M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
S.G: Desde cedo que gostei
de fazer parte de pequenos espectáculos criados colectivamente em contexto
escolar e familiar. Era uma forma de brincar, de apreciar a música em
movimentos pré-definidos, exteriorizando em gozo o que a minha timidez não me
permitia. Mais tarde, por volta dos 12 anos, descobri o meu gosto pela
representação teatral através da leitura em voz alta nas aulas de Português. Mais
uma vez, apesar da minha timidez, tinha um gosto especial em dar qualidade às
palavras, sentindo-as e ajudando a formar uma imagem na mente dos meus colegas,
ouvintes no momento. E na altura, senti que a minha tão companheira timidez
estava a dar lugar a uma Sara comunicativa e com uma vontade enorme de abraçar
o Mundo sem medo. Comecei a pensar em ser actriz.
M.L: Quais são as suas influências, enquanto actriz?
S.G: Todo o meu estar em
Teatro, aprendi-o ouvindo o António Feio, nas aulas de então de Teatro, no
Centro Cultural de Benfica. Com ele aprendi a humildade da profissão, que não é
mais do que o reflexo de um estar na vida. Frequentei estas aulas a partir dos
meus 16 anos, idade em que estamos a formar a personalidade, até entrar na série
juvenil "Riscos" (RTP) com os meus 21 anos. Mais tarde, frequentei o
chamado "Conservatório" e terminei a sua Licenciatura em Teatro - Formação
de Actores, mas reconheço que todo o meu trabalho quer como actriz quer como
encenadora, somando-lhe a direcção de actores, bebe sempre das memórias e do
impacto que as aulas do António tiveram sobre mim, estética e eticamente.
M.L: Faz teatro, cinema e televisão. Qual destes
géneros que mais gosta de fazer?
S.G: Gosto de todos, pelo
desafio diferente que cada um provoca: a Televisão apura a intuição, a rapidez
de raciocínio; o Cinema, a profundidade da essência, o olhar reflexivo; o Teatro,
a inteligência da confiança.
M.L: Qual foi o trabalho que mais a marcou, até agora,
durante o seu percurso como actriz?
S.G: A personagem com que
me estreei profissionalmente, a Rita dos “Riscos”, ainda hoje reconhecida pelo
grande público, acompanha-me desde então, pela intimidade com que vivemos - eu
e ela - o grande impacto de fazer uma série televisiva que viria a mudar a
ficção nacional: foi um trabalho de uma entrega total, em viva paixão. Todos os
outros, e cada um em específico, tiveram o seu lugar de importância à época de
cada um, pelo papel formativo que cada um tem, e mais do que na minha carreira,
na minha vida - em cada um deles me descobri um pouco mais, função que legitimo
e privilégio à arte - o sentir e a sua consciência.
M.L: Entre 1999 e 2000, participou na telenovela “Todo
o Tempo do Mundo” que foi exibida na TVI, na qual interpretou a personagem
Leonor Baptista. Que recordações guarda desse trabalho?
S.G: Guardo um carinho
enorme, pois fui muito bem acompanhada pelo grande actor Ruy de Carvalho, que
tinha sempre uma palavra amiga, e pela enormíssima Eunice Muñoz que sempre me
encorajou muito, e que sempre me fizeram sentir como uma colega, apesar de nova
e praticamente estreante. Para além da satisfação de me ver a fazer parte de um
elenco que poder-se-ia chamar de peso, com muitos actores já com uma carreira
bem consagrada na televisão e no teatro. E onde tive o prazer de conhecer, e de
trabalhar de forma próxima, um outro actor que muito admiro, o João Perry, que
fazia a direcção de actores. Com ele, conheci melhor a minha Leonor, uma personagem
que muito admiro, pela firmeza e coragem, apesar da dureza que a vida lhe dava
a provar.
M.L: Como vê, actualmente, o teatro e a ficção
nacional?
S.G: Em mudança. Agora
mais o Teatro e o Cinema, do que a Televisão, que sofreu uma grande
transformação nos últimos quinze anos. Pois, o suporte da TV permanece, e o
Cinema e o Teatro, andam à busca de novas plataformas de actuação, com outros
meios, onde o factor tempo é o que mais sofre de mutação.
M.L: Além da representação, também é encenadora e
formadora. Em qual destas funções em que se sente melhor?
S.G: Gosto muito das duas.
Cada uma me preenche de forma diferente, no resultado, mas em ambas me satisfaz
a possibilidade de intervenção com o público, em espectáculo, ou com as pessoas
não-actores, em formação. É-me importante, que as suas vidas tenham sido
tocadas e transformadas, para lhes dar um novo sentido, e dar lugar à reinvenção
de cada um; para, na utopia, fazermos deste um lugar melhor.
M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira
ingressar numa carreira na representação?
S.G: Não dou, não sei dar.
Eu própria ando a perceber como é que "isto" funciona. Não sei se
ainda se pode falar de carreira de profissões, toda a organização de trabalho
está a mudar, e a área artística está a voltar aos tempos em que mais se fazia
por amadorismo a par dos empregos que fazia garantir o dinheiro ao fim do mês,
à semelhança do que se pode ver nos filmes do Vasco Santana; mas ao invés de
fazer rir como nas comédias, por nos tocar na pele, e após tanta mudança pela
legitimação da arte como ofício principal, nos agoniza em tragédia.
M.L: Que balanço faz do percurso que tem feito, até
agora, como actriz?
S.G: Quase que como em
suspenso, muito irregular, oscilando como uma corda bamba. O que me faz
continuar a prosseguir é o facto de gostar tanto de Teatro, onde me faz
sentir inteira e com uma missão, sendo esta a minha vara de equilíbrio e onde
sou feliz por gostar das diversas áreas que o mesmo tem para oferecer: neste
caso, encenar, dirigir, formar. E, por vezes, construir também os adereços, das
minhas próprias produções criativas. Sendo verdade que sinto que ainda tenho
requisitos de actriz para oferecer às personagens, conferindo-lhes atitude e
aspirações existenciais, sou muito feliz com a possibilidade de dar forma ao
meu pensamento através das criações de espectáculos, onde comunico com o
público pela intenção com que foram gerados em corpos de outros actores, e
através deles vivo. E gosto de assistir.
M.L: Quais são os seus próximos projectos?
S.G: Reestrei “A Bicicleta
Que Tinha Bigodes”, um espectáculo para a infância a partir de Ondjaki, em
Outubro, na sala-estúdio do Teatro da Trindade, onde esteve três curtas semanas
sempre esgotado. É nossa intenção vir a repôr numa outra sala em Lisboa,
prolongando a sua carreira, dando a possibilidade a mais pessoas de o ver. O
elenco conta com a Cláudia Semedo e o Tomás Alves, e é sobre um menino angolano
que quer ganhar a bicicleta do Concurso da Rádio Nacional de Angola e para isso
terá que escrever a melhor estória; apesar das várias peripécias entre as
ajudas e "conselhos" dos mais velhos, o olhar atento da Avó Dezanove
e a sabedoria feliz do Tio Rui, este espectáculo pretende trazer a magia da
poesia, através da fruição do tempo em qualquer idade - a meninice e a velhice,
sendo as palavras apenas um pretexto para ajudar a saborear a vida.
Entretanto, tenho já
outros espectáculos na cabeça, e estou em fase de adaptação em escrita.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda nesta altura da sua vida?
S.G: Realizar um filme (risos)? Essa fica ainda para a incerteza da vida. Esse gosto do
desafio tão bom: não saber o que vai de facto acontecer.MLEsta entrevista não foi convertida sob o novo Acordo Ortográfico.
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