M.L: Quando surgiu o interesse pela escrita?
C.M.D.A: O interesse pela
escrita dos outros surgiu muito cedo, desde a altura em que comecei a ler,
antes da escola. E nunca mais parou, claro. Demorei muito tempo até considerar
que poderia contar as minhas próprias histórias, feitas de histórias dos outros
e do que me foi dado viver. Comigo, tudo tende a acontecer
D-E-M-O-R-A-D-A-M-E-N-T-E. Gosto disso.
M.L: Quais são as suas influências nesta área?
C.M.D.A: Não sei,
sinceramente... Incorporo tudo aquilo que leio e que me toca, independentemente
de ser escrito «para crianças» ou não. Incorporo tudo o que vivo, sinto, ouço,
vejo e lembro, acima de tudo. Depois, quando escrevo, só quero esquecer-me de
quem sou e deixar que o inconsciente procure o que tem de procurar. Esse é
sempre o primeiro impulso para começar a escrever. Depois, vem a parte mais
racional e técnica, imprescindível, em que tento mandar o Superego às urtigas.
M.L: Qual foi o trabalho que mais a marcou, até agora,
durante o seu percurso como escritora?
C.M.D.A: Claramente, o meu
sexto e último livro: “Irmão Lobo”,
tão bem ilustrado pelo António Jorge Gonçalves (Planeta Tangerina, 2013). Vivi
mais de um ano com ele na cabeça e depois escrevi-o durante um Verão duríssimo,
em que me só apetecia estar na praia... Mas sabia que o tinha de escrever,
porque senão desaparecia. Não é um livro para crianças. É para adolescentes e
adultos, acho eu. Algumas crianças têm gostado, dizem-me, mas eu acho um bocado
violento. Elas lá sabem.
M.L: Além da escrita, também é jornalista. Em qual
destas funções em que se sente melhor?
C.M.D.A: Raramente me
sinto jornalista, até porque já se faz pouco jornalismo. Eu escolhi o «jornalismo
cultural», que é de todos o menos valorizado, ainda por cima. De qualquer modo,
nunca gostei do frisson jornalístico: a pressão do tempo, a confusão das
redações, os cafés no corredor e as tricas, ter de fazer trabalhos sem
interesse algum, receber ordens «superioras»... Não gosto disso e nunca me
adaptei; tenho uma má relação com a autoridade. Na escola secundária, escolhi
jornalismo porque tive uma professora com muita pinta, jornalista da TSF, que
me disse que eu tinha uma «escrita desenvolta». E também porque era um bocado
bicho-do-mato e, inconscientemente, sabia que me iria fazer bem cair no meio da
arena e ter de me desenvencilhar. Melhor e pior, assim o fiz.
M.L: Como vê, atualmente, a Cultura em Portugal?
C.M.D.A: A Cultura em
Portugal, atualmente. Portugal, atualmente, a Cultura. Atualmente, Portugal e a
Cultura. Por muitas voltas que se dê, andamos sempre às voltas. A Cultura não
interessa ao poder político e financeiro, a não ser quando lhes toca a receber
louros. À parte disso, há sempre gente que não se conforma e tenta fazer
qualquer coisa que saia da alma. É o que nos vale. A resistência à pequenez de
meia dúzia de insurretos.
M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira
ingressar numa carreira na área da escrita?
C.M.D.A: A escrita não é
uma carreira. Nem sei bem o que é. Uma forma de arte? Uma escolha? Uma espécie
de maldição em que não escrever é que é ter alta (parafraseando Fernando
Pessoa)? Enfim, eu diria que primeiro é preciso ler muito, ler os mestres.
Depois, procurar uma voz, abeirar-se da sua alma, debruçar-se na escuridão
interior. Arriscar, tentar, falhar, recomeçar, pôr-se sempre em causa. Não
saltar etapas. Não ligar muito a críticas nem a elogios. Ser coerente. Não
esperar nada e dar tudo. É mais ou menos como estar-se apaixonado. Às vezes,
lixamo-nos. Ninguém disse que ia ser fácil.
M.L: Que balanço faz do percurso que tem feito, até
agora, como escritora?
C.M.D.A: Positivo.
Evolutivo. Grato.
M.L: Quais são os seus próximos projetos?
C.M.D.A: Ainda este ano,
vai sair uma biografia da Ana de Castro Osório ilustrada pela Marta Monteiro,
na editora Pato Lógico. Estou a escrever um novo picture book para a
Caminho, após dois anos de ausência por razões editoriais. E assim que o
acabar, vou escrever o sucessor do “Irmão
Lobo”, que está já a ferver na minha cabeça e a pedir para ser escrito. Vamos
lá ver como me saio.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda nesta altura da sua vida?
C.M.D.A:
Gostava de ganhar dinheiro suficiente para comprar uma casa de madeira na ilha
Sul da Nova Zelândia e passar lá metade do ano. A escrever e a tosquiar
ovelhas.MLFotografia: Paulo Sousa Coelho
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