M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
B.G: A minha
vocação artística apareceu muito cedo, as minhas brincadeiras giravam em torno
do teatro com o seu potencial lúdico e mágico. Venho de uma família de
artistas, os meus pais são atores, os meus irmãos também, até a minha avó. Costumava
juntar os filhos dos amigos dos meus pais e criava verdadeiros espetáculos com
eles, eu criava, dirigia e produzia as nossas brincadeiras. Eu também fazia
teatro na escola. Um dia, o António Abujamra, um grande diretor de teatro e
amigo dos meus pais, assistiu a essas apresentações, ele avisou-me que eu
estrearia com ele e assim foi, aos treze anos de idade, no espetáculo "O Efeito
dos Raios Gama nas Margaridas do Campo" de Paul Zindel, um texto premiado
com o Prémio Pulitzer, junto da minha mãe Nicette Bruno e da minha avó Eleonor
Bruno. A minha mãe recebeu todos os prémios de Melhor Atriz de 1974 e eu fui
indicada para o prémio de "Revelação do Ano". Daí para frente não saí
mais dos palcos, já são 40 anos de teatro.
M.L: Quais são as suas influências, enquanto atriz?
B.G: As minhas influências
vêm de um teatro contemporâneo seguindo a linha de pesquisa como Peter Brook, Pina
Bausch, Ariane Mnouchkine, Eugenio Barba ou Bob Wilson. Gosto de um teatro que
se questiona, que busca uma linguagem mais universal, usando novas formas de
comunicação com o espaço. Onde o corpo e a musicalidade fazem parte da
dramaturgia, tem influência no conteúdo da mensagem como nas artes plásticas.
Busco uma arte que interage com diversas manifestações artísticas. Na minha
formação trabalhei com alguns diretores que desenvolveram as suas próprias
linguagens como António Abujamra, Gerald Thomas, Jorge Takla, Amir Haddad, Celina
Sodré e Enrique Díaz, entre outros.
M.L: Faz teatro, cinema e televisão. Qual destes
géneros que mais gosta de fazer?
B.G: Fui criada no teatro,
é a minha segunda casa e não consigo ficar muito tempo longe do palco, mas
gosto muito de fazer televisão e cinema. São linguagens diferentes e todas elas
têm a sua beleza e magia. Comecei muito cedo também na televisão o que dá uma
intimidade com o veículo e com o público. No cinema trabalhei menos do que
gostaria e aguardo sempre uma nova oportunidade para esta arte tão fascinante.
Podemos aprofundar temas e discussões relevantes para a sociedade, fazer
críticas, denúncias. O cinema não precisa de fazer concessões, é mais independente.
M.L: Qual foi o trabalho que mais a marcou, até agora,
durante o seu percurso como atriz?
B.G: O meu último espetáculo "Simplesmente Eu, Clarice Lispector" é,
sem dúvida, um divisor de águas na minha carreira. Nele apresento-me não só
como atriz mas também como criadora, assino a dramaturgia e direção deste
espetáculo e revelo-me em cena tanto quanto a personagem principal pois
apresento as minhas ideias e os meus valores, o meu olhar e a minha estética
que se misturam com o universo de Clarice Lispector. Talvez tenha sido ela que
me deu o empurrão criativo do auto-conhecimento e da linguagem autoral.
M.L:
Como vê, atualmente, o teatro e o audiovisual (Cinema e Televisão) no Brasil?
B.G: Passamos todos por uma renovação, o Mundo
precisa de reciclar-se de tempos em tempos.
Vejo uma influência grande da Internet na maneira de
ver televisão, por exemplo, agora é tudo mais interativo, com a participação do
público nas decisões e definições de algumas personagens, na escolha de um
grupo de música, ou na formação do casal que mais agrada. A informação
atingindo a dramaturgia de uma forma mais decisiva e direta, isto tira do autor
a responsabilidade total da criação, ele fica um pouco à mercê da vontade do
público, a novela é um produto extremamente popular e depende da audiência. A
tendência é a massificação deste produto onde a maioria é quem decide o destino
da obra mas em compensação vejo o surgimento de novos autores e uma qualidade maior
de imagem o que torna a TV mais parecida com o cinema.
No teatro é diferente, os autores e diretores fazem um
vôo mais alto nas suas propostas criativas mas sofrem com a falta de público que
assola as casas de espetáculos pelo País. Os espetáculos de maior sucesso são
as comédias e os musicais salvo raras e meritórias exceções. Percebo
que o público pede uma nova maneira no fazer teatral, novas linguagens, novas
propostas para atrair um público diferenciado e carente. Os grupos que
desenvolvem a sua pesquisa já têm o seu público cativo o que comprova a minha
teoria. Precisamos de uma formação de plateia e o fomento do hábito cultural
mais intenso no nosso País. Tudo começa na educação.
No cinema estamos na fase das comédias depois do
sucesso dos filmes de ação que fizeram a imagem do Brasil lá fora. Agora com a
participação da Globo Filmes, um numero maior de público está descobrindo o
cinema nacional e o humor é um caminho que atrai a grande maioria e tem a
televisão como aliada neste caminho.
M.L:
Gostava de ter feito uma carreira internacional?
B.G: Acho que todos os artistas têm este sonho de
expandir os seus horizontes, ampliar a sua área de ação e troca. Conhecer novas
culturas e relacionar-se com elas. Afinal somos cidadãos do Mundo e quando
ampliamos o nosso olhar aumentamos o nosso conhecimento e podemos trocar
experiências e descobertas. É um grande desafio que gostaria muito de
vivenciar!
M.L:
É filha do recém-falecido ator Paulo Goulart e da atriz Nicette Bruno. Como vê
o percurso que o seu pai desenvolveu até falecer e o percurso que a sua mãe tem
feito até agora?
B.G: Os meus pais ajudaram a escrever a História do
Teatro Brasileiro e da Televisão Brasileira. Ambos têm trajetórias de sucesso.
O meu pai participou numa das primeiras novelas da TV
Globo, "A Cabana do Pai Tomás", "Verão Vermelho" (TV Globo),
"Uma Rosa com Amor" (TV Globo) e inúmeras outras.
A minha mãe foi uma das grandes atrizes da TV Tupi
onde fez "Éramos Seis", "A Gordinha", entre outras. Os dois
trabalharam antes na TV Excelsior e juntos na TV Globo com "Mulheres de
Areia", ela também ficou conhecida como a Dona Benta do "Sítio do
Picapau Amarelo" (TV Globo), um grande sucesso entre as crianças, as
últimas novelas foram "A Vida da Gente" (TV Globo), "Salve
Jorge" (TV Globo) e "Joia Rara" (TV Globo).
O meu pai participou em grandes filmes como "O Grande
Momento" (1958) de Roberto Santos e "Rio, Zona Norte" (1957) de
Nelson Pereira dos Santos.
Foi no Teatro que se conheceram e fizeram a sua
história, a minha mãe era dona da Companhia "Nicette Bruno e Seus Comediantes"
e o meu pai foi contratado como galã, casaram e tiveram três filhos, três
Teatros e realizaram várias produções de sucesso. Cada um deles
deu a sua contribuição valorosa nas suas carreiras e construíram uma imagem de
respeito, dignidade, talento, união e amor. Toda a nossa família é ligada às artes
e isso rendeu-nos o Prémio Shell de 2006 pela contribuição ao teatro. Somos Frutos do amor deles e com eles semeamos o
amor pelo Teatro e pela Humanidade. Eles
são os nossos maiores exemplos!
M.L:
Atualmente, participa na telenovela “Vitória” que está em exibição na TV
Record, na qual interpreta a personagem Clarice. Como estão a correr as
gravações?
B.G: Está indo muito bem. A Clarice é uma personagem
cativante, ela é muito amorosa e maternal. Apesar da sua fragilidade ela vai
contribuir para que o amor seja mais importante do que a vingança e que sempre
é possível superar as dificuldades da vida.
M.L:
“Vitória” é da autoria de Cristianne Fridman, com quem já tinha trabalhado na
telenovela “Vidas em Jogo” (TV Record, (2011/2012). Como é trabalhar com ela?
B.G: É muito
bom! A Cristianne não faz personagens óbvias, todas são ambíguas como na vida,
ninguém é só bonzinho ou só malvado. Todos têm o bem e o mal dentro de si, o
que faz com que fique muito mais interessante a personagem e a história que
está sendo contada. Ela surpreende a todos nós, quando a gente pensa que é uma
coisa ela vem e muda tudo, é instigante e divertido!
M.L:
Como tem sido a reação do público a este projeto até agora?
B.G: Tem sido
muito positivo, a novela está muito bem feita, com uma bela fotografia,
direção, o elenco é de primeira com excelentes trabalhos. Uma novela forte com
grandes emoções e denúncias.
M.L:
Qual conselho que daria a alguém que queira ingressar numa carreira na
representação?
B.G: Tenha
paciência e persistência. Fazemos uma arte de resistência, enfrentamos uma
série de obstáculos, nada é fácil. A concorrência é grande. Se não amar e não
se dedicar ao seu ofício um outro vem e você perde o lugar. Nada é garantido,
lidamos com o risco o tempo todo. Risco de não ficar bom, do público não
gostar, de não conseguir dinheiro para produzir, risco da crítica destruir-te
mas quando se acredita na obra estes riscos viram estímulos para que você se
supere em cada trabalho, esta também é a beleza da nossa arte. É uma arte viva,
depende de você e do público!
M.L:
Que balanço faz do percurso que tem feito, até agora, como atriz?
B.G: Sou uma
atriz inquieta sempre em busca de novos desafios e isso reflete-se no meu
trabalho. Gosto de dar depoimento naquilo que faço, de comprometer-me com o
resultado, como se assinasse em baixo do que faço. Posso errar nas minhas
escolhas mas elas serão por inteiro. Gosto de intensidades e me jogo naquilo
que acredito. Gosto de sair da zona de conforto e descobrir o que ainda não
conheço. Encanta-me o risco do vôo!
M.L:
Quais são os seus próximos projetos?
B.G: Adaptei
para Teatro o Livro "Perdas e Ganhos" de Lya Luft que vou dirigir com
a minha mãe, este é o maior desafio deste ano. Além da novela, preparo para o
ano que vem o regresso de "Simplesmente Eu, Clarice Lispector" viajando
pelo Brasil e quem sabe Portugal, recebemos um convite para apresentar o espetáculo
por aí, seria maravilhoso!
M.L:
Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda nesta altura da sua
vida?
B.G:
O meu grande sonho é construir um Centro Cultural que
fosse uma escola de arte. Adoraria desenvolver um projeto que me desse a oportunidade
de trocar experiências com profissionais de outros Países e fizéssemos um intercâmbio
de conhecimentos. Trazendo para os estudantes a oportunidade de conhecer e
desenvolver as suas potencialidades criativas. Ter um espaço para criar e
provocar a criação! Quem sabe um dia...ML
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