M.L: Quando surgiu o interesse pela representação?
V.G: Eu comecei a interessar-me por teatro ainda
em Sines, de onde saí aos 17 anos para vir estudar para Lisboa. Começou tudo
por brincadeira. Éramos um bando de miúdos a curtir e começamos a brincar de
volta de "A Boda dos Pequenos Burgueses" com o Vladimiro Franklin, mas
a praia acabou por puxar-nos com mais força e ficou por ali... Em Lisboa
conheci o Ivo Ferreira na António Arroio, para onde fui estudar, e cujo
pai, Cândido Ferreira, estava a criar uma oficina de teatro livre na Junta de
São João. Pouco tempo depois estávamos nós na Ofecena a brincar ao
teatro. Por lá estive durante pelo menos 8 anos durante os quais fizemos vários
espetáculos com o Cândido e algum trabalho social, além de por lá
terem passado outros atores a partilhar experiências connosco como o
José Carretas, a Dina Lopes ou o Ryszard Kot-Kotecki que mais tarde foi meu professor no Conservatório.
M.L: Quais são as suas influências, enquanto ator?
V.G: Todas as pessoas com quem trabalhei desde que
comecei até agora, atores e não atores, encenadores, professores,
realizadores, coreógrafos, técnicos, todos aqueles com quem partilhei
experiências e tive o prazer de acompanhar no meu percurso, mas também espetáculos,
filmes, livros, artistas, filósofos ou outros cuja obra me toca,
ideias e visões do Mundo, imagens, acontecimentos, tudo o que me
faça refletir sobre mim, o Mundo e o meu lugar no nele...
M.L: Faz teatro, cinema e televisão. Qual destes
géneros que mais gosta de fazer?
V.G: São trabalhos inteiramente diferentes. Gosto
da maior autonomia criativa e da presença do público que o teatro e as performáticas
em geral permitem, tudo depende de nós e tudo pode acontecer aqui e agora
nesse encontro. E gosto de me descobrir mais tarde na montagem, na
tela ou mesmo no ecrã. Mas prefiro processos que permitam tempo para procura,
escuta e descoberta. A eficácia está muito sobrevalorizada e
acaba quase sempre (para não dizer sempre) por matar a possibilidade
para algo mais do que o cumprir de uma função.
M.L: Qual foi o trabalho que mais o marcou, até agora,
durante o seu percurso como ator?
V.G: Foi ter tido o privilégio de
trabalhar durante cerca de 7 anos com a Lúcia Sigalho na Companhia de
Teatro Senssurround. Foram anos de trabalho, pesquisa e questionamento
importantíssimos para mim, a trabalhar com pessoas extraordinárias, de uma
dedicação e compromisso sem par. Com a Lúcia conheci a sensação de ter
alguém que nos atira para o vazio e nos faz voar (é piroso mas é mesmo
assim), em quem se confia porque se sabe que por ali correm as mesmas
águas subterrâneas... É raro encontrar-se num lugar assim.
M.L: Entre 2009 e 2010, participou na telenovela
“Deixa Que Te Leve” que foi exibida na TVI, na qual interpretou a personagem Carlos
Paulo Antunes. Que
recordações guarda desse trabalho?
V.G: Guardo a recordação de uma equipa com pessoas
lindas e dedicadas ao ponto de conseguirem verdadeiros pequenos milagres
no meio das maiores adversidades.
M.L: Como vê, atualmente, o teatro e a ficção
nacional?
V.G: Vejo o Teatro, assim como as Performativas em
geral em muitas dificuldades mas ainda assim com muita vitalidade, embora
nem sempre chegue a muito público porque também isso se paga. O cinema e a
televisão carecem ainda de mais apoios e vontades para permitir a
sua produção. Ainda assim temos um tecido criativo muito vivo e faz-se
muito com o tão pouco que se tem em Portugal, o que não é justo
é que o trabalhar por quase nada ou só por amor à camisola seja tantas
vezes a única opção. Mas enquadra-se facilmente no que aqui se passa nas artes,
naquilo que se passa na Cultura em geral, tal como se passa na Educação,
ou na Saúde em Portugal, são setores estratégicos de identificação,
desenvolvimento e crescimento nacional, mas hoje em dia os valores
que importam parecem ser outros...
