Olá. A próxima entrevista é com a cantora e atriz Mariana Norton. Filha da escritora Cristina Norton, desde muito cedo que se interessou pela música e pela representação e enquanto cantora tem-se dedicado nos últimos anos essencialmente à música jazz e partilhou o palco por exemplo com Júlio Resende e com Paula Oliveira, enquanto atriz passou pelo teatro, pelo cinema e pela televisão (onde entrou em produções como "Bons Vizinhos" (TVI), o remake da telenovela "Vila Faia" (RTP), "Liberdade 21" (RTP) e "Perfeito Coração" (SIC) e além da música e da representação também tem experiência como locutora tendo emprestado a sua voz em vários anúncios publicitários e filmes institucionais e é professora de voz na Escola de Jazz do Hot Clube (atual Escola de Jazz Luiz Villas-Boas) em Lisboa e atualmente faz parte do novo grupo do músico de jazz Bruno Santos intitulado Troika Ensemble. Esta entrevista foi feita por via email no passado dia 12 de Setembro.
M.L: Como é que surgiu o interesse pela música e pela representação?
M.N: Surgiu de uma forma natural. Através de brincadeiras com os meus irmãos: os programas de rádio, os pequenos teatros que inventávamos para mostrar aos mais velhos. As peças de teatro na escola. E a vontade começou a crescer. Sentia-me bem em palco e a interpretar personagens. A música também me acompanhou desde pequena, o meu brinquedo preferido era uma rádio e um mini-gira-discos. Gostava de cantar, mas era uma coisa mais pessoal. Cantava para mim no meu quarto, no duche (claro!), inventava melodias, mas não gostava que me ouvissem, eram os meus momentos. Só bem mais tarde, quando percebi que aquilo de que gostava tanto também agradava aos outros é que muito lentamente comecei a pensar na ideia de cantar mais a sério.
M.L: Como atriz fez teatro e televisão, mas pouco cinema. Gostava de trabalhar mais nesse género?
M.N: Claro!
M.L: Qual foi o trabalho que a marcou tanto como cantora e como atriz?
M.N: É difícil escolher, todos os trabalhos nos marcam de alguma maneira. Mas posso dizer que ter participado em "Confissões de Adolescente" marcou uma viragem na minha maneira de ser e de pensar como atriz. O contato com atrizes tão talentosas e mais novas que eu, mas que estavam nesse mundo desde pequenas foi extraordinário, uma ótima experiência e aprendizagem.
M.L: Já fez telenovelas. Este é um género televisivo que gosta muito de fazer?
M.N: A conversa que se ouve constantemente sobre os horários, a exigência, a rapidez com que se faz as coisas não é um mito. Mas eu penso que o que interessa mesmo é o trabalho que fazemos, a dedicação à nossa personagem e a aprendizagem e experiência que se adquire. Quer seja televisão, cinema ou teatro, o mais importante é isso: fazer o melhor possível.
M.L: Como lida com a carga horária, quando grava uma telenovela?
M.N: Acho que mais do que a carga horária é difícil lidar com o fato de não sabermos como vai ser a semana seguinte. Mas é uma questão de mentalização: este é o trabalho que me propus fazer agora e estas são as condições, portanto vamos a isso. Confesso que não sei bem como fiz uma licenciatura, concertos e dei aulas no Hot Clube ao mesmo tempo que estava em gravações, mas tudo é possível, dorme-se pouco, mas somos felizes! Atenção, também tive a sorte de trabalhar em projetos cuja produção era fora de série e me ajudaram a conseguir conciliar tudo.
M.L: Um dos seus trabalhos mais marcantes em televisão foi o remake da telenovela “Vila Faia” (RTP), onde interpretou a personagem Mariana Marques Vila. Que recordações leva desse trabalho?
M.N: Muitas! Levo comigo o prazer enorme de ter feito parte de uma produção dessa envergadura, de ter feito parte desse passo e do crescimento de uma produtora como a SP (Televisão), de ter conhecido atores que me inspiraram, ensinaram e alguns que se tornaram amigos até hoje. Por outro lado, foi a primeira vez que tive de lidar com a tal carga horária de que falávamos sendo que essa foi a parte mais difícil. Já não trabalhava em televisão há uns anos e tinha feito sempre pequenos papéis, estava habituada ao ritmo do teatro e tive de me adaptar.
M.L: Como é que se sentiu ao saber que ia integrar o elenco do remake da primeira telenovela portuguesa?
M.N: Fiquei muito contente. Não estava nada à espera e acho que foi uma sorte que o António Cordeiro (diretor de atores de "Vila Faia") se tivesse lembrado daquela "miúda" com quem tinha trabalhado nas gravações dos "Bons Vizinhos" (TVI) para fazer o casting. E foi uma honra ter sido escolhida para fazer de filha da Suzana Borges e do Virgílio Castelo e de neta da Simone (de Oliveira)!
M.L: Qual foi o momento que a marcou tanto como cantora e como atriz?
