesso a
oportunidades, projetos e atividades idênticas às dos seus congéneres europeus.
Este é um esforço acrescido ao trabalho que faço diariamente na escola pois
obriga-me a dedicar tempo também em formação contínua online na modalidade de MOOC, cursos ou videoconferência. Tento
também partilhar boas práticas letivas com a comunidade educativa na área das
ciências pois também sou co-autora de publicações em revistas nacionais e
internacionais e tenho participado também em algumas conferências nacionais e
internacionais como oradora. Relativamente ao reconhecimento a que te referes,
considero que os artigos que publiquei, as comunicações orais que fiz, os
projetos para os quais fui convidada, os prémios que recebi acabam por “dar
voz” ao meu trabalho. Nas diversas avaliações de desempenho que fui tendo, o
meu trabalho também tem sido apreciado e valorizado quer pelos meus
coordenadores quer pelos meus pares nas escolas por onde já passei. No entanto,
na minha carreira profissional todo este esforço não é reconhecido a nível nacional
porque a progressão na carreira de um professor em Portugal (está congelada há
anos…) não está centrada no mérito, não existem prémios de desempenho e um
professor para o MEC, infelizmente, não passa de um número. Talvez por isto
tudo, o meu trabalho acabe por ter mais visibilidade e reconhecimento
internacionalmente.
M.L: Trabalha como professora desde 2000. Que balanço
faz dos últimos 16 anos em que tem exercido essa atividade?
M.O: O balanço é positivo!
Tal como em todas as profissões os anos de experiência ajudam-nos a melhorar, a
enfrentar os desafios com maior maturidade e a lidar com as situações
analisando-as de uma forma mais ponderada e assertiva. Ter lecionado em 11
estabelecimentos de ensino não foi das experiências que mais me agradou pois
não me permitiu dar continuidade ao meu trabalho e os alunos acabam sempre
prejudicados com a instabilidade do corpo docente. A itinerância entre escolas
também me obrigou a esforços monetários acrescidos pois cheguei a percorrer 200
km diários para lecionar (há quem faça muito mais!), o que em nada contribuiu
para o meu bem-estar físico, psicológico e afetou a minha vida pessoal. Por
outro lado, esta experiência aguçou-me a capacidade de adaptação, a
perseverança, a resiliência permitindo-me perceber e assumir rapidamente as
funções que iria desempenhar em cada ano letivo. A recente entrada para os
quadros do MEC foi um alívio que veio acabar com a angústia anual que se gerava
quando se aproximava o final do mês de Agosto. Apesar de tudo, continuo a gostar
muito da minha profissão, “vesti a camisola de todas as escolas onde estive”
nunca as encarando como uma passagem, trabalhei muito, tive muitas alegrias,
conheci gente fantástica e, por isso tudo o balanço é positivo!
M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira
ingressar numa carreira na área do Ensino?
M.O: Ser professor
atualmente é muito duro principalmente no início de carreira. Provavelmente
daria o conselho que a minha mãe me deu quando eu tomei essa decisão mas com a
ressalva de que devemos seguir a nossa vocação e, se esta passar pelo ensino,
então temos que lutar por ela até onde for possível! Os nossos alunos
agradecem!
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda nesta altura da sua vida?
M.O: Tal como toda a gente tenho sonhos e coisas que
gostaria de fazer mas sou uma pessoa muito realista. Apesar de ter como lema de
vida “querer é poder” sei que muitas vezes isso não basta e, por isso, ligo-me
muito ao presente procurando desfrutar de tudo o que a vida me dá, não esquecendo
o meu passado e aquilo que me ensinou. Em relação ao futuro prefiro sempre não
fazer grandes planos pois também gosto de surpresas…ML
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