M.L: No que diz respeito ao audiovisual (Cinema e
Televisão), interpreta frequentemente personagens mais complexas e perturbadas
(como, por exemplo, no telefilme “Pretérito Imperfeito” da série “Casos da
Vida” (TVI), ou na mais recente longa-metragem realizada por António-Pedro
Vasconcelos, “Os Gatos Não Têm Vertigens”). Gostava de ter mais oportunidades
de interpretar personagens mais variadas tanto no cinema e na televisão?
V.G: Todos nós somos complexos quase por
definição, já quanto às perturbações todas são diferentes e se enquadram
sempre em contextos muito diversos em cada personagem, não encontro aqui na
verdade falta de variedade, apenas a oportunidade de explorar diversos
aspetos de facetas menos brilhantes da Humanidade, e por enquanto parece-me que
tenho caminhado pela luz tanto quanto pela sombra, pelo amor como pelo ódio e
outras mesmo pela serenidade (olha que bonito e de novo piroso... mas
ainda assim verdade). Mas ter a oportunidade de interpretar mais personagens diferentes?
Sim, claro, sempre. Quanto maior o desafio, melhor.
M.L: Entre 2008 e 2009, participou na série “Equador”
que foi exibida na TVI e baseada no livro, com o mesmo título, da autoria de
Miguel Sousa Tavares. Como foi a experiência de ter participado numa produção
televisiva de maior dimensão (como foi o caso desta série)?
V.G: Foi muito bom, e aprendi muito. Muito com
a experiência em si, e com as pessoas daquela equipa que era enorme. O
tempo que passamos em Cachoeira foi maravilhoso em todos os aspetos, para
mim foi uma espécie de residência artística num trabalho de televisão, o
que é muito produtivo. A vila era o cenário e nós vivíamos no cenário, e
grande parte do tempo vestidos e caracterizados, e muitas vezes a
cavalo. E andar a cavalo é maravilhoso.
M.L: Qual conselho que daria a alguém que queira
ingressar numa carreira na representação?
V.G: Experimenta primeiro. Brinca, descobre coisas
nesse caminho, descobre o que queres fazer fazendo, e espaço a quem te possa
mostrar caminhos. E se for por aí, faz, junta-te a amigos e faz tu próprio
as tuas coisas. Se for por aí, estuda, procura, mais... mas só se não
estiveres à espera de um dia ter tudo estudado. Não vai parar. E se parar normalmente é
mau sinal...
M.L: Que balanço faz do percurso que tem feito, até
agora, como ator?
V.G: Não sei ao certo... Isto é, tenho estado
ultimamente a recuperar e organizar arquivo do que tenho feito ao longo dos
anos e como já faço teatro há mais de 20 estou eu próprio surpreso com a
quantidade de coisas que fiz e de que quase não tinha já memória. O que eu não
sei é como de facto fazer um balanço sobre isto, não tenho distância, não
me consigo imaginar sem este percurso apesar de me conseguir projetar a
fazer outras coisas. Mas é o que me faz sentido. E ao mesmo tempo tudo
isto é pouco ou quase nada... Talvez precise de mais 20 anos para
responder a esta...
M.L: Quais são os seus próximos projetos?
V.G: Tenho estado a desenvolver uma parceria
criativa com o artista Victor Jorge e estamos a conspirar próximos projetos.
M.L: Qual é a coisa que gostava de fazer e não tenha
feito ainda nesta altura da sua vida?
V.G: Sendo assim fico-me
por "escrever um livro" e damos a entrevista por terminada que já vai
longa. Tanta coisa, desde trabalho a viagens, eu sei lá... Ainda há tanto por
fazer, e tanto que eu quero fazer. Tanta coisa!ML
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