M.N: Há tantos momentos marcantes! Mas por exemplo, fiz parte de um projeto no CCB dirigido por um artista plástico italiano chamado "O Prazer da Beleza". Éramos só atrizes. Eu era a mais nova e mais inexperiente e a Glicínia Quartin a mais velha (mais uma vez que honra estar ali). Na altura, achava que ainda estava só a experimentar "ser atriz", mas quando num exercício, uma das raparigas pôs a tocar o "Beatriz" de Edu Lobo e Chico Buarque que nunca tinha ouvido antes não consegui conter as lágrimas e percebi que era inevitável, iria ser atriz. Como cantora, talvez tenha sido a primeira que pisei o palco do Hot Clube numa jam session. É um clube histórico que sempre admirei e respeitei tal como a própria música jazz e ter tido a coragem de dar esse passo e de repente aperceber-me de que estava naquele palco a cantar foi indescritível a sensação! Basicamente, são os momentos únicos em que fazemos algo fora do normal e o conseguimos fazer com toda a coragem e gozo.
M.L: Como vê atualmente a música portuguesa em geral, o teatro e a ficção nacional?
M.N: De uma forma geral, sinto que há um florescimento. Sinto que os preconceitos estão a cair e há cada vez mais alternativas para diferentes gostos. No entanto, ainda sinto que o que é comercial dita a regra e que seria bom que o público arriscasse mais, que não gostasse só daquilo que o vizinho também gosta, daquilo que passa mais vezes na rádio, em primetime na televisão ou num espetáculo com mais projeção mediática. Gostava que houvesse mais interesse no novo e diferente que pode ser igualmente bom ou até melhor. Há muitos artistas em Portugal com vozes novas e diferentes que merecem ser ouvidas.
M.L: Gostava de fazer uma carreira internacional?
M.N: Não é uma ideia que ponha de parte.
M.L: Quais são as suas grandes influências, enquanto cantora?
M.N: Ella Fitzgerald, Elis Regina, Björk, Tori Amos, Erykah Badu, Fiona Apple, Beate S. Lech (vocalista de Beady Belle), Maria João, Barbra Streisand. Entre muitas cantoras que admiro foram estas talvez as que mais me assoberbaram, maravilharam e inspiraram. Todas muito diferentes entre si em termos de voz e sua utilização e em termos estilísticos, mas cada uma tem qualquer coisa de especial que as separa das outras. Não quer dizer que hoje ainda as oiça a todas tão amiúde como outrora, mas sem dúvida que marcaram o meu crescimento como cantora.
M.L: Qual foi o concerto que fez e que a marcou até agora?
M.N: Se me é sempre difícil enumerar o melhor ou o mais marcante nesta questão é-me impossível. Em cada etapa do meu caminho como cantora há momentos marcantes nenhum mais do que o outro, apenas diferente. Talvez um dia mais tarde, quando olhar para trás consiga perceber qual foi o mais marcante.
M.L: Qual foi a pessoa que a marcou tanto como cantora e como atriz?
M.N: Numa viagem difícil como esta, as pessoas que me marcaram foram aquelas que acreditaram em mim, me encorajaram e me inspiraram. Pessoas que marcaram sem sequer saber que o fizeram. A palavra certa no momento certo pode mudar a nossa vida.
M.L: Além da música e da representação também tem experiência como locutora tendo emprestado a sua voz em vários anúncios publicitários e filmes institucionais. Este é um tipo de trabalho que gosta muito de fazer?
M.N: Adoro. É um momento em que estou a fazer trabalho de atriz, mas só concentrada na voz. É um lugar muito confortável para mim para além de ser interessante, desafiante e divertido.
M.L: É filha da escritora Cristina Norton. Como vê o percurso que a sua mãe fez até agora?
M.N: O destino da minha mãe era ser escritora, mas só mais tarde é que encontrou o espaço e tempo para isso (apesar de ter editado um livro de poesia na Argentina ainda adolescente) e dedicou-se com toda a força, tenacidade e talento e rapidamente se tornou num nome da literatura nacional. O meu pai (José Norton) teve um percurso similar. Apesar de ter sempre adorado história e arqueologia seguiu economia. Mais tarde, as circunstâncias da vida empurraram-no para aquela que é a sua verdadeira vocação e hoje tem quatro biografias publicadas e mais uma a caminho. É com enorme orgulho e felicidade que acompanho o percurso e os livros dos meus pais desde que têm uma ideia até sair o primeiro exemplar. É uma contínua inspiração. Apoiamo-nos muito uns aos outros.
M.L: Recentemente fez 31 anos. Como é que se sente ao chegar a esta idade?
M.N: Com 21, mas com a cabeça no sítio.
M.L: Que balanço faz da sua carreira?
M.N: "So far, so good." como diz o meu pai.
M.L: Quais são os seus próximos projetos?
M.N: O mais concreto é gravar o meu disco. E trabalhar como atriz, sempre.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda?
M.N: Escrever.
M.L: Se não fosse a Mariana Norton, qual era a cantora ou atriz que gostava de ter sido?
M.N: Estou contente com o que me calhou na "rifa" e raramente imagino o que seria ser este ou aquele, porque acredito e cultivo que temos de ser felizes com quem somos! Mas se pudesse viver uma hora da vida de alguém não me importava de saber como seria cantar como a Ella Fitzgerald ou representar como a Meryl Streep.ML
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