M.L: Quando surgiu o interesse pela escrita?
T.R.S: Não
tenho bem a certeza. Lembro-me, quando era miúdo e andava na quarta classe,
escrevi uma composição que a professora gostou imenso. Era fraquinha, uma
daquelas histórias onde, no final, era tudo um sonho, o que é sempre um
mecanismo narrativo trapaceiro. Mas recordo-me que gostei da sensação de
entreter alguém com alguma coisa que tinha inventado, tanto que, ao mudar de
escola quando passei para o 5º Ano, voltei a escrever a mesma composição para
uma nova professora. Ou seja, talvez tenha sido aí que descobri que até gostava
de escrever. E também que era incrivelmente preguiçoso.
M.L: Quais são as suas influências nesta área?
T.R.S: Se nos estamos a
referir ao guionismo, os primeiros nomes que me surgem são Quentin Tarantino (foi
ao assistir a “Pulp Fiction” (1994) pela primeira vez que pensei “uau, deve ser
muito divertido escrever estes diálogos”), David Mamet (pelo ritmo e acidez da
linguagem), Paddy Chayefsky (porque era brilhante) e Robert Towne (o “Chinatown”
(1974) é um filme estruturalmente perfeito). Na literatura, confesso que as
minhas influências são também maioritariamente americanas: Don DeLillo, Charles
Bukowski, Philip Roth ou Kurt Vonnegut e agora Junot Díaz, mas também um pouco
de Rubem Fonseca.
M.L: Tem desenvolvido o seu percurso como escritor nas
áreas da literatura, cinema e televisão. Gostava de, um dia, escrever para
teatro?
T.R.S: Sem dúvida. Gosto
de contar histórias, seja em que formato for. Já escrevi e encenei uma
micro-peça e, se tudo correr bem, espero ver a minha primeira “peça longa” nos
palcos durante o próximo ano. Já está escrita e tudo.
M.L: Qual foi o trabalho que mais o marcou, até agora,
durante o seu percurso como escritor?
T.R.S: É difícil responder
a essa pergunta. As primeiras vezes marcam sempre muito – ver o “Call Girl” (2007)
na tela de cinema ou pegar no “A Velocidade dos Objetos Metálicos”, o meu
primeiro romance, e colocar junto dos meus restantes livros são momentos bons –
mas fazem parte do passado, são projetos aos quais já nunca regresso. Por isso,
talvez a resposta correta seja “Os Gatos Não Têm Vertigens”, porque é que vai
estrear agora e o que vai provocar reações (positivas, espero) junto dos
espectadores. É um filme que já terminei de escrever há mais de um ano e todo
este momento – da ante-estreia e estreia, de perceber como o filme se relaciona
com o espectador – é quase como receber a visita de um velho amigo que já não
vejo há algum tempo. Gosto dessa sensação.
M.L: Em 2007, co-escreveu o guião da longa-metragem
“Call Girl” de António-Pedro Vasconcelos e protagonizada por Soraia Chaves, Ivo
Canelas, Nicolau Breyner e Joaquim de Almeida. Que recordações guarda desse
trabalho?
T.R.S: As melhores. Foi o
início da minha relação profissional com o António-Pedro Vasconcelos e Tino
Navarro, duas pessoas que admiro e com as quais criei uma amizade que me
orgulha, e o primeiro passo para o que ainda ando agora a fazer: escrever
histórias, inventar personagens e diálogos, criar pedaços de mundos
imaginários. E, mesmo considerando que já não vejo o filme há muito, gostei do
projeto, do resultado final, das pessoas envolvidas. Não poderia pedir mais.
M.L: Como vê, atualmente, a Cultura em Portugal?
T.R.S: Qual cultura? A verdade é que há um desinvestimento total na cultura por
parte do nosso Governo, um desinteresse perigoso do público e uma tendência
autofágica interna em algumas áreas que pioram ainda mais as coisas. Temos
talento, disso não tenho dúvidas, pessoas que não desistem e continuam a
inventar e criar porque é quase uma compulsão ou uma virtuosa insanidade. Mas
sinto também que esse ‘não querer saber do público’ provoca uma divisão
nefasta: existem aqueles que deixam de querer comunicar e se tornam herméticos
em gloriosos exercícios de masturbação intelectual e os outros que ficam convencidos
que para agradar é necessário simplificar até ao absurdo, como se estivessem a
escrever ou a filmar para alguém que nunca leu ou viu um filme na vida. Acredito
no meio-termo, no poder e importância da narrativa, na inteligência do público
e é para isso que trabalho.
M.L: Recentemente, escreveu o guião da longa-metragem
“Os Gatos Não Têm Vertigens” de António-Pedro Vasconcelos, na qual vai estrear
no próximo dia 25 de Setembro. Como é que surgiu a ideia de escrever esta
longa-metragem?
T.R.S: Como sempre surgem
as ideias quando trabalho com o António-Pedro Vasconcelos: sentamo-nos à mesa
durante vários jantares e vamos trocando conceitos e premissas até encontrarmos
uma que interesse a ambos. Neste caso em particular, foi através de uma
história que uma amiga partilhou comigo, sobre uma senhora de idade que um dia
encontrou um miúdo sem-abrigo a viver no telhado e que começou a cuidar dele. O
António-Pedro já tinha ouvido uma história semelhante e o insólito da situação
– e as questões que nos permitia explorar – foram suficientes para acharmos que
havia aqui um filme para explorar.
M.L: O envelhecimento é um dos temas retratados em “Os
Gatos Não Têm Vertigens”, tal como em “Call Girl”. Na sua opinião, o que é
preciso para lidar com os que têm uma idade mais avançada?
T.R.S: Não me recordo com
exatidão da frase, mas há uma expressão que diz qualquer coisa como “o nível da
evolução de uma sociedade pode ser interpretada pela forma como lidam com os
velhos e os loucos”. O que não diz grande coisa da nossa sociedade. Basta olhar
para os cortes das pensões e para o abandono e solidão extrema com que muitos
são obrigados a viver. O que sinto é que os esses mais idosos, tão fundamentais
como testemunhas da nossa história e guardiões das nossas memórias, são agora
vistos como um peso ou, como diz a própria Rosa (Maria do Céu Guerra) em “Os
Gatos Não Têm Vertigens”, “num emprego que se detesta”. Não sei o que é
preciso, com toda a honestidade, apenas o que seria ideal – essa aproximação e
reconhecimento aos mais idosos.
M.L: Que expectativas têm em relação a este projeto?
T.R.S: Que as pessoas
gostem e que saiam das duas horas na sala escura do cinema e pensem ‘ok, valeu
a pena o dinheiro do bilhete, acreditei na história, senti empatia pelas
personagens e agora vou telefonar aos meus pais ou à minha avó porque já não
falo com ela há imenso tempo’.
M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira
ingressar numa carreira na área da escrita?
T.R.S: Não ingressem.
Sigam os conselhos dos vossos pais e estudem antes economia. Só tentem ganhar a
vida como escritor se for uma coisa que precisam mesmo, mesmo, mesmo de fazer.
Não é fácil e não é divertido e não se ganha bem. É uma dor de cabeça sem fim
com raros momentos de prazer. Tendo escrito isso, é também uma sensação
incomparável perceber que criámos algo onde nada existia. Por isso, só há um
conselho se quiserem uma carreira da área da escrita: escrevam, sejam honestos
com a vossa escrita e arranjem forma de lidar com a angústia de esperar que
alguém ache que vocês têm algum jeito para a coisa. Ah, e se escreverem alguma
coisa e pensarem ‘estas minhas palavras são geniais’, há 99 por cento de
certeza que não serão geniais.
M.L: Que balanço faz do percurso que tem feito, até
agora, como escritor?
T.R.S: Nunca pensei nisso,
para ser sincero. É demasiado cedo para balanços e estou demasiado ocupado a
tentar ganhar a vida.
M.L: Quais são os seus próximos projetos?
T.R.S: Escrevi um filme
para a Stopline Films que será realizado pelo Leonel Vieira e anunciado em
breve; estou a desenvolver dois projetos para o Tino Navarro; espero que a
minha primeira peça de teatro se concretize em breve e quero publicar o meu
segundo romance em 2015. É mais ou menos isso.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda nesta altura da sua vida?
T.R.S: Aprender a fazer um bom risotto. E realizar um filme. O que vier primeiro (a minha aposta
vai para o risotto).ML
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