M.L: Quando surgiu o interesse pela escrita?
F.M.F: Desde muito
novo. O meu primeiro trabalho foi uma peça de teatro, escrita aos 18 anos, para
a récita de finalistas do liceu que frequentava. Fui muito influenciado pelo
meu professor de Português que me acompanhou durante três anos, naquilo que é
hoje o 7º, 8º e 9º ano e depois, já sem me dar aulas, continuou a estimular o
meu apreço pela leitura e pela escrita.
M.L: Quais são as suas influências, enquanto escritor?
F.M.F: Não sei se
gostar de alguns autores condicionou a minha forma de contar histórias. No que
respeita à carpintaria dramática sou claramente influenciado por (William) Shakespeare,
o autor de teatro que mais tocou, e toca, a minha sensibilidade. Porém, sou
filho de muitos pais e de muitas mães. Fui tocado pela ironia cínica de Eça (de
Queiroz), pela paixão de (Almeida) Garrett, pela estética de António Vieira, pelo
génio de (Miguel) Torga e de Sophia (de Mello Breyner Andresen), pela dureza de
Soeiro Pereira Gomes e de Jorge Amado, pela sátira de Bocage, pelo olhar
superior de Antero (de Quental) e de (Fernando) Pessoa. Enfim, uma galeria de
santos laicos que habitam a minha memória mais viva.
M.L: Escreve, essencialmente, para literatura e para
televisão. Qual destes géneros que mais gosta de escrever?
F.M.F: É verdade
que o romance e a televisão (séries) são a parte mais significativa da minha
obra. Porém, escrevi cinco filmes e quatro peças de teatro. Neste momento estou
motivado para o romance. Escrevo com maior liberdade e menos auto-censura. Porém,
tudo é uma questão de técnica narrativa e gosto das duas técnicas. A finalidade
é sempre a mesma: contar histórias.
M.L: Qual foi o trabalho que mais o marcou, até agora,
durante o seu percurso como escritor?
F.M.F: Pessoalmente,
aquele que mais me marcou foi uma série que escrevi para a RTP chamada “A Raia
dos Medos”. Contava a história da Guerra Civil de Espanha vista pelos olhos dos
portugueses raianos. O sofrimento e aflição de uma Espanha dilacerada pela
guerra fratricida. Ora acontece que eu sou originário da raia. Sou de Moura e
tenho família de Barrancos. Recolhi testemunhos dessa época, estudei com putos
filhos de espanhóis que tinham fugido da guerra, vivi a minha infância ainda
sobre a ressaca desses terríveis acontecimentos e, na série, contei histórias
de pessoas que conhecera quando era menino. Foi um grande envolvimento pessoal.
M.L: Foi coautor da série “Polícias” que foi exibida
na RTP entre 1996 e 1997, na qual foi inspirada no caso do Estripador de
Lisboa. Que recordações guarda desse trabalho?
F.M.F: Escrevi esse
trabalho com o meu querido amigo Luís Filipe Costa. Foi um bom momento. Não só
pela parceria como pelas histórias que íamos criando para acompanhar a história
do Estripador. Tenho saudades desse tempo.
M.L: “Polícias” foi realizada por Jorge Paixão da
Costa, com quem trabalhou várias vezes. Como foi trabalhar com ele?
F.M.F: O Jorge Paixão
da Costa é um dos melhores realizadores portugueses e, seguramente, uma
referência ímpar no que respeita à narrativa televisiva. Fizemos muitos
trabalhos juntos. Entre muitos, destaco “A Ferreirinha” (RTP). Uma peça
brilhante de televisão que deve muito ao talento de Paixão da Costa.
M.L: Além da escrita, também tem experiência como
polícia e como político. Em qual destas funções em que se sente melhor?
F.M.F: Realizei os
meus sonhos de criança. Queria ser detetive e escritor. A política não passou
de uma experimentação que me deu algum prazer mas não me fascinou para dela, ou
nela, fazer carreira. Fui detetive com um grande prazer. Agora estou reformado.
Continuarei escritor porque é a minha vida e sem escrever ela deixa de fazer
sentido.
M.L: Como vê, atualmente, a Cultura em Portugal?
F.M.F: No que
respeita à cultura como produção criativa, vejo um Portugal mais forte do que
há trinta ou quarenta anos. Mais jovens atentos e criadores em vários domínios
da arte, da literatura à pintura. Da música à escultura. No que respeita ao
Estado e à sua relação com a Cultura é uma tragédia. Inverteu-se a pirâmide de
valores. O economicismo e o individualismo marca ideologicamente o poder, tornando
a Cultura num epifenómeno mais ou menos desprezível.
M.L: Gostava de ter feito uma carreira internacional?
F.M.F: Gostaria de
ter uma mais intensa carreira internacional. No entanto, tenho várias obras
traduzidas em várias línguas e alguns livros, como foi o caso de “O Sangue da
Honra” que foi editado primeiro em Itália e só depois em Portugal. Seja como
for, qualquer criador tem uma costela narcísica que potencia o prazer na divulgação
da sua obra e veria com bons olhos uma maior divulgação da minha obra.
M.L: Como lida com o público que acompanha sua
carreira há vários anos?
F.M.F: Temos uma
relação de proximidade. Viajo muito, faço muitas sessões de autógrafos,
conferências, partilho com os meus leitores na medida das minhas possibilidades
o que sentimos pelo trabalho que vou produzindo. Por exemplo, agora saiu o meu
romance “Segredos de Amor e Sangue”. Em quinze dias esgotou a primeira edição
de dez mil exemplares. Passou um mês desde o seu lançamento e vai na 2ª edição
e eu, ao longo deste período, fiz dezoito sessões de autógrafos pelo país e
tenho agendadas mais 20 até meados de Agosto. Como vê, há uma relação muito
estreita com quem me lê.
M.L: É casado com atriz Filomena Gonçalves. Como vê o
percurso que a sua esposa tem feito até agora?
F.M.F: A Filomena é
uma das maiores atrizes da sua geração. Reconhecida pelo público e pela
crítica. Fez trabalhos excecionais que ficarão na história da ficção
portuguesa.
M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira
ingressar numa carreira na área da escrita?
F.M.F: Não desistir
e resistir. Quem está apaixonado não pode desistir porque não aparece o editor
interessado ou porque se fecham portas repetidamente. É preciso ser humilde perante
o nosso trabalho e interpelá-lo. Saber se valeu a pena, se pode ser melhorado, se
efetivamente não é a obra-prima que nós julgamos que possa ser. Uma carreira
como escritor constrói-se com muito trabalho, com muita persistência, passo a
passo, e, acima de tudo, com uma grande paixão.
M.L: Que balanço faz do percurso que tem feito, até
agora, como escritor?
F.M.F: Ainda é cedo
para balanços. Tenho 61 anos. Muito trabalho já feito e muito caminho para
andar. Daqui por vinte anos faremos esse balanço.
M.L: Quais são os seus próximos projetos?
F.M.F: Estou a
trabalhar num ensaio sobre investigação criminal e preparo um romance sobre Luísa
de Gusmão a sair no próximo ano.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda?
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha feito ainda?
F.M.F: Nada de
especial. Tenho uma vida intensamente vivida e sinto-me como Pablo Neruda,
confessando que vivi.
M.L: O que é que gostava que mudasse nesta altura da
sua vida?
F.M.F: Gostava de
viver num país com mais decência. Portugal está a viver dramaticamente um dos
seus mais degradantes períodos e tenho muita pena de ver os meus netos a
crescerem numa terra dominada por interesses mesquinhos.ML